A noção de “esquerda/direita” deve ser substituída pelo esquema “pós-ocidental/pró-ocidental”

Esquerda e Direita são conceitos, como tantos outros, imersos em contextos espaço-temporais que dificilmente podem ser transpostos com a pueril postura da política contemporânea. Mesmo quando o modelo é atualizado, requer uma nova e clara perspectiva do grande cenário geopolítico.

Por Paul Schmutz Schaller

Aparentemente, a noção política esquerda/direita data da Revolução Francesa de 1789; os representantes da futura ordem sentaram-se à esquerda na assembléia do parlamento, enquanto os representantes da velha ordem sentaram-se à direita. Posteriormente, como resultado da dominação ocidental do planeta, os termos políticos “esquerda” e “direita” foram utilizados ​​em todo o mundo. Embora, ao longo do tempo, a definição de “esquerda” e “direita” tenha evoluído, queremos manter aqui o entendimento original, ou seja, esquerda = representantes da ordem futura e direita = representantes da velha ordem.

Hoje estamos no meio de uma revolução mundial. A dominação ocidental do planeta está chegando ao fim e sendo substituída por uma nova ordem. É lógico que as forças políticas devam ser diferenciadas em vista deste quadro. Logo, as forças da direita são as forças que defendem a velha ordem, ou seja, que querem que o Ocidente continue sendo a força dominante no planeta. Por outro lado, as forças da esquerda argumentam que uma nova ordem está se estabilizando e tomando forma. Eu quero chamar essa nova ordem de pós-ocidental.

Além disso, em 20 de fevereiro de 2017, durante a Conferência de Segurança de Munique, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, utilizou a expressão pós-ordem mundial ocidental em seu discurso. Antes, esse termo era praticamente desconhecido (eu mesmo publiquei um artigo com o título “Post-Western Thought” em novembro de 2016). A mídia francófona a traduziu como “ordre mondial post-occidental”. Recordemos também que em março de 2021 foi publicada a Revue Défense nationale (França) sob o título “Sommes-nous entrés dans l’ère post-occidentale?”

Russos, chineses e outros costumam falar de um mundo multipolar. Podemos dizer que, em nosso diagrama, é a posição do centro, entre a esquerda e a direita. Se, além disso, a concepção de um mundo multipolar se opõe explicitamente à ideia de um mundo unipolar, eu falaria de uma posição de centro-esquerda. O discurso do presidente russo Vladimir Putin no 10º Fórum Jurídico Internacional de São Petersburgo (30 de junho de 2022) é um exemplo típico: “Um sistema multipolar de relações internacionais está se formando ativamente. Esse processo é irreversível, ocorre diante de nossos olhos e é objetivo. (…) Em suma, o domínio de um país ou grupo de países no cenário mundial não é apenas contraproducente, mas também perigoso e cria inevitavelmente um risco sistêmico global. O mundo multipolar do século XXI não é lugar para desigualdade ou discriminação contra Estados e povos.”

Continuemos a diferenciar o nosso modelo. Considero uma posição antiocidental, que afirma que tudo o que vem do Ocidente deve ser condenado por princípio, como uma posição de extrema esquerda que não compartilho. Eu diria que uma posição de esquerda defende um mundo multipolar, mas, além disso, adota o ponto de vista de que já existem países com um sistema melhor que o modelo ocidental. Uma posição que aceita a existência de outros centros de poder e respeita, em princípio, a independência de outros países, enquanto prefere o modelo ocidental é uma posição de centro-direita. Por outro lado, como já foi dito, a posição de direita quer manter a supremacia do Ocidente. E eu chamaria de extrema direita querer mudar ativamente a direção que outros países escolheram. Notavelmente, utilizar sanções ilegais (ou seja, sem autorização da ONU) para alterar o sistema estabelecido em outro país é uma atitude da extrema direita.

Hoje, o emprego antigo dos termos “esquerda” e “direita” geralmente resulta enganoso, até absurdo. Por exemplo, o atual governo alemão é, de acordo com o uso antigo, um governo de centro-esquerda. No entanto, é óbvio que é um governo de direita, mesmo de extrema direita. Ou o presidente francês Emmanuel Macron tem, na verdade, muito mais posições de direita do que sua rival nas últimas eleições, Marine Le Pen. No entanto, durante as eleições na Itália em 25 de setembro [este texto foi escrito antes de 25 de setembro], esperamos uma vitória do partido Fratelli d’Italia com La Liga e Forza Italia. Esses partidos são classificados pela maior parte da mídia ocidental como partidos de direita ou de extrema-direita. No entanto, na verdade, o primeiro-ministro cessante Mario Draghi está muito mais à direita do que esses partidos; foi precisamente por causa de sua política anti-russa, incluindo enormes sanções ilegais (que aumentaram muito os problemas econômicos na Itália), que Draghi foi empurrado para a resignação pela resistência popular. Quanto aos resultados da recente eleição (11 de setembro) na Suécia, uma análise semelhante se impõe.

Aliás, a nova¹ primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, é, de acordo com o antigo, bem como o novo emprego dos termos, muito próxima da extrema direita, mas não é considerado extrema direita pela mídia ocidental; sendo esta última, aliás, muitas vezes também muito próxima da extrema direita. Esses mesmos meios de comunicação classificam o primeiro-ministro húngaro Viktor Orban como pertencente à extrema direita, enquanto na realidade Orban é provavelmente o primeiro-ministro mais moderado de todos os países da União Europeia.

Na Suíça, a neutralidade tradicional pode ser vista como uma posição de centro-direita. No entanto, o governo suíço, apoiado pela maioria dos partidos políticos, apoiou as sanções ilegais do Ocidente contra a Rússia. Consequentemente, vários países, em particular a Rússia, não consideram mais a Suíça como um país neutro e uma reunião entre Putin e Biden como a de 16 de junho de 2021 em Genebra não será mais possível na Suíça. Além disso, há agora uma tendência na Suíça que quer redefinir abertamente a neutralidade como neutralidade pró-ocidental. Isso constituiria uma guinada à direita. No entanto, a última palavra ainda não foi dada e veremos como a Suíça se posicionará, já que a neutralidade tradicional continua popular, especialmente nos meios e regiões ditos “conservadores”.

No Ocidente, a palavra “democracia” tornou-se um termo mítico e até religioso. No entanto, o modelo ocidental nunca se baseou no princípio de que todos os países são soberanos e têm os mesmos direitos. Em geral, quando um presidente dos Estados Unidos visita outro país, ele não deixa de dar uma palestra a esse país e dizer-lhe como deve se comportar. Assim, tradicionalmente, o modelo ocidental é baseado no princípio “democracia para nós, ditadura para outros”. No entanto, este modelo não funciona mais. Nos últimos anos, a democracia nos países ocidentais também enfraqueceu consideravelmente.

As palavras que são usadas para classificar posições políticas têm uma influência considerável. É bastante crucial onde está localizado o centro político e quem é considerado extremista e quem é considerado moderado. Antigos entendimentos não se encaixam mais e precisam ser substituídos.

Nota

1 No momento desta publicação, Liz Truss já declarou que deixará o cargo de primeira-ministra britânica, sendo a ocupante do cargo pelo menor tempo na história e perdendo uma disputa para uma alface.

Fonte: Reseau International

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Nova Resistência

Organização nacional-revolucionária que, com base na Quarta Teoria Política, busca restaurar a dignidade imperial do povo brasileiro.

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