O que está em jogo nesse 2° turno das eleições presidenciais no Brasil não são apenas questões sociais ou econômicas, mas também, o futuro da Amazônia, envolvendo questões ambientais e geopolíticas. Afinal, que a eleição de Lula ou Bolsonaro representam para a região? O que ambos têm a oferecer para a região?
A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, ocupando o território da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela, Suriname e mais o território da Guiana Francesa. No Brasil, a área ocupada pela floresta é de 59% do território, abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. A região é caracterizada pela grande riqueza de recursos naturais, contendo grandes reservas de água doce (o maior aquífero do mundo está localizado na Amazônia, que é o Sistema Aquífero Grande Amazônia)1, de minerais (ouro, nióbio, ferro etc.). E, por consequência da escassez de uma miríade de recursos naturais no mundo, a região tem se tornado alvo da cobiça de grandes potências e conglomerados empresariais.
Nos últimos anos, a corrida e o interesse por novas fontes de água e minério têm aumentado fortemente, e a região amazônica se tornou um dos focos (se não o principal). Para se ter ideia, a região do Amazonas conhecida como “cabeça do cachorro” (localizada na fronteira com a Colômbia e a Venezuela) possui reservas estimadas em 2,9 bilhões de toneladas de nióbio, uma das maiores do mundo2. Já o Sistema Aquífero Grande Amazônia possui reservas de água doce no entorno de 162.520 km3, o suficiente para abastecer o planeta por 250 anos3. Sem falar também da Serra dos Carajás, localizada no Pará, que é a maior província mineralógica do planeta, onde possui imensas reservas de ferro, manganês, cobre, ouro e níquel.
Por consequência, tanto na esfera nacional quanto na internacional, as pressões acerca da soberania da Amazônia têm aumentado constantemente. Setores da mídia, políticos e empresários têm endossado o coro a favor de intervenções estrangeiras na Amazônia, por conta de uma certa “incompetência” do governo em conter o desmatamento na região e a escalada de confrontos na região (sendo o caso mais recente das mortes do indigenista e ex-servidor da FUNAI Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips). O aumento dos casos de desmatamento na região também é fato, principalmente sob o governo Bolsonaro4.
E é com esse histórico que o Brasil chega em uma das eleições mais polarizadas da história. Mas afinal, em se tratando de Amazônia, há alguma diferença entre os candidatos? A vitória de um beneficiaria mais a Amazônia que a do outro? O que Lula e Bolsonaro têm a oferecer para a região?
O Governo Bolsonaro e sua política ambiental
Bolsonaro, desde que era candidato à presidência da república em 2018, adotou uma postura polêmica em relação à política ambiental, com duras críticas à “indústria da multa” dos órgãos ambientais, mostrou-se contrário à demarcação de terras indígenas e criticou a presença de ONGs que atuam (em tese) na defesa da Amazônia. Já como presidente, aplicou boa parte do que foi apresentado durante sua campanha, sendo as principais: enfraquecimento dos órgãos de fiscalização ambiental e indigenistas (IBAMA, ICMBio, FUNAI etc.)5, manobras que podem fazer prescrever multas ambientais (deixando de arrecadar bilhões de infratores)6 e discursos que podem vir a resultar em uma série de impactos negativos para o meio ambiente (em especial na Amazônia), como o interesse de legitimar o garimpo em terras protegidas. Tais ações e discursos têm gerados uma série de consequências, como o aumento do desmatamento sob a gestão Bolsonaro e as pressões internacionais acerca da soberania da Amazônia (tanto de governos quanto de grupos financeiros).
Todavia, faz-se necessário observar o “círculo de apoio” do atual presidente. Um dos principais grupos de apoio do atual mandatário são aqueles ligados ao agronegócio e lideranças e políticos ligados à exploração de madeira e ao garimpo ilegal na região amazônica. Nas eleições, muitas candidaturas ligadas a bandeiras como a legitimação do garimpo em terras indígenas e discursos contrários à implementação de unidades de conservação se lançaram como postulantes ao Congresso, e, claro, apoiando a reeleição de Bolsonaro7. Cabe ressaltar também que Bolsonaro conseguiu votação expressiva em boa parte dos estados que têm forte presença das atividades supracitadas e também na região conhecida como “arco do desmatamento”, que abrange o norte mato-grossense, Rondônia, Acre e parte considerável do Pará (Figura 1).
Outro fator que expôs a leniência do governo com os criminosos que atuam na destruição e desmatamento ilegal na Amazônia é a perseguição aos servidores que atuam na proteção da Floresta, como os casos do servidor do IBAMA Roberto Cabral, considerado um dos agentes de fiscalização mais atuantes do órgão, era coordenador-geral de Fiscalização Ambiental da Diretoria de Proteção Ambiental, todavia, por seguir uma “linha” diferente da do atual governo, foi transferido do setor de operações para a área administrativa8. O Delegado da Polícia Federal (PF) Alexandre Saraiva, que foi coordenador da Operação Handroanthus GLO, que resultou na apreensão recorde de madeira ilegal na Amazônia, realizada em 2021, foi afastado de sua função depois de apresentar queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles que agiu em prol das madeireiras9; e em 2019, o agente indigenista da FUNAI, Bruno Araújo Pereira (morto no Vale do Javari por grupos criminosos que atuam na pesca ilegal), coordenou uma megaoperação contra o garimpo no Sudoeste do Amazonas (reunindo agentes da FUNAI, PF e IBAMA), resultando na destruição de 60 balsas que atuavam de forma ilegal no rio Jadiatuba, área onde se localiza 19 povos indígenas isolados. Após quinze dias, Bruno foi demitido do cargo de coordenador geral10.
Apesar da importância dos ataques direcionados às ONGs (pois muitas dessas, contando com o financiamento de países e grupos financeiros internacionais), Bolsonaro foi o principal responsável por “fornecer o combustível” ideal para a ação desses grupos de pressão, pois seu desprezo pelas políticas ambientais e sua complacência com os grupos criminosos que destroem a floresta favoreceu a ação dessas organizações e também o discurso imperialista de certas figuras, como o do presidente francês Emmanuel Macron, que afirmou que a Amazônia deveria ser “internacionalizada”.
Cabe ressaltar também que o governo Bolsonaro pouco fez para reverter os aumentos nos números do desmatamento na Amazônia durante o seu governo. Algumas tentativas como a reativação do Conselho da Amazônia e a operação “Guardiões do bioma” pouco tiveram resultados. Apesar do Conselho reunir ministros de várias pastas, ele não inclui representantes dos órgãos de fiscalização, que teriam grande importância no combate ao desmatamento. Outra medida, que pode ter impactos negativos para a soberania da região, é a parceria com o bilionário Elon Musk para auxiliar no monitoramento da Amazônia; todavia, por meio do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Brasil já dispõe de uma forte rede de satélites para auxiliar no combate ao desmatamento, além do fato de Musk ter ficado conhecido por ser um dos apoiadores do Golpe de Estado na Bolívia em 2019, que resultou na queda do ex-presidente Evo Morales, sendo a questão do lítio uma das peças chave para tal evento, pois a Bolívia é a maior detentora de reservas do material no mundo. E como destacado, a região Amazônica brasileira possui grandes reservas de vários minerais. Ou seja, os interesses econômicos estão envoltos em tal acordo, sobrepondo qualquer “filantropia”.
O que esperar de um possível governo Lula?
Durante o governo Lula (2003 – 2010), houve um investimento considerável nos órgãos de fiscalização ambiental, além de medidas envolvendo uma legislação mais rigorosa em prol da preservação do meio ambiente, em especial na Amazônia. Prova disso é a queda na taxa de desmatamento na região, que no começo do seu mandato (2003) foi de 25,4 mil km2, sofreu uma queda considerável, diminuindo para 7 mil km2 até em 2010. Além disso, decretos e leis foram criados, sejam de cunho ambiental ou social, a fim de dirimir conflitos e problemas na região. E também foi o que mais criou unidades de conservação em área, totalizando aproximadamente 26.828.924,53 milhões de hectares.11
Entretanto, apesar de alguns feitos positivos do Governo Lula no que tange à Amazônia, o ex-mandatário, ao longo do tempo, criou fortes vínculos com ONGs e outras personalidades que reivindicam a interferência de agentes externos e até mesmo a “internacionalização” da Amazônia. Isso ficou evidente quando uma das pessoas mais próximas de Lula, o teólogo Leonardo Boff, afirmou que a Amazônia deveria ser “internacionalizada”.
Outro fato que corrobora com tal questão é a proximidade de Lula com figuras que questionam a soberania brasileira na região, que é o caso do presidente francês Emmanuel Macron. O que estranha também são os recentes encontros que Lula realizou com deputados do parlamento europeu (União Europeia), e que, sabemos bem, são um dos maiores interessados na região.
O que o Brasil realmente precisa
Independente de quem seja eleito, a soberania da Floresta Amazônica estará comprometida. Os ataques das potências e grupos estrangeiros não vão acessar. As sabotagens internas promovidas por meio de discursos e pela mídia hegemônica tendem a ser cada vez mais intensificados. E tanto Lula quanto Bolsonaro não representam uma alternativa para o fortalecimento da soberania do Estado brasileiro na Amazônia. Ambos estão ligados a grupos de poder que destroem ou que pretendem explorar a região para benefício próprio.
A presença do Estado na região amazônica é essencial para garantir a preservação ambiental, o combate ao crime organizado na região (que tem crescido bastante, em especial nas regiões fronteiriças envolvendo narcotráfico, pesca ilegal e tráfico de recursos minerais, como o ouro), e também para garantir a proteção das comunidades locais, em especial as mais tradicionais (indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros etc.), fortalecendo, assim, a soberania na região.
Tal presença se faz não apenas por meio de discursos vazios reivindicando que a região pertence ao Brasil, mas sim, por meio de exemplos como o uso das forças armadas e o fortalecimento dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização, e incentivando também, mecanismos que viabilizam o desenvolvimento econômico e social da região, atendendo aos milhões de brasileiros que lá se encontram. Essas ações podem muito bem ser aproveitadas em projetos já implementados por governos anteriores (Zona Franca de Manaus, Projeto Calha Norte, Conselho da Amazônia etc.), integrando-os dentro de uma visão de política soberana na região amazônica. Sendo assim, a presença de grupos de criminosos ambientais na região e de ONGs alienígenas aos nossos interesses será combatida, pois essas organizações crescem por conta do “vácuo” resultante da ausência do Estado na região.
É assim que um governo legitimamente nacionalista deve fazer. Dessas duas candidaturas que disputam o atual pleito presidencial brasileiro, pouco há de se esperar, pois ambas estão comprometidas com grupos de poder tanto nacionais quanto internacionais que não nocivos para a região.
Notas
2 https://uc.socioambiental.org/pt-br/noticia/151270
4 https://ipam.org.br/desmatamento-na-amazonia-cresceu-566-sob-governo-bolsonaro/
11 https://oeco.org.br/noticias/28692-o-eco-mostra-qual-foi-o-presidente-que-criou-mais-ucs/