Dragana Trifkovic: O que substituirá a loucura russofóbica?

O crescimento do racismo e Nazismo na Europa apresenta um desafio ao mundo com um novo sistema a ser construído. Dragana Trifkovic, cientista política, diretora do Centro de Estudos Geoestratégicos de Belgrado e observadora sérvia da OSCE, fala sobre os primeiros passos nessa direção e para onde os direitos humanos estavam se encaminhando.

Por que você concordou em se tornar membro do Tribunal Internacional na Ucrânia, formado na primavera deste ano?

Eu visitei o Donbass como ativista dos direitos humanos em duas ocasiões: 2014 e 2015. Percebo similaridades marcantes entre o desespero dos civis no Kosovo e Metóquia da antiga Iugoslávia e no Donbass. Em ambos os casos, fui uma observadora eleitoral internacional como parte das missões da ONU e da UE. E nos dois casos fui descrita como uma agente de Belgrado, então do Kremlin, uma terrorista sérvia e russa. Houveram relatos de que lutei no Kosovo e no Donbass. Na realidade, meu único trabalho como especialista é insistir com as partes envolvidas que estão sujeitas ao Artigo 4 da Convenção de Genebra. É requerido que protejam aqueles que não fazem parte do conflito armado. A convensão é assinada pelos membros da OTAN e pela Ucrânia. No entanto, não funciona. Nestes dias, vemos inúmeros casos de civis forçados a entrar no conflito armado pelas autoridades de Kiev. As cidades e vilarejos do Donbass estão expostos a bombardeios brutais, assim como as cidades da Sérvia durante os ataques da OTAN. O direito de evacuação foi violado. A Rússia estabelece corredores humanitários, enquanto Kiev concorda mas então rejeita. Todos esses casos devem ser documentados para iniciar um processo legal contra os que violam a Convenção de Genebra.

Será seguido o padrão do Tribunal de Nuremberg?

Não acho que seja o caso. É necessário usar a experiência legal de Nuremberg, no entanto, o mundo não é o mesmo e o ambiente internacional também o é. A Rússia age com competência e apoiada por advogados dos direitos humanos de 20 países, assim foi estabelecido o Tribunal Internacional público sobre a Ucrânia. Os esforços para documentar violações humanitárias e crimes de guerra no Donbass durante oito anos, desde 2014 até fevereiro de 2022 foram a fundação para seu estabelecimento. Coletamos muitos fatos particulares, incluindo o bombardeio de civis, a emergência do neonazismo, represália contra sacerdotes, o saque de templos, o estabelecimento de campos de concentração e centros de tenção para tortura. Todos foram base para livros como Euromaidan and Ordinary Fascism: Ukrainian War Crimes and Human Rights Violations. Também há um reato entitulado “War Crimes by Armed Forces and Security Forces of Ukraine: Torture and Inhuman Treatment of Residents of Donbass.” As autoridades judiciais e investigativas das repúblicas de Donetsk e Lugansk já começaram a tarbalhar sobre suas bases. A missão deles é emitir sentenças legalmente relevantes para os crimes cometidos. Portanto, o propósito do tribular é informar detalhadamente o público, assim como órgãos de aplicação da lei.

Por que plataformas internacionais do Conselho da Europa e OSCE não são usados?

Advogados dos direitos humanos submeteram os documentos essenciais à ONU e OSCE mais de uma vez, Ainda sim, os documentos nunca foram estudados. Mais de 8.000 documentos registrados por defensores dos direitos humanos foram marcados como “Recusados”.

Então qual o sentido de enviar-lhes algo?

É necessário ao menos registrar os crimes. De ato, as autoridades de Kiev seguem o mesmo padrão de violência contra civis registrado na Iugoslávioa, no Donbass. Isso é um genocídio russo, previamente realizado no Iraque, na Síria, Líbia e antiga Iugoslávia, assim como no Afeganistão. Obviamente não acredito que esses crimes sejam investigados pelo Conselho da Europa. Não preciso dizer, mas é essencial estabelecer um novo sistema legal internacional de direitos humanos. E até que ele exista, fatos sobre violações dos direitos humanos em escala internacional devem ao menos ser registrados pelas instituições existentes. Na verdade, parte das forças armadas ucranianas e nacionalistas continuam cometendo seus crimes na Ucrânia. Civis são usados como escudo humano em apoio das operações de combate. Escolas e hospitais são transformados em bases de defesa. Roubos e saques aumentaram. As forças armadas não deixam que refugiados escapem por corredores humanitários. Campos de concentração estão sendo instalados outra vez para perseguir aqueles que favorecem o exército russo ou recebem ajuda humanitária da Rússia. Torturas e represálias extrajudiciais continuam acontecendo.

Qual sua opinião sobre as primeiras sentenças impostas sobre mercenários estrangeiros que lutaram no Donbass e foram condenados à morte pelas cortes de Donetsk e Lugansk?

Espero que seja apenas o começo, porque o TEDH não opera como mecanismo geral de direitos humanos, apesar de declarar este papel. Não é a primeira vez que isso ocorre. Quando a OTAN bombardeou a Iugoslávia por 78 dias em 1999 e centenas de milhares de civis foram mortos e feridos, pedimos ao conselho que investigasse esses crimes. Ainda não recebemos uma resposta. A OTAN começou a bombardear a Sérvia sem uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, então violou a lei. Aproximadamente 15 toneladas de urânio empobrecido foram jogador sobre a Sérvia durante aqueles dias. Atualmente, vemos picos dramáticos nas ocorrências de câncer dentre as segundas gerações das áreas afetadas. A avaliação jurídica desses crimes não foi feita até o momento. Mais tarde, depois que 250.000 sérvios foram expulsos do Kosovo e os fatos sobre a colheita e tráfico de órgãos foram descobertos ali, advogados sérvios dos direitos humanos fizeram relatórios. Eles incluíram testemunhos de vítimas civis dos bombardeios assim como sobre colheita e tráfico de órgãos. Apenas em 2011, após anos de “atrasos”, o conselho finalmente aceitou o relatório, mas somente sobre a questão dos órgãos. Até agora, não vemos progresso no encaminhamento de documentos ao TEDH, quiçá uma investigação adequada. Ninguém foi levado à justiça e 250.000 sérvios não podem retornar ao Kosovo. Por isso a firmeza legal das repúblicas do Donbass me encorajam. É um caminho para fora do beco legal.

Suas evidências sobre o bombardeio na Sérvia nunca foram aceitas?

É a mesma situação do Donbass. O conselho europeu e a OSCE não aceitam relatórios sobre bombardeios e tiroteios contra civis, tanto em 2015 quanto agora, após a detenção forçada de civis como reféns em Mariupol e Severodonetsk.

Por que, na sua opinião, existe uma tal disparidade em relação aos sérvios de Kosovo e da Sérvia, assim como aos russos de Donbass?

E quanto aos afegãos, sírios, líbios e iraquianos? As violações dos direitos humanos na UE se tornaram mais do que uma coisa regular. Elas foram causadas pela justiça vigilante contra dissidentes nos Bálcãs, os Bálticos, Ucrânia e em toda a Europa. Esse espírito não é condenado pelas instituições europeias, incluindo a Comissão Europeia, o Conselho da Europa e OSCE. Ao contrário, eles expressam atitudes anti-Sérvia, ontem, e russofobia, hoje. Não muito tempo atrás, o Instituto Nacional de Monitoramento conduziu uma pesquisa meticulosa sobre o racismo na Alemanha. O resultado confirma que racismo é um problema social alemão e da UE. Atitudes anti-asiáticas, anti-islâmicas e anti-eslavas demonstram tendências sociológicas de larga escala na Alemanha. Essas não são palavras minhas, mas o resultado da pesquisa: racismo é uma realidade na Europa democrática. O racismo se enraizou porque a sociedade está cada vez mais fragmentada em corporações de casta e enclaves étnicos sem qualquer traço de igualdade sociais entre eles. Mais uma razão por trás disto é o apoio institucional ao racismo na UE. A mídia é outro problema. Eles encorajam demonstrações de nazismo e racismo. Precisamos de mecanismos alternativos para lidar com eles porque a violação da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial também se tornou algo regular.

É possível a um tribunal público, mesmo que internacional, desafiar o racismo e o nazismo através das jurisdições nacionais locais?

Esta é a razão pela qual criamos o Tribunal Internacional Público sobre a Ucrânia. É o primeiro passo para estabelecer o sistema de um novo movimento de direitos humanos. O tribunal deve continuar seu trabalho de coleta de informações sobre violações dos direitos e liberdade. Depois, a informação será encaminhada para cortes de jurisdição nacional. Cedo ou tarde, os ofensores serão punidos. Outra coisa importante é que advogados, jornalidades e advogados dos direitos humanos de diferentes países estão envolvidos nas atividades do tribunal. Há um pequeno efeito dos esforços do tribunal. Ele se tornou uma força de penetração pública que ajuda a construir uma nova política de informação em substituição ao frenesi da Russofobia. Incidentemente, é uma batalha perdida na Europa. As tendências na França, Alemanha e até nos EUA provam isso. O problema é redefinido em todo lugar: por que devemos tolerar aumento de preços e vandalismo rampante de refugiados ucranianos enquanto russos são perseguidos na Ucrânia simplesmente por serem russos?

Você acredita que os responsáveis pela ascensão do nazismo serão punidos, como aconteceu em Nuremberg, em 1947? O terror dos refugiados na ex-Iugoslávia, na Síria, no Iraque e no Afeganistão permaneceu impune.

A falta de informação foi uma das razões. Agora o tribunal internacional está erigindo uma muralha de resistência legal contra a ignorância sobre violações de direitos e liberdades do povo. Eu acredito que este é o primeiro passo para a criação de outro arcabouço legal para a proteção dos direitos humanos. Outra razão para a não punição é a lavagem de mãos das elites locais que se rendem e guardam silêncio sobre o assunto.

Você declarou mais de uma vez que a Rússia está sendo preparada para o destino da Iugoslávia e que as sanções econômicas podem ser seguidas de “ações diretas”. O que você quer dizer com “ações diretas”?

O Ocidente não tem tantos recursos assim para afetar a Rússia. Impactos externos como revoluções coloridas e sanções não são efetivos. Bombardear uma potência nuclear é impossível. Ainda existem tentativas de destruir o país por dentro, por exemplo, com ataques hackers, polarização das elites e sociedade civil. No entanto, sanções mostram que as economias russa, chinesa e de outros países são mais robustas que as dos EUA e UE. Os EUA continuam imprimindo dólares, cuja demanda diminui conforme a competência política da Rússia. Até agora, eles não tem outra estratégia se não bombardear os dissidentes. Enquanto isso, se calam sobre direitos humanos, exceto dos LGBT. Essa é a chance do mundo remodelar a proteção de direitos humanos e liberdades, levando em consideração direitos de soberania e liberdade nacional, assim como o direito das próprias concepções de liberdade.

Fonte: Geostrategy.rs
Tradução: Augusto Fleck

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Dragana Trifković

Diretora Geral do Centro de Estudos Geoestratégicos em Belgrado, Sérvia.

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