Onde “NÃO” comer e beber em São Paulo

Como o processo de (des)industrialização do Brasil afeta os hábitos alimentares dos brasileiros.

Eu sou filho da Zona Franca de Manaus.

Minha mãe, de origem indígena, desceu o Rio Branco, saindo de Boa Vista, cidade do antigo ‘Território de Roraima’ para Manaus a fim de terminar seus estudos.

Meu pai, de origem japonesa, saiu do Paraná para São Paulo, após uma geada que devastou os campos de café. Depois, veio à Manaus para trabalhar em uma fábrica de relógios.

Os dois se conheceram na Manaus da década de 1980, no auge da Zona Franca de Manaus. Entre indianos, chineses, coreanos, japoneses, sírios, libaneses, ingleses, americanos e brasileiros, meus pais se conheceram na fila do cinema.

Nesse tempo, Manaus era uma cidade isolada. Meu pai, com seus hábitos mais ‘caipiras’ sentia falta do feijão lá do interior do Paraná, farto de alho e carne de porco. Dizia que era algo caro em Manaus, comprado em empórios, pesado grama por grama em saquinhos de papel. Isso talvez explique o motivo do feijão amazonense ser tão diferente do resto do Brasil: os preciosos grãos se faziam render com alimentos da terra: abóbora (jerimum), repolho, bucho-de-boi e maxixe ajudavam a enriquecer o que estava na panela — em tempos em que arroz e feijão eram hábitos caros nesta parte do Brasil.

Na infância, apesar de caro, meu pai fazia questão de que conhecesse meus tios que ainda moravam no Brasil. O resto foi tentar a vida no Japão, como quase todo tio de nissei ou sansei na década de 90. Foi meu pai que me apresentou São Paulo, uma cidade que ele nutria uma certa gratidão, chegou para limpar banheiros e saiu como salaryman, um executivo de ‘baixa casta’ de corporação japonesa, com sonho de ir subindo degrau a degrau, como um samurai, aceitava tudo que lhe pedissem e um deles era ser mandado para uma fábrica no meio da Amazônia.

Viajar à São Paulo virou um hábito, para estudar ou para celebrar as lembranças de meu pai.

Nas minhas últimas viagens, sempre hospedado pela Liberdade, percebi que haviam várias lojas de conveniência “Hirota” — ao entrar, me lembrou muito aquelas lojas de conveniência que há aos montes no Japão, como a Seven Eleven ou Family Mart. Alguns pratos japoneses prontos, pães, salgados e espetinhos, ao lado de produtos de limpeza e higiene. Existe até um nome para esse tipo de mercado —konbini (um estrangeirismo de convenience store).

É preciso lembrar que esses mercados, no Japão, são bem comuns nas cidades grandes e teve seu crescimento a partir do processo de industrialização daquele país — e hoje se espalham por toda Ásia. Vale dizer que essas lojas funcionam em regime de franquia, e quem decide ter uma, opta por trabalhar em longos expedientes, já que são empreendimentos familiares, abertos todo dia e toda noite. Em toda esquina por lá se tem alguma loja desse tipo e graças a elas, a massa operária se alimentou. Ou melhor, se alimentou mal — e não é incomum gente que por lá morre de câncer de estômago, fígado ou tem uma ‘morte súbita’.

Com o crescimento das cidades, se distancia o operário e suas famílias de uma alimentação de qualidade, natural e adequada. Com o aluguel caro, sobra muito pouco dinheiro para se comprar alimentos frescos — e acaba se optando por alimentos industrializados. Há até um nome para isso: desertos alimentares.

Aparentemente essa devoradora de gente se espalhou (ainda mais) por São Paulo. A Oxxo se espalha nas periferias da maior cidade do país — e nem preciso dizer mais o que ela oferece para quem só consegue comprar nela. De origem mexicana, a rede Oxxo é uma subsidiária da FEMSA, que é a distribuidora de Coca-Cola na América Central. Não é preciso ser um gênio para ligar os pontos.

Agora cá em Manaus, eu não sei se a moda vai pegar, mas preciso pontuar uma coisa: No final da década de 1980, a minha cidade era de indústria pulsante: uma em cada três pessoas adultas trabalhavam no Distrito Industrial.

Com a decadência do ciclo econômico, uma horda de desempregados encontrou uma solução para sobreviver: se espalharam pela cidade as ‘tabernas’. Muitos pegavam sua rescisão de emprego e compravam fardos de bebidas e comidas industrializadas e começavam a vender nas portas de suas casas. É óbvio que no estado onde pobres são quase a metade de população, segundo a Fundação Getúlio Vargas, as pessoas acabam trocando a salada, o arroz, o feijão e a proteína de qualidade por um macarrão instantâneo ou por uma carne enlatada.

Isso acontece quando o Estado não se preocupa com sua economia, quando não olha para os mais pobres e quando nada faz para pôr algo no prato do povo.

Pelo andar da carruagem, na próxima vez que for à São Paulo, vão fazer virado à paulista com fiambre em lata.

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Yukihiro Aoyagi

Professor de História da rede pública de ensino, pós-graduando em Metodologia do Ensino, e membro da NR-AM.

Artigos: 596

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