Em espírito contrário ao processo monotônico continuamente empurrado pelo Ocidente para todas as civilizações, é no reavivamento da intencionalidade heroica do passado, do desbravamento bandeirante, que o Brasil vive seus momentos de maior autenticidade e vitórias.
Por Cassiano Ricardo
O retorno do Brasil às suas origens e consequente retomada do espírito bandeirante
Nos períodos de crise surgem de novo os tipos de líderes que chamam a si totalidade do poder, que tinha o chefe primitivo. A maior soma de autoridade que hoje se concede ao chefe de Estado é um apelo às origens. Ortega y Gasset diria: uma forma de regressão política. De qualquer modo, entre nós, será a revivecência do espírito bandeirante, e não a nostalgia do feitor transformada em culto cívico. O governo de um só, que reflete aquela sede de autoridade (nós temos sede de autoridade, dizia Poincaré) própria desta hora social, tão colorida, se obedece à simplificação dos grandes momentos humanos e coletivos — que precisam criar o responsável — da mesma forma que instituem o poder direto e o plebiscito, dispensando as representações fúteis e os intermediários anacrônicos, não será apenas “a relação entre o cesarismo e a vida no quadro das massas” senão também a salvação sumária dos povos que se refugiam no original e no originário de sua história. Neste apelo às origens, que coincidências curiosas não decorrerão do confronto entre a realidade de hoje e a nossa gênese!
Ora, transposto do plano sociológico para o político, e apesar da interrupção do espírito bandeirante nas cartas imperial e republicana, o que se observa é que o Brasil só se realiza plenamente toda vez que que o revive: é José Bonifácio combatendo o liberalismo francês, em favor da unidade brasileira; é Pedro I dissolvendo a constituinte, em favor da Autoridade forte; é Feijó, na regência, evitando a dissolução das províncias; é Pedro II exercendo o seu poder pessoal, mais governando do que reinando; é Deodoro instituindo o presidencialismo e nos salvando do regime parlamentar. é Floriano, o “marechal de ferro” consolidando a república. O Estado Novo encontra no fortalecimento do executivo e no maior poder pessoal do chefe, o exemplo histórico e, mais do que isso, o exemplo da nossa formação social.
O Estado Novo é várias vezes Bandeirante
Fala John Dewey — já bastante divulgado entre nós — em recorrer aos tempos primitivos para que nos forneçam os elementos fundamentais da presente situação em “fôrma imensamente simplificada”.
Se o tecido é muito complexo — diz o autor de Democracy and Education, e está demasiado próximo da vista, não se pôde vêr o seu desenho. É preciso desmanchá-lo para que apareçam as linhas gerais e mais grosseiras do padrão. Analisem-se, pois, as nossas instituições políticas atuais — e aparecerá o desenho delas — o que elas têm de bandeirante.
Não haverá mesmo surpresa em se dizer que o Estado Novo é várias vezes bandeirante.
Bandeirante no apelo às origens brasileiras; na defesa de nossas fronteiras espirituais contra quaisquer ideologias exóticas e dissolventes da nacionalidade; no espírito unitário, um tanto antifederalista; na soma de autoridade conferida ao chefe nacional; na “marcha para o oeste” que é também sinônimo do nosso imperialismo interno e no seu próprio conceito; isto é, no seu conceito “dinâmico” de Estado
Fonte: Revista Cultura Política. v. 1, n. 1, 1941