Suassuna é um autor fundamental e a geografia sagrada fornece subsídios para a compreensão adequada do alcance e limitações de seu pensamento.
Ariano Suassuna é um autor fundamental, especialmente por sua capacidade de reunir uma miríade de influências e matrizes, sintetizando tudo em um resultado que é autenticamente brasileiro. Mas de uma perspectiva do simbolismo geopolítico (e, portanto, da geografia sagrada), existe um pequeno defeito nas suas associações narrativas que, inclusive, o coloca em contradição com a leitura simbólica feita por Darcy Ribeiro.
Ribeiro, como todos sabem, enfatizava a latinidade do Brasil e o papel do Brasil como herdeiro do espírito romano, mas trasladado aos trópicos. O Brasil seria, potencialmente, uma Roma Tropical, maior das herdeiras do Lácio.
Na “história sagrada” construída por Suassuna, principalmente n’O Romance da Pedra do Reino, porém, onde Suassuna opera com uma série de dualidades, como entre “Brasil oficial” e o “Brasil real”, existe uma clara associação entre a imagem de Roma e o “Brasil oficial” (branco, rico, dos poderosos, etc.), com os sertanejos de Canudos sendo associados narrativamente tanto aos cartagineses quanto aos hebreus.
Cartago aparece em Suassuna (e isso é repetido em entrevistas onde ele associa Roma aos EUA), como símbolo da resistência dos povos oprimidos contra a “tirania romana”. No Romance, porém, Suassuna tenta “resolver” a contradição em uma conciliação entre os dois Brasis.
Claro, essa leitura extremamente particular de Suassuna deixa de lado uma série de outras associações simbólicas q são fundamentais: Cartago é símbolo de uma civilização comercial e materialista que se expandia de forma praticamente imperialista, com o uso de exércitos mercenários. Um pouco difícil de associar com os sertanejos ou com Dom Sebastião.
Ademais, historicamente, quando começa o conflito romano-cartaginês, Cartago era uma grande potência colonialista, com tentáculos por todo o Mediterrâneo. Sua relação com as colônias era fundamentalmente extrativista. Cartago possuía todas as vantagens materiais diante de Roma que, à época, ainda era pequena, ocupando apenas o centro-sul da Itália peninsular. O objetivo de Cartago era sufocar Roma pelo mar até submeter o país. Ora, embora dialética “opressor-oprimido” seja algo a se evitar no estudo da história antiga, se havia um “oprimido” naquele conflito, eram os romanos, especialmente durante a Primeira Guerra Púnica. Os romanos que, derrota após derrota, se ofereciam como voluntários para enfrentar Aníbal, me recordam muito mais os sertanejos de Canudos do que as tropas mercenárias de Cartago poderiam fazê-lo.
Não obstante, Suassuna permanece um autor inestimável e fundamental, até por abrir as vias para uma compreensão da celticidade do Brasil, que também é outra via simbólica interessante para nosso país.