Um bolivarianismo hondurenho?

Após a muito falada reeleição “à la Lukashenko” de Daniel Ortega na Nicarágua, é a vez de Honduras, sua vizinha ao norte, ter sua leve dose de desaprovação do Ocidente liberal. Mas será mesmo Xiomara Castro uma defensora genuína das ideias bolivarianas que afirma endossar?

Xiomara Castro, que, apesar do sobrenome, nada tem a ver com Fidel e está, na teoria, mais alinhada ao chavismo e à noção bolivariana de “socialismo do século XXI”, encontra-se praticamente eleita no país centro-americano. Ela é a esposa do ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, que fora deposto por um golpe de estado em 2009. A deposição de seu marido foi o acontecimento que culminou na “radicalização política” de Xiomara, levando-a a liderar um movimento legalista de resistência que serviria como gênese para o seu atual partido, o Libre, fundado cerca de dois anos após o acontecimento. O Libre representou, desde então, a quebra definitiva do status quo bipartidário de Honduras, cuja hegemonia era compartilhada pelos partidos Nacional e Liberal.

Mas será mesmo ela, na prática, uma defensora genuína das ideias bolivarianas? Xiomara já afirmou, segundo a revista Reuters, que pretende endossar pautas liberais como a descriminalização do aborto e a criação de uma “comissão anti-corrupção” com o apoio da ONU. Tais propostas vão na contramão de um suposto viés antiliberal de facto, reforçando a ideia de que sua práxis não irá muito além da manutenção e da criação de novas políticas sociais assistencialistas, pelas quais ela já teve responsabilidade e ganhou notoriedade como primeira-dama durante o mandato de Zelaya.

Honduras, como sabemos, já passou por mais de cem golpes de estado desde a sua independência da Espanha em 1821 (sim, uma média de mais de um golpe de estado a cada dois anos). Pela prevalência de elites econômicas atlantistas muito bem estabelecidas nos países da América Central, qualquer guinada significativa em direção a um rompimento com a ordem vigente no subcontinente torna a retenção de poder político por parte de forças mesmo minimamente dissidentes um esforço hercúleo, que depende excessivamente do personalismo e dos cojones de figuras caudilhistas como Castro e Ortega.

Por isso, não é surpresa que Xiomara, que, ao que tudo indica, nada mais é do que mera continuadora do legado frágil de Zelaya, mostre-se um empecilho apenas levemente desfavorável aos olhos do Ocidente e das elites hondurenhas.

Enfim, tudo leva a crer que Xiomara, apesar de sua postura superficialmente mais radical, não tenderá a aplicar supostos valores bolivarianos à sua práxis política, mantendo-os no campo estético do discurso e sendo desprovida de qualquer pretensão quanto a um possível afastamento da esfera geopolítica de Washington, cuja influência torna-se cada vez mais vital ao atual modelo econômico hondurenho. Em outras palavras, Xiomara está, infelizmente e apesar do barulho, mais para Dilma Rousseff do que para Evita Perón. Ao fazer o clássico jogo misto de populismo na política interna e liberalismo na política externa, Honduras permanecerá, por ora, num beco sem saída.

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Beto Farías

Membro NR-RS e tradutor independente.

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