Migrantes se acumulam na fronteira entre Belarus e Polônia, enquanto o exército polonês se posiciona para defender o país das “armas de migração em massa”. Mas Belarus não fez nada além de liberar a passagem, resposta natural à participação polonesa na tentativa de derrubada do governo bielorrusso e na tentativa de assassinato de Lukashenko. A realidade é que a crise migratória na Europa Oriental é complexa e, evidentemente, o Ocidente não tem a menor intenção de dar solução a ela, além de ser óbvia responsável por destruir países do Terceiro Mundo e provocar (intencionalmente) essas ondas migratórias.
A crise dos migrantes da Europa Oriental tomou o continente de assalto e inesperadamente tornou-se sua maior preocupação de segurança. A Polônia acusa Belarus de empreender uma “guerra híbrida” através de “Armas de Migração em Massa” como uma resposta assimétrica à campanha de mudança de regime do Ocidente contra o presidente Lukashenko desde as eleições do ano passado. O líder bielorrusso nega as acusações, assim como a Rússia, que Varsóvia também acusou de estar supostamente envolvida na trama da “guerra híbrida” de seu vizinho.
As tensões aumentaram drasticamente na segunda-feira após uma caravana de migrantes sem precedentes ter tentado invadir violentamente a fronteira polonesa, levando a acusações por cada país de que o outro estaria violando os direitos humanos dessas pessoas e se envolvendo em perigosas provocações militares. O Ministro das Relações Exteriores russo Lavrov colocou a culpa aos pés do Ocidente pela destruição dos países muçulmanos, sendo assim a causa final por trás das ondas migratórias que periodicamente emanam de lá.
Ele está certo, mas há mais do que isso. A RT lembrou a sua audiência que Lukashenko ameaçou durante o verão parar de proteger a UE contra o contrabando (o que significa também imigração ilegal). Esta é uma postura sensata de sua perspectiva, já que não há razão para que este país sancionado continue investindo seus recursos financeiros cada vez mais limitados para garantir a segurança de seus vizinhos contra tais ameaças transnacionais não estatais, enquanto eles literalmente tentam derrubar seu governo.
Sendo assim, a Polônia também não está totalmente errada. Mesmo tendo desempenhado um papel importante na Guerra do Iraque liderada pelos EUA e participando da posterior ocupação daquele país, ela ainda tem o direito de defender seu povo das “Armas de Migração em Massa”. Independentemente do que se pense sobre qualquer governo em particular (seja da Polônia, de Belarus ou da Rússia), seu povo não deve ser punido pela política externa que seus representantes promulgam em seu nome.
É preciso dizer explicitamente, no entanto, que as acusações do governo polonês de apoio secreto da Rússia à suposta instrumentalização dos processos de migração ilegal de Belarus estão completamente erradas. Na verdade, o Kremlin só tem a perder quanto mais tempo esta crise migratória durar. Isso porque existe o risco disso ser explorada como pretexto para o incremento de forças militares ocidentais ao longo da fronteira bielorussa, o que também poderia levar os países da OTAN a realizar provocações contra o aliado de defesa mútua da Rússia.
A solução é simples em princípio, mas politicamente difícil de implementar. O Ocidente deveria rescindir suas sanções contra Belarus, a fim de lhe permitir controlar mais efetivamente o fluxo de estrangeiros dentro de seu território, especialmente aqueles que se reúnem em massa e marcham em direção à fronteira com a Polônia. Neste momento, é muito difícil para o país fazê-lo enquanto sofre com a crise econômica criada pela COVID e pelas sanções. Ele não vai se fechar para o mundo exterior apenas para garantir os interesses de segurança da UE.
Fazer isso também seria politicamente inaceitável para sua liderança diante da investida de mudança de regime pela qual o bloco e seu patrono americano são responsáveis. Sejam quais forem as críticas a Lukashenko, ninguém pode afirmar com credibilidade que ele é fraco. Ele já provou ser resistente à imensa pressão durante o ano passado. Não há razão para esperar que ele mude repentinamente sua postura só por causa da última crise migratória.
Lamentavelmente, o Ocidente não tem o pragmatismo político para resolver esta crise. Pelo contrário, eles só parecem interessados em exacerbá-la, pois esperam explorá-la por razões estratégicas relacionadas à justificação de um novo acúmulo militar ao longo das fronteiras do aliado de defesa mútua da Rússia. Seus dois pesos e duas medidas em relação à crise migratória do Sul da Europa de 2015 e à da Europa Oriental de 2021 são motivados por estas motivações antirrussas.
Nenhuma solução parece estar no horizonte, já que o Ocidente não vai resolver esta crise de forma responsável, e é por isso que os observadores podem esperar que suas relações com a Rússia continuem se deteriorando, já que é provável que estes países envolvidos dêem crédito às falsas alegações da Polônia de que o Kremlin está orquestrando secretamente este ataque de “guerra híbrida” contra eles. Isto poderia complicar imensamente os esforços incipientes entre a Rússia e os EUA para alcançar um “pacto de não agressão” para regular responsavelmente sua rivalidade.
De fato, pode até acontecer que a Polônia tenha decidido manipular esta crise manufaturada com o objetivo de sabotar a aproximação acima mencionada. Afinal, o líder da Europa Central e Oriental se sente abandonado por Biden, teme que esteja “vendendo” os interesses estratégicos do país, e está sob uma pressão sem precedentes da UE. Ao apresentar-se como o “escudo” do Ocidente contra a “guerra híbrida russa”, ele espera, no entanto, permanecer relevante para eles e assim reduzir alguma pressão.
Se esta for uma avaliação precisa do que está acontecendo, então sugere que a Polônia explorou esta crise inicialmente provocada pelos EUA (vendo como os EUA lideraram as guerras do Ocidente contra os países muçulmanos) de formas que correm o risco de minar os próprios interesses dos EUA, já que a Administração Biden está gradualmente começando a conceitualizá-los. Em outras palavras, é a Polônia – não Belarus – que se “desonrou” ao se recusar a fazer o que é necessário para pôr fim a esta crise, apesar de ter o direito de também se defender da invasão.
Estas dimensões estratégicas mais profundas mostram o quão complicada é a crise dos migrantes do Leste Europeu. Os EUA são os culpados mais diretamente pela destruição de países muçulmanos, seguidos pela Polônia por liderar a campanha de mudança de regime do Ocidente contra Belarus que levou a sanções contra aquele país que, por sua vez, paralisou sua capacidade (tanto física quanto política) de defender a UE da imigração ilegal. A menos que as sanções sejam levantadas, a crise provavelmente continuará e corre o risco de arruinar a aproximação russo-americana.
Fonte: Oriental Review