Como São Francisco renomeou suas escolas

por Isaac Chotiner

O conselho escolar de São Francisco resolveu aproveitar a configuração do ensino pandêmico e do afastamento social para impulsionar seu liberalismo progressista ao limite da insanidade. Em entrevista com a chefe do conselho, Isaac Chotiner nos apresenta um pouco do discurso incoerente que defende a destruição sistemática dos heróis, através de todos os meios necessários, incluindo a falsificação histórica mascarada como “diálogo e representatividade”.

Mês passado, o Conselho de Educação de São Francisco aprovou, por 6-1, a mudança nos nomes de quarenta e quatro escolas, incluindo aquelas nomeadas Abraham Lincoln e George Washington. Um comitê formado pelo conselho em 2018, no despertar das manifestações de supremacistas raciais em Charlottesville, determinou que qualquer figura “engajada” na subjugação e escravização de seres humanos; opressão das mulheres; inibição do progresso social; ou cujas ações levaram ao genocídio; ou que outrora diminuíram significativamente as oportunidades entre as pessoas do direito à vida, liberdade e busca pela felicidade”, não mais devem ter seus nomes em escolas, além de recomendar quais nomes deviam ser alterados. O nome de Washington foi marcado por seus escravos, o de Lincoln por suas políticas em relação aos indígenas, o nome da senadora Dianne Feinstein será removido de uma escola pela decisão de, durante seu mandato como prefeita de São Francisco, nos anos 80, de substituir a bandeira confederada que era parte da amostra do Centro Cívico, após ter sido derrubada por um manifestante. (Um porta-voz de Feinstein afirma que o departamento de parques da cidade substituiu a bandeira “por conta própria”. Mais tarde ela trocou a bandeira por uma da União). Algumas das recomendações do comitê receberam maiores críticas: A escola elementar Paul Revere será renomeada por seu papel na Expedição Penobscot de 1779, onde o ataque a um forte britânico, segundo o comitê (incorretamente), intencionava colonizar o povo de Penobscot.

Na terça-feira, eu falei sobre a decisão com Gabriela López, chefe do Conselho de Educação de São Francisco. López, de trinta anos, é professora eleita do conselho escolar em 2019, e escolhida presidente por seus colegas. Nos últimos anos, as escolas de São Francisco estiveram frequentemente nos noticiários nacionais. Em Outubro, o conselho interrompeu o processo de admissões seletivas da Escola de Ensino Médio Lowell, conhecida por sua força acadêmica e baixo número de alunos latinos e negros. Na Quarta, a cidade de São Francisco processou o conselho escolar e o distrito, afirmando falta de um plano de reabertura. (O superintendente disse numa conferência que o conselho escolar e o distrito possuem um plano de reabertura “compreensivo”). Em minha conversa com López, que foi editada por questões de tamanho e clareza, nós discutimos a controvérsia sobre reabertura e renomeação, incluindo questões sobre a forma de julgamento do comitê e como enxergar o legado e figuras históricas complexas.

CHOTINER: Eu li na sua declaração que, “isso não apaga, de forma alguma, a nossa história. Não podemos e não iremos esquecer o passado. Mas podemos honrar o trabalho feito para desmantelar o racismo e cultura de supremacia branca”. Você pode me explicar o que quis dizer?

LÓPEZ: Há essa ideia de que ao removermos os nomes estamos de alguma forma removendo a história no que aprendemos, o que não é o caso. É somente uma questão de dividir na escola o que deve e o que não deve ser exaltado. Isso é parte do meu trabalho como membro do conselho escolar. É meu trabalho como professora. O que destacamos nas nossas aulas? O que ensinamos aos jovens? E o que não é exaltado em nosso tempo e nosso sistema público de ensino que vemos ao longo da história?

C: Você quer dizer que na prática não precisamos exaltar, digamos, Lincoln, mas não quer dizer que não vamos ensinar sobre a Guerra Civil ou a Proclamação de Emancipação?

L: Absolutamente, mas mesmo aí, falamos sobre uma brutalidade e a verdade frequentemente não é debatida em nossas aulas. E estou pensando mais em minha própria experiência e aprendizado, o que recebi em meus anos de faculdade, que adquirimos em estudos étnicos, não é um processo que geralmente percebemos na carreira escolar. Assim como debater a história. É claro que isso não vai a lugar algum.

C: Você fala sobre estudar a história e sua importância. O comitê pediu o testemunho de historiadores? E por quê?

L: Então, é difícil para mim responder essa pergunta apenas apontando que “não quiseram incluir historiadores”. Não acho que esse era o processo que criaram. Eles incluíram uma lista diversa de membros comunitários, pessoas com experiências e que contribuíram para essa discussão, pessoas de diferentes origens que também são educadas no seu próprio contexto. Então acredito ser essa a formação do comitê.

C: Um membro do comitê afirmou, sobre os historiadores, “Qual a razão? A história está escrita e documentada o bastante. Não precisamos atacar a história nesse sentido. Não estamos debatendo isso. Não há sentido em debater a história. Ou aconteceu, ou não aconteceu”. O que você acha disso?

L: Acho que entendo sua pergunta. Está pensando se houve autorização ou não para esse processo?

C: Você falava sobre, não importa como a exaltamos, a história precisa ser ensinada. Como você valoriza a importância da história, estou curioso sobre o testemunho de historiadores. Mas parece que eles não testemunharam.

L: Certo. Meu trabalho é dividir com os alunos essa compreensão da nossa história. Eu acho que para mim, é importante exaltar. Isso não cancela nossa história. É um momento e oportunidade para exaltar coisas que normalmente não exaltamos em nosso sistema, em nossa sociedade. Isso quer dizer outras vozes, outras experiências de membros comunitários diversos que tragam orgulho ao nosso corpo estudantil, e que permitam aos estudantes aprender mais sobre si. É um afastamento dessa ideia de que em algum modo quando removemos esses nomes, removemos sua história, o que aconteceu. Não podemos progredir sem essa compreensão. Não podemos curar a sociedade sem essa compreensão.

C: A razão pela qual trago isso é que algumas das racionalizações históricas para essa decisão são contestadas – não tanto no quanto devemos ver George Washington enquanto fundador e escravista, mas, na própria remoção de nomes como Paul Revere, que não era factualmete sobre a colonização de terras nativas. Então surgiram questões sobre a importância do envolvimento de historiadores para a checagem dos fatos.

L: Entendo o que quer dizer. Então, para mim, acho que o critério foi criado para mostrar se esses temas estavam de algum modo amarrados, certo? Supremacia branca, racismo, colonização, escravidão, a morte de indígenas, ou qualquer símbolo que os englobe. E o comitê enxergou esses nomes vinculados a essas amarras. Assim, para mim, nesse momento, eu entendo que devemos ensinar, mas também concordo que não devemos ter essas amarras, e esse é um modo de mostrar isso.

C: Acho que parte do problema é essas amarras não serem as que o comitê abordou. Por isso trago a questão.

L: Mas aí vamos descreditar o trabalho que estão fazendo, e o processo que eles juntaram para criar essa lista. Quando começamos essas conversas, e apontamos para isso, e damos razões para a forma como eles decidiram e porque eles decidiram, não quero entrar no mérito de então descreditar o trabalho desse grupo.

C: Mas parece que devíamos dar atenção para o fato do trabalho deles estar historicamente correto ou incorreto. Não?

L: Estou aberta a essa conversa.

C: Certo. Bem, eu mencionei a questão de Paul Revere. Eu sei que houve um questionamento sobre James Lowell e se ele concordava com o voto dos negros, o que ele na verdade era a favor. O nome desse homem, James Lick, foi removido porque sua fundação financiou uma instalação que não ficou pronta até duas décadas depois da sua morte.

L: Certo, entendo o que quer dizer.

C: E isso não é algo que te preocupa?

L: Não. Quero dizer, eu não colocaria dessa forma, tampouco. Eu penso que precisaríamos dialogar mais. Eu sei que o comitê ainda está realizando encontros, e estão abertos a isso. Então não me preocupo. Eu acho que é algo que está faltando sem um diálogo.

C: Mas o membro do comitê disse que, essencialmente, “as coisas são verdade ou mentira”. E assim parece que se são falsas, isso não pede mais diálogo; pede uma historiografia acurada.

L: Acho que todos podemos concordar com isso.

C: Pois é.

L: Então, eis minha opinião. O verdadeiro problema é como somos desafiados ao falar sobre racismo. E como as massas saem para combatê-lo, quando é uma ideia que fere aquilo com que estamos acostumados. Minha atual situação é compartilhar com as pessoas de forma simples que eu não acho apropriado ter símbolos de racismo e cultura supremacista. E estamos tentando ter essa discussão, e o que vejo em meu tempo no conselho, quando assuntos assim passam a surgir, é que as pessoas tentam combater e encontrar qualquer problema ao redor de nossa discussão, porque não é algo que devíamos estar discutindo. É algo com que muitas pessoas têm problemas.

C: Eu concordo que discussões sobre racismo e supremacia nos EUA tendem a ser tensas. E espero que faça parte, de algum modo, de um processo de mudança. Acho que a pergunta também é sobre como vemos seres humanos. Só para pegar o exemplo de Dianne Feinstein – eu não acho que existam muitas figuras históricas sem incidentes como o da bandeira confederada, mais de trinta anos atrás.

L: Eu acho que precisamos ver isso como uma oportunidade de exaltar outras pessoas, outros movimentos, outros nomes que geralmente não vemos. Então eu entendo que humanos sejam falhos, e aqui está uma tentativa de ir na direção de ajudar as pessoas expandir como a comunidade vê a si e sua escola sem precisar manter nomes, pelos quais somos conhecidos, com o que estamos acostumados.

C: Mas, no caso de alguém como Lincoln, acho que mantemos seu nome não só porque estamos acostumados, mas por sua importância na história americana e suas contribuições gerais. Não?

L: Certo. Mas nós vemos Lincoln, reconhecemos ele, mas também podemos nos abrir para outros nomes nesses espaços. Eu acho que, para mim, é difícil enxergar porque isso é um problema. Lincoln não vai ser excluído, mas nosso distrito escolar está aproveitando a oportunidade para destacar outras pessoas, alguém que normalmente não é reconhecido mas que contribuiu para o progresso das pessoas de cor, ou o progresso da comunidade que servimos em São Francisco.

C: Um ex-prefeito [George Moscone] manterá seu nome numa escola embora tivesse a bandeira confederada lá durante seu mandato. Não seria bom ter um padrão?

L: Eu acho que isso aponta para o critério criado e como cada um se enquadrou. Quero dizer, queremos aprofundar esse processo? Queremos discutir outras instituições? Eu disse que estamos comprometidos com isso, então eu acho que o diálogo é importante para todos. É o que tenho escutado.

C: Então nenhum dos erros que li sobre alguns nomes te preocupam, que isso possa ter sido feito de forma relativamente aleatória?

L: Não, porque como eu te disse, as pessoas que contribuíram com esse processo também são parte da comunidade que leva tudo tão a sério quanto gostaríamos que eles levassem. E estão contribuindo através de perspectivas diversas e experiências que são frequentemente não incluídas, mas que devemos reconhecer.

C: Eu não tenho certeza do que isso quer dizer quando falamos sobre coisas que aconteceram ou não.

L: Eu acho que o que você está apontando e continuo ouvindo é uma tentativa de minar o trabalho feito através desse processo. E eu estou me distanciando da ideia de que foi aleatório.

C: A prefeita da cidade, London Breed, declarou que, “O que não consigo entender é porque o conselho escolar avança com um plano sobre a mudança de nomes dessas escolas até Abril, quando não há um plano para levar nossas crianças de volta às salas de aula até lá”. Qual a sua resposta sobre isso?

L: Eu sei que quando se trata de escolas, a prefeita tem aproveitado qualquer oportunidade de causar divisão. Isso é uma pena, porque precisamos ser claros sobre onde estamos nesse processo. Sobre a reabertura das escolas que ela fala, temos trabalhado nisso diariamente. A ideia de que “não temos um plano” – isso é completamente falso.

C: Eu li que você disse “Eles estão aprendendo mais sobre suas famílias e cultura ao passar mais tempo uns com os outros. É uma outra experiência de aprendizado das que medimos atualmente. E a perda é uma comparação com um tempo e espaço diferentes”. Gostaria de expandir essa ideia?

L: Sim, porque isso está diretamente ligado ao trabalho de minha própria sala de aula. Eu entendo que o ensino a distância não é sobre onde queremos estar. Eu acredito que todos podemos concordar com isso. O trabalho que realizo na minha própria sala de aula está diretamente conectado com envolvimento familiar. Quando eu era professora, eu visitava a casa de cada estudante. Colaborávamos, trabalhávamos juntos, trazíamos a cultura um do outro nesse trabalho, porque eu entendo que parte do crescimento de um estudante é a incorporação de uma comunidade exterior mais abrangente. E isso inclui a sua família. Então, o que quero apontar é que essa é a oportunidade que temos agora, com estudantes aprendendo mais sobre sua cultura, passando mais tempo com a família, mas sem diminuir o fato de tratar-se duma situação de grande dificuldade. Também é para mostrar que o distrito escolar disponibilizou muitos recursos para contribuir com o modelo de ensino familiar, para que não se sintam sozinhos nesse período. É por isso que, num sentido geral, nossa maior prioridade é reabrir as escolas e o ensino a distância, porque entendemos que nem todos querem voltar ao ensino presencial. Então precisamos assegurar a educação que está sendo operada em casa tanto quanto a presencial.

C: O que quer dizer com assegurar?

L: Assegurar é dar suporte, recursos, desenvolvimento profissional às famílias, enviar materias para casa, kits. Quando isso tudo começou, parte do meu trabalho foi participar de workshops com as famílias para que aprendessem a navegar a plataforma.

C: Acho que muitos dos comentários sobre os nomes das escolas são focados especificamente em Lincoln. Parece ser o que deixou as pessoas mais chateadas. Você tem alguma reflexão sobre Lincoln e como devemos enxergá-lo?

L: Eu acho que genocídio indígena é algo que as pessoas não reconhecem. É uma coisa sobre a qual as pessoas estão aprendendo agora e graças ao este processo. Então só temos que fazer o trabalho de dar um ensino adicional quando temos essas discussões.

C: Mas, para além disso, nada mais?

L: O que quer dizer?

C: Estou curioso sobre sua visão geral dele.

L: Eu acho que Lincoln recebe mais reconhecimento do que… como posso dizer? É, não sei, eu não acho que… Lincoln não é alguém que eu tendo a tipicamente admirar ou considerar um heroi, por causa dessas instâncias específicas em que ele contribuiu para a dor e destruição de pessoas – não é algo que quero ignorar. É algo que estou aprendendo sobre e que sei, não é normalmente abordado.

C: Visto que você parece esperar por outro tipo de conversação, eu me pergunto se a conversa da última semana e o modo como as pessoas responderam a essas mudanças fez alguém do conselho ou ate mesmo você pensar que talvez essa não seja realmente a melhor forma de começar a conversar sobre esses assuntos.

L: Não importa o que aconteça – o quão amplo sejamos, quanto tempo demoremos, o quanto nos conectemos – as pessoas sempre encontrarão problemas na discussão sobre o racismo. Isso é o que eu sei. É por isso que estou recebendo ameaças de morte. É por isso que as pessoas não se abrem às possibilidades. Porque quando discutimos isso, esses são os resultados, não importa o quão bem estruturemos tudo, o quão abertos estejamos. Algumas das coisas que desafiamos agora tem sido trabalhadas por anos em conselhos passados – ficamos segurando isso, e é o tempo de reconhecer e seguir adiante. Mas, não importa o que aconteça, as pessoas terão problemas. É o que sei, por minha experiência. É claro, eu entendo o que você quer dizer, mas não acho que mude o resultado. As pessoas ainda ficarão irritadas de qualquer modo.

C: Me parece que a chance de comentários como “qual o ponto de trazer um historiador?” contribuir para as reações menos positivas é considerável. Ou relacionar fatos incorretos a Paul Revere.

L: Certo.

C: Me parece que se esse é o resultado de um processo que vem se desenvolvendo há anos, é um tanto problemático.

L: É, eu não discordo.

Fonte: The New Yorker
Tradução: Augusto Fleck

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