O Liberalismo e as Igrejas Cristãs nos Estados Unidos

Neste texto, David T. Koyzis, doutor em Filosofia pela Universidade de Notre Dame e atualmente é professor de Ciência Política na Redeemer University College, analisa a influência deletéria da mentalidade liberal nas igrejas protestantes norte-americanas. Por analogia, podemos também pensar no efeito destruidor que esta mesma mentalidade produz em alguns setores religiosos brasileiros.

Neste texto, David T. Koyzis, doutor em Filosofia pela Universidade de Notre Dame e atualmente é professor de Ciência Política na Redeemer University College, analisa a influência deletéria da mentalidade liberal nas igrejas protestantes norte-americanas. Por analogia, podemos também pensar no efeito destruidor que esta mesma mentalidade produz em alguns setores religiosos brasileiros.

Um século atrás, as igrejas protestantes norte-americanas estavam divididas entre os defensores da integridade confessional de suas igrejas, e aqueles que acreditavam em alguma forma de concessão ao mundo moderno como inevitável e até desejável. Estes ficaram conhecidos como protestantes liberais, que ganhariam notoriedade ao negar doutrinas fundamentais da fé Cristã, como a virgindade de Maria, a divindade de Cristo e sua ressurreição do mundo dos mortos. Tipicamente, eles elogiavam a moral dos Evangelhos enquanto negavam tudo que entrasse conflito com a visão científica do mundo.

No entanto, o liberalismo na religião cobre mais do que uma negação do milagre. Um Cristão liberal pode estar disposto a afirmar que Jesus literalmente caminhou sobre as águas (Mat. 14:22-33), ou que ressuscitou dos mortos, e ainda sim mantém o direito individual de aceitar somente aquilo que apoia sua experiência pessoal da fé. J. Gresham Machen, que foi forçado a combater o liberalismo em sua própria Igreja Presbiteriana durante as décadas de 20 e 30, compreendia bem a natureza desse individualismo e seu impacto sobre a comunidade Cristã. Enquanto liberais em sua denominação afirmavam aceitar a autoridade de Cristo, tratava-se de um Cristo refeito à imagem de preconceitos culturais da época. De acordo com Machen, “Para o liberalismo, a verdadeira autoridade só pode ser a ‘consciência’ ou ‘experiência’ Cristã… A verdade só pode ser aquilo que auxilia o homem como indivíduo”.

A principal dificuldade dessa abordagem, claramente, é que a experiência varia de um indivíduo para o outro. Não pode haver uma fé comum professada por uma comunidade Cristã em que cada um retém para si a soberania de decidir o que ele ou ela pode afirmar dentro de um corpo maior da fé. Advém daí a caricatura do clérigo excêntrico e de pouca fé, que cruza os dedos atrás das costas enquanto recita o Credo Niceno, confessando a fé como uma concha, enquanto nega sua substância.

Existe uma conexão entre o liberalismo religioso e o político? De fato há, e nós podemos percebê-la nos escritos do filósofo político John Locke, durante o séc. XVII. Em seu Segundo Tratado sobre o Governo, Locke notoriamente afirma que a autoridade política está enraizada no contrato social entre indivíduos, que estabelecem a magistratura civil para proteger suas vidas, liberdades e propriedades. Se esse magistrado civil falha em cumprir os termos de seu contrato, o povo poderá pegar em armas contra ele, ao que Locke atribui o eufemismo: “apelo aos céus”.

Locke não limitou esse contrato social ao estado, mas o estende também à igreja institucional. Em sua Carta Sobre a Tolerância, Locke avança com sua própria definição sobre a Igreja: “Uma igreja, então, entendo como uma sociedade voluntária de homens, reunidos em comum acordo para a adoração pública de Deus, de modo que julguem aceitável para Ele, e efetiva para a salvação de suas almas”. Ainda que indubitavelmente existam muitos Cristãos, especialmente os membros de tradições separadas da igreja, que implicitamente concordam com a definição de Locke, a tradição Cristã predominante vê a Igreja como a comunidade da aliança entre aqueles chamados por Jesus Cristo, Salvador e cabeça de Sua Igreja.

Ademais, a igreja reunida, distinta do corpo de Cristo que é mais abrangente, é geralmente reconhecida como uma instituição com autoridade para ligar e desligar tudo o que está sobre a Terra (Mat, 16:19, 18:18). Como tal, ela é mais do que o conjunto de seus membros, mas é um receptáculo divinamente ordenado, portador do Evangelho para o mundo e especialmente para aqueles que estão em Cristo.

Na realidade, a eclesiologia voluntarista do liberalismo não se limita de forma alguma às denominações protestantes liberais na América do Norte. Mesmo as igrejas evangélicas que reivindicam fidelidade à Bíblia comunicam implicitamente a seus membros que suas necessidades pessoais e expressas são soberanas, e se esforçam para atendê-las acima de tudo. Baseando-se em um modelo de consumo, tais congregações realizarão cultos de múltiplos e diferentes estilos a cada domingo, apelando aos diferentes gostos litúrgicos dos adeptos. Se isto implicar em atenuar os distintivos confessionais e montar um estilo litúrgico de concerto, que assim seja.

Hoje, é comum escutar as pessoas se proclamando “espiritualizadas”, mas não religiosas. A mera espiritualidade deixa o ego no controle, e as igrejas bem sucedidas se esforçam para apelar ao ego. Por outro lado, religior implica em determinado vínculo (do latim: religare) da pessoa a um caminho particular de obediência que não é determinado pela própria pessoa. Assim como o estado é chamado por Deus para a tarefa irrevogável de proclamar o Evangelho em sua plenitude, administrar os sacramentos e garantir que os membros cumpram sua vocação diante da face de Deus, que os redimiu em Jesus Cristo.

Fonte: First Things

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Nova Resistência
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