Sérgio Ricardo participara da Bossa Nova e prosseguiu compondo trilhas sonoras para filmes, se tornando a face musical do Cinema Novo.
Perdemos mais um grande nome de nossa música popular, mais uma lenda que, muito provavelmente, sequer será citada pelos veículos oficiais do governo e pelas hordas de descerebrados que sequer sabem o que é ser um brasileiro de verdade. Hoje, partiu o cantor, compositor e diretor de cinema Sérgio Ricardo, nome artístico do paulista João Lufti. Para os mais desinformados, ele talvez seja apenas o sujeito que, em 1967, no III Festival da Canção, foi vaiado pelo público e, contrariado, quebrou seu violou como forma de protesto. Para aqueles que dedicaram um pouco mais de tempo para a cultura do próprio país, Sérgio Ricardo foi um dos nossos compositores mais refinados, com uma imensa sensibilidade em capturar na música a alma do povo simples brasileiro.
Um dos pioneiros da Bossa Nova, estilo que rapidamente superou, seu maior sucesso é o triste samba Zelão, que narra a história do morador de um morro carioca que perdera seu barraco e seu violão numa forte chuva. Mas o ápice de sua carreira está nas trilhas sonoras para o cinema e em trabalhos, de alguma forma, relacionados à Sétima Arte. Não podemos deixar de destacar seu genial trabalho na trilha de Deus e o Diabo na Terra do Sol, do maior cineasta brasileiro, Glauber Rocha. Muito do arrebatador clima do filme, algo que não passa incólume a nenhum espectador, se deve também, além da gritante genialidade do cineasta baiano, ao sutil e surpreendente desempenho de Sérgio Ricardo nas composições que povoam esse filme, que talvez seja a mais importante obra do cinema brasileiro. Sérgio Ricardo transformou em sons a revolução empreendida por Glauber Rocha e, dessa forma, tornou-se a face musical do Cinema Novo.
Vale destacar também a trilha sonora de A Noite do Espantalho, com as participações de Alceu Valença e Geraldo Azevedo, que também atuam nesse filme dirigido por Sérgio. Presente em ambas as obras citadas, a música nordestina serve de base para composições extremamente sofisticadas, líricas, profundas e politizadas. Adjetivos que podem ser usados para toda a discografia de Sérgio Ricardo. Para aqueles que desejam conhecer seu trabalho, recomendo o álbum de 1973, que carrega seu nome e também A Grande Música de Sérgio Ricardo, de 1967.
Artista esquecido pela grande mídia, inclusive por boa parte da tal imprensa progressista, Sérgio Ricardo foi um exemplo de como grandes nomes de nossa cultura são abandonados de forma triste, trocados pelo lixo produzido no exterior ou em nosso próprio país. Agora que, como diria Guimarães Rosa, ficou encantado, talvez seja lembrado por muitos que injustamente o ostracizaram durante décadas. Nós, como grandes admiradores da cultura genuinamente nacional, como, por exemplo, do Cinema Novo, jamais deixamos de valorizar a obra desse que foi um dos nomes mais talentosos da arte brasileira. Celebrar e proteger nossa produção cultural, aquela que bebe nas genuínas fontes do que o povo produziu, é zelar pela segurança de nossa identidade coletiva.