O Fascismo não pode ser abordado apenas por supostos traços organizacionais, ou por um vago sentimento de autoritarismo, e outros aspectos psicologizantes. Trata-se de uma ideologia cujos traços comuns são estudados por diversos autores, e não há como contorná-los caso o objetivo seja o de avaliar corretamente essa teoria política.
O principal elemento do fascismo é determinado tipo de nacionalismo, que podemos chamar de ultranacionalismo. É a ideia de que a identidade fundamental de qualquer pessoa se dá pelo pertencimento a uma sociedade nacional de traços homogêneos e orgânicos ao mesmo tempo. Essa identidade nacional se encontra num patamar superior a qualquer outro vínculo ou associação da pessoa, seja de caráter religioso, classista, individual, regional etc. Essas demais ‘identidades’ inexistem quando comparadas à nação.
Não importa se essa sociedade nacional tem natureza racial ou étnico-cultural: ela nivela e legitima tudo no fascismo. Todas as instituições, mesmo as tradicionais, tem de se subordinar a essa identidade básica. Isso confunde muitos analistas, que pensam existir alguma contradição entre o discurso fascista de apego à tradição e um certo desprezo por instituições que são ”tradicionais” na ótica do conservadorismo. Mas não há contradição nenhuma desde que se tenha atenção ao horizonte do fascismo, focado na continuidade e perenidade desse substrato nacional.
Ligado a esse elemento fundamental há o juízo fascista de que a nação se encontra decaída ou degenerada por diversos fatores. Ela precisaria ser recuperada, ou antes, purificada e regenerada em toda sua potência. O fascismo se afirma na percepção da ruptura entre o momento atual da nação e aquilo que ela verdadeiramente é.
Diversas outras características e posicionamentos do fascismo decorrem desse núcleo que descrevi. É antiliberal, pois o indivíduo não existe diante da nação, é uma ilusão atomizante que fragiliza o corpo nacional. É anti-marxista porque sua concepção organicista relativiza a luta de classes, principalmente aquela encarada em um contexto internacionalista e meramente materialista. É anticapitalista porque a liberdade dos fatores de produção, o lucro etc. tem de se subordinar aos interesses da nação.
Existem outros aspectos do fascismo a serem abordados — valores marciais, a visão sobre o território, a figura do Líder etc. –, mas o que citei aqui já é suficiente para demonstrar que Bolsonaro não tem nada de fascista. Um discurso que aposta na legitimação de pastores ou sacerdotes, ou então que afirma dependência do Exército ou outras instituições de ordem tradicional não é de forma alguma fascista. Um discurso que apela para o individualismo, seja na esfera dos direitos ou da economia, não tem nada que ver com o fascismo.