por Alberto Negri
Nos primeiros momentos da pandemia, o governo americano, e especialmente seu presidente, levantou a voz contra a China, fazendo diversas acusações, especialmente no sentido de que a China teria criado e lançado o covid-19. A narrativa não durou muito tempo, ela logo foi se enfraquecendo até ser esquecida. Por que? Independentemente de qual seja a origem verdadeira do covid-19, a narrativa que acusava a China de fabricar a pandemia em Wuhan não era conveniente. A verdade é que EUA e França estão há mais de 10 anos investindo em pesquisas sobre coronavírus e vírus animais em Wuhan, e eles querem que esqueçamos isso tudo.
A evidência da conexão do vírus de Wuhan está lá, sim, mas não são as que “ainda não” nos mostraram Trump e seu escudeiro Mike Pompeo quando acusam Pequim de ter “fabricado” o Covid-19.
São as provas da colaboração, a base de milhões de dólares, entre os Estados Unidos, França e China nos próprios laboratórios de máxima segurança de Wuhan para o estudo de vírus animais. Obama havia colocado uma moratória de quatro anos em algumas dessas pesquisas, retomadas algum tempo depois com o apoio convicto de Anthony Fauci, o chefe da epidemiologia americana há mais de 40 anos. Americanos e franceses durante anos tem financiado experiências com vírus em Wuhan, mesmo aquelas que talvez não pudessem fazer em casa.
Esta é a Virus Connection que se esconde no ricochete entre as acusações de Trump e as réplicas de Pequim sobre as origens do Covid-19, considerado natural pela maioria dos cientistas e não um experimento de laboratório.
É um ar de guerra fria entre os EUA e a China. Em discurso à ONU em 1974, Deng Xiapoing, então enviado de Mao, disse: “Nunca a China aspirará a se tornar uma superpotência”. Hoje todos pensam o contrário: Pequim, na crise do coronavírus, dominou os Estados Unidos como nação-guia.
A ambiguidade subjacente é como a China se tornou uma superpotência: com a nossa cumplicidade. A Covid-19 é uma história emblemática. Tudo começou quando os franceses começaram a construir um laboratório de segurança máxima em Wuhan, em 2004, para a pesquisa de vírus animais. Durante anos, cientistas chineses foram treinados no Instituto Jean-Merieux de Lyon, com o apoio da Sanofi Pasteur, a maior empresa de vacinas do mundo.
Em 2017 é inaugurado o laboratório em Wuhan, mas os chineses mantêm de fora os 50 pesquisadores franceses que tinham que acessá-lo de acordo com os acordos feitos por Paris. Os franceses sofrem um xeque-mate inesperado, mas os americanos são os protagonistas da história: o líder da operação Wuhan é Anthony Fauci, o homem que Trump queria demitir há algumas semanas, chefe da área de saúde americana há 40 anos, conselheiro de todos os presidentes a partir de Reagan. Um especialista em vírus, mas também um especialista em poder.
E eis a conexão Wuhan. Em 2019, Anthony Fauci, como chefe dos Institutos Nacionais de Alergia e Doença Infecciosa (Niaid), financia com 3,7 milhões de dólares um projeto do vírus em Wuhan. E certamente não foi o primeiro financiamento americano: em anos anteriores já haviam chegado outros 7,4 milhões de dólares. A pesquisa é dirigida pelo chefe do laboratório P4 Shi Zheng Li, a “senhora dos morcegos”, especializada em Montpellier e Lyon. Decorada com a Legião de Honra junto com o chefe de todos os laboratórios chineses, Yuan Zhiming. Resumindo, os americanos roubaram dos franceses a “sua” melhor cientista de vírus de morcegos.
A colaboração EUA-China continuaria este ano com pesquisas sobre a mutação do coronavírus quando eles atacam humanos. O projeto da EcoHealth Alliance em Wuhan só foi cancelado em 24 de abril, quando Trump, Macron e Merkel começaram a acusar Pequim, mas também a OMS, de falta de transparência nos dados da pandemia.
Mas aqui a transparência também tem sido pouco vista no Ocidente. Vários cientistas americanos criticaram a colaboração com os chineses porque, em alguns casos, ela envolvia a manipulação genética de vírus e riscos de “fuga” dos laboratórios.
Uma eventualidade que a epidemiologista americana Jonna Mazet exclui decididamente no Business Insider: “Não houve violação no laboratório: eu mesma colaborei com os chineses nos protocolos de segurança”. E ela acrescenta uma informação valiosa: “Falei com Shi Zheng Li e ela me garantiu que ninguém havia identificado Covid-19 antes do surto desta epidemia”.
Mas a própria cientista americana admite que nunca visitou pessoalmente o laboratório P4 de Wuhan. Como os franceses, os americanos que financiaram Wuhan, ainda que conhecessem pessoalmente os cientistas chineses, só tinham pisado ali uma vez.
O problema é que a Wuhan Connection é uma bomba política. E nos conta uma história um pouco diferente da oficial: os franceses e depois os americanos queriam realizar na China experiências de alto risco que eram proibidas ou sobre as quais haviam sido expressas sérias dúvidas por razões de segurança.
Em 2014, sob pressão do governo do presidente Barack Obama, o NIH suspendeu alguns dos experimentos em curso sobre vírus. Ao final da moratória, em dezembro de 2017, Fauci retomou os experimentos de engenharia genética. Mas em segredo. Uma comissão foi convocada a portas fechadas para examinar os riscos da operação, que encontrou a oposição de vários cientistas. E para contornar isso, Fauci financia os chineses.
Não podemos saber neste momento o que aconteceu em Wuhan. Mas uma coisa é certa: só agora, com a pandemia de Covid-19, veio à tona a perturbadora história de Wuhan Connection.
Fonte: Il Manifesto