Em 8 de Julho rememoramos o falecimento do grande pajador guasca, Jayme Caetano Braun. Conhecido como El Payador, Piraju, Martín Fierro, Chimango ou Andarengo, Jayme Caetano Braun foi figura central na música gaúcha, pilar dos quatro Troncos Missioneiros, e que através de seus saudosos versos, adentrou o panteão da música regional gaudéria.
Pajador, poeta e radialista, Jayme Caetano Braun nasceu na Timbaúva (hoje Bossoroca), na Região das Missões no Rio Grande do Sul. Na carreira, fez diversas payadas, poemas e canções, sempre exaltando o Rio Grande do Sul, a vida campeira, os modos e a natureza local. Membro fundador da Academia Nativista Estância da Poesia Crioula, foi peça chave para a manutenção da tradição em nosso estado.
O músico Demétrio Xavier, maior intérprete brasileiro do payador argentino Atahualpa Yupanqui, lembra que, fora Braun, o Rio Grande do Sul não tem tradição nessa arte praticada com esmero no Pampa espanhol – e que também é forte no Nordeste, onde são comuns os cantores repentistas. O pajador gaudério juntou com esmero um vocabulário vasto, rimas áureas e conhecimento folclórico. Ademais, expunha seus versos numa toada lenta que combinava com seu porte altivo, o baixo na voz e um gestual solene.
Também teve considerável participação na política, militando nos palanques de grandes nomes do nosso estado, como Leonel Brizola e João Goulart, de cujas campanhas participou ativamente. Faleceu por parada cardíaca no ano de 1999, deixando três filhos (Marco Antônio, José Raimundo e Cristiano) e um imenso legado cultural.
Com vasta produção e publicação poética, além de um dicionário de regionalismos, Jayme foi mais marcante na música, onde ao lado de Noel Guarany, Cenair Maicá e Pedro Ortaça, definiu o estilo e contribuiu na difusão da música regional missioneira. Sobre essa confraria imortal, El Payador escreveu os seguintes versos:
São quatro cernos de angico falquejados na minguante
que vem trazendo por diante o nosso tesouro mais rico
que há três séculos e pico os centauros nos legaram
memórias que não gastaram nos entreveiros da infância
e olfateando na distância algumas que se extraviaramos quatro são missioneiros, unidos no mesmo abraço
são tentos do mesmo laço, brasas dos mesmos braseiros
chispas dos mesmos luzeiros, que onde um vai, o outro vai
nenhum pesar os contrai, nem desencanto e nem mágoa
os quatro beberam água, nos remansos do Uruguai.Um deles é o Pedro Ortaça nascido lá no Pontão
em num dia de serração tapado pela fumaça
cantor de fôlego e raça, do mais crioulo recurso
mais agarrado que um urso nas seis cordas da guitarra
andou fazendo uma farra, na bailanta do Tibúrcio.Outro é o Noel Guarany, do manancial missioneiro
que benzeram em terneiro com leite de curupi
tropeando desde guri, nunca caiu em Aripuca
mais bravo do que mutuca, vem do berço de Sepé
e andou morando em Bagé, lá na baixada do Manduca.Outro é o Cenair Maicá, do canto bárbaro e doce
que com certeza extraviou-se da flor do caraguatá
crioulo também de lá, das barrancas do Uruguai
saiu quebra igual ao pai, um massaroca na clina
já cortou trança de china nos bailes do SapucayOutro? O outro, apenas payador, misto gente e urutau
é o Jaime Caetano Braum do velho Rio Grande em flor
cantando coplas de amor, sem se importar com os espinhos
de tanto trançar carinho foi se enredando nas tranças
e hoje tropeia lembranças, que juntou pelos caminhos.
Político e poético, um homem que valorizava profundamente suas raízes, Jayme Caetano Braun é um exemplo do que almejamos como militantes e vanguardistas de uma ressacralização cultural. Por fim, homenageamos sua grande existência ao som de uma payada, paradoxalmente, atemporal.
Jayme Caetano Braun
“Galo de Rinha”
Valente galo de rinha,
guasca vestido de penas!
Quando arrastas as chilenas
No tambor de um rinhedeiro,
No teu ímpeto guerreiro
Vejo um gaúcho avançando
Ensangüentado, peleando,
No calor do entreveiro !
Pois assim como tu lutas
Frente a frente, peito nu.
Lutou também o xirú
Na conquista deste chão…
E como tu sem paixão
Em silêncio ferro a ferro,
Caía sem dar um berro
De lança firme na mão!
Evoco nesse teu sangue
Que brota rubro e selvagem.
Respingando na serragem,
Do teu peito descoberto,
O guasca no campo aberto,
De poncho feito em frangalhos.
Quando riscava os atalhos
Do nosso destino incerto!
Deus te deu, como ao gaúcho
Que jamais dobra o penacho,
Essa de altivez de índio macho
Que ostentas já quando pinto:
E a diferença que sinto
E que o guasca, bem ou mal!,
Só luta por um ideal
E tu brigas por instinto!
Por isso é que numa rinha
Eu contigo sofro junto,
Ao te ver quase defunto.
De arrasto, quebrado e cego,
Como quem diz: “Não me entrego,
Sou galo, morro e não grito,
Cumprindo o fado maldito
Que desde a casca eu carrego!”
E ao te ver morrer peleando
No teu destino cruel.
Sem dar nem pedir quartel.
Rude gaúcho emplumado.
Meio triste, encabulado,
Mil vezes me perguntei
Por que é que não me boleei
Pra morrer no teu costado?
Porque na rinha da vida
Já me bastava um empate!
Pois cheguei no arremate
Batido, sem bico e torto ..
E só me resta o conforto
Como a ti, galo de rinha,
Que se alguém dobrar-me a espinha
Há de ser depois de morto!