Foucault em Quarentena: O Coronavírus visto por Filósofos Liberais e de “Esquerda”

Escrito por Sofia Metelkina
Eventos globais sempre atraem a atenção dos filósofos. É uma das melhores oportunidades que eles têm de se destacar e mostrar a sua relevância, bem como a importância prática da filosofia. Não poderia ser diferente com a pandemia do novo coronavírus. O isolamento da quarentena e a morte à espreita convidam a pensar. Sobre a vida e a morte, naturalmente, mas também sobre o que significa viver em comunidade, sobre o sentido do Estado, sobre o papel da política, sobre a essência da economia, e tudo mais que diz respeito à existência social do homem. Este é um apanhado das reflexões dos principais filósofos liberais e esquerdistas da atualidade sobre a pandemia, a quarentena e o futuro da humanidade.

Uma pandemia é um congelamento do tempo, uma ampla reflexão sobre o que está acontecendo no mundo. Tendo se encontrado em um regime incomum de fechamento e restrição, a maioria dos filósofos em diversos flancos políticos – de conservadores a esquerdistas e liberais – se referiu de uma forma ou de outra ao famoso filósofo francês Michel Foucault, que descreveu os mecanismos disciplinares do poder, a biopolítica e a regulação da vida privada da “biomassa global”.

Consideremos as opiniões de alguns filósofos atuais no espectro esquerdista e liberal e vejamos que insights e erros eles têm cometido em suas avaliações.

Giorgio Agamben

O filósofo italiano Giorgio Agamben, que sintetizou elementos de “esquerda” e “direita” em seu sistema e criticou o liberalismo, assumiu uma postura dura em relação às medidas de quarentena.

Ele aplicou seu termo “vida nua” à situação atual do coronavírus. Em sua filosofia, o termo se refere à parte animal do humano, a biomassa involuntária, que permanece nas situações mais duras e críticas, quando importam aqueles mecanismos que contribuem para a sobrevivência e o suprimento de necessidades fisiológicas.

Ele já citou anteriormente como exemplo os campos nazistas do século XX, e mais modernos – o aperto do controle (no nível legislativo e internacional) após os ataques do 11 de setembro.

Em publicações recentes, ele observa que o problema não é a pandemia em si, mas suas implicações éticas e políticas.

“Nossa sociedade não acredita mais em nada além da vida nua”, comenta, criticando os italianos por sua disposição de sacrificar trabalho, amizade, valores e crenças pela higiene. Em sua opinião, nesta situação, a vida das pessoas foi reduzida a um estado puramente biológico.

Na sua opinião, as medidas de quarentena só dividem as pessoas. “A vida nua – e o perigo de perdê-la – não é algo que une as pessoas, mas que as cega e as separa”.

Uma das consequências mais terríveis de uma pandemia, acredita Agamben, é o estabelecimento de um estado de exceção, quando o regime de emergência temporariamente introduzido sob o pretexto de um vírus ou outro evento emergencial é prolongado por um período indefinido, e eventualmente torna-se parte integrante da relação entre o Estado e a população – ou seja, com controle e supervisão constantes. A sociedade, segundo Agamben, por razões de segurança, condena-se à vida em eterno estado de medo e insegurança, acabando por se acostumar a ela.

“É, na realidade, uma guerra civil. O inimigo não está fora, está dentro de nós”, escreve o filósofo.

Além disso, ele teme a transferência gradual da vida para o reino virtual – universidades, trabalho e outras atividades na Internet substituirão a comunicação ao vivo, o que poderia excluir debates abertos sobre temas políticos ou culturais. Na verdade, é assim que surge um Estado-Máquina, substituindo o ser humano no centro da sociedade.

Assim, conclui Agamben com referência a Foucault, com medidas rigorosas para conter o coronavírus, há uma tendência a usar uma posição excepcional como paradigma normal de poder – criando pesadas restrições às liberdades e aos direitos humanos.

Jean-Luc Nancy

O filósofo francês Jean-Luc Nancy, autor da idéia do être-en-commun [ser-em-comum], reagiu criticamente ao pensamento de Agamben sobre o coronavírus. Ele observa que a Covid-19 não é uma gripe comum, e que não há nem mesmo qualquer vacina contra ela, e que as pessoas de fato morrem.

“Os governos não são mais do que carrascos, e descarregar neles parece mais uma manobra de distração do que uma reflexão política”, argumenta Nancy.

Ele também chamou a atenção para o fato de que muito do que no passado era considerado excepcional já entrou gradualmente em nosso cotidiano.

Nancy discute a conexão do coronavírus com o mundo global. A pandemia do coronavírus em todos os níveis é produto da globalização, ressalta – é um agente combativo e eficaz do livre comércio, e todo o processo coloca em questão o modelo de desenvolvimento econômico atual – inclusive na França.

Slavoj Zizek

Naturalmente, o famoso filósofo esquerdista esloveno Slavoj Zizek também reagiu ao coronavírus. Em seu livro “Pandemia! O Covid-19 abala o Mundo”, ele não está tanto fazendo perguntas sobre conspirações ou a origem do vírus, mas repensando o mundo.

“Talvez se possa esperar que uma das consequências involuntárias da quarentena do coronavírus nas cidades ao redor do mundo seja que algumas pessoas pelo menos usem seu tempo liberado das atividades agitadas e pensem no (sem) sentido de sua situação”.

Ele questiona a abordagem de Agamben e, mais genericamente, o discurso de vigilância e controle de Foucault isolado – ele está mais interessado na eficácia das medidas e suas conseqüências para a ordem econômica mundial.

Sua principal questão pragmática é – aprenderemos alguma coisa com isso?

Por um lado, ele acredita que, se não houver mudanças profundas, a pandemia só agravará o atual regime capitalista: “Hegel escreveu que a única coisa que podemos aprender da história é que não aprendemos nada da história, por isso duvido que a epidemia nos torne mais sábios.” O vírus destruirá os próprios fundamentos de nossas vidas, causando não só a morte, mas também o caos econômico.

Mas, por outro lado, Zizek espera que, se pararmos de entrar em pânico e passarmos à reflexão, ele possa servir como o início de um novo modelo de “comunismo”.

Em sua visão, o vírus, sem dúvida, expôs os pontos fracos do sistema capitalista, da falta de bens e da ausência de ventiladores, à fragilidade do sistema, com o desemprego e a crise iminentes. Os mecanismos de mercado são claramente insuficientes para evitar o caos e a fome em uma situação de emergência. Para a Europa em geral, ele prevê uma tempestade perfeita, onde três momentos de crise – pandemia, impasse econômico e crise migratória – convergiram.

Há um paradoxo na sociedade capitalista: quanto mais conectado nosso mundo estiver, mais forte uma catástrofe local pode provocar o pânico e o desastre global.

Ao mesmo tempo, ele critica o “autoritarismo”, o “fascismo” e os populistas nos tons habituais, apontando para a liderança da China, Rússia, Turquia, Hungria etc., embora admita que, em condições críticas, a disciplina militar se torna necessária. No âmbito de suas críticas, ele nega a eficácia de medidas para isolar países, construir novos muros e empurrar mais medidas de quarentena.

Zizek propõe um projeto não capitalista, mas essencialmente globalista. Ele pressupõe a mesma organização global do mundo no controle e regulamentação da economia, bem como a limitação da soberania dos Estados nacionais, quando necessário. Em geral, ele acredita que “o coronavírus também nos obrigará a reinventar o comunismo baseado na confiança nas pessoas e na ciência”.

Para isso, continua o filósofo esloveno, o quase impossível é necessário: fortalecer a unidade da Europa, especialmente a cooperação entre a França e a Alemanha. Entretanto, ele não explica exatamente como seu comunismo global funcionaria, o que é um problema bastante sério.

Roberto Esposito

Outro filósofo italiano que tem escrito muito sobre biopolítica é Roberto Esposito. Em sua avaliação, é um exagero falar sobre os riscos para a democracia neste caso. Ele acredita que a ligação entre política e controle biológico já foi estabelecida há muito tempo, e que não há nada de novo aqui. A medicalização da política já é um fato, assim como a politização da medicina.

“Da intervenção da biotecnologia em domínios que antes eram considerados exclusivamente naturais, como o nascimento e a morte, ao bioterrorismo, à gestão da imigração e das epidemias mais ou menos graves, todos os conflitos políticos de hoje têm a relação entre política e vida biológica em seu núcleo”.

Ele também se propõe a separar o discurso de Foucault da situação específica atual. Em sua visão, a situação de medidas duras contra o Coronavírus, especialmente na Itália, não fala de uma tomada totalitária de poder, mas sim, dada a completa confusão antes da epidemia, demonstra o colapso das autoridades públicas atuais.

Os Globalistas Franceses: Bernard Henri Levy e Jacques Attali

Para um quadro mais completo, vamos olhar para as opiniões dos ideólogos liberais abertamente globalistas, que durante muitos anos aconselharam presidentes e influenciaram os acontecimentos no Oriente Médio através da intervenção do Estado ocidental.

Bernard Henri Levy comenta de forma bastante lisa a situação com o coronavírus, mencionando o totalitarismo, Foucault e os horrors etat sanitaire em quase todas as entrevistas.

Em parte, como Agamben, ele considera que o pior cenário é que as pessoas vão se acostumar ou experimentar medidas disciplinares excessivas.

Ele chama de positivo que as pessoas querem salvar vidas – progresso para a civilização, mas a desvantagem é “a reação excessiva, uma espécie de histeria coletiva que envolve esse fenômeno”, bem como uma potencial vigilância estatal. “Todos sabemos que nos rastrear por aplicativos, se isso acontecer, deve ser feito com muito cuidado, porque isso é muito perigoso”.

Na verdade, o coronavírus forçou o mundo inteiro a tomar medidas realmente urgentes e importantes, e todos imediatamente esqueceram do projeto “Grande Oriente Médio”, e do meio ambiente, assim como do feminismo e das questões LGBT. Levy está naturalmente preocupado com isso, tudo isso desapareceu das telas da TV.

Ele teme que os valores europeus estejam se retraindo em favor do foco na China, que, segundo ele, vai agarrar o momento e assumir o controle do mundo.

Ao mesmo tempo, Levy chama um repensar profundo e escatológico do mundo durante a pandemia de “retórica tola, nojenta e perigosa”. Nesse sentido, sua posição é semelhante à de Zizek – mas se este último tenta traduzir o assunto em discurso pragmático, tudo o que Levy faz é choramingar pelo naufrágio do projeto globalista liberal.

Jacques Attali, outro ideólogo globalista, em contraste com Levy, examina principalmente os aspectos econômicos e as conseqüências do coronavírus. Novamente, em contraste com Levy, ele sugere a possibilidade de uma mudança de paradigma.

Ele admite que o sistema ocidental pode entrar em colapso. Por exemplo, a peste bubônica obrigou as pessoas a repensar suas visões de mundo, da política à religião: primeiro a figura de um policial substituiu um padre, e depois a figura de um médico as deslocou.

Attali acredita que se as forças ocidentais mostrarem-se incapazes de controlar a tragédia, todo o sistema de poder e os fundamentos ideológicos do poder serão questionados e potencialmente substituídos por um novo modelo baseado em um tipo diferente de poder e confiança em outro sistema de valores.

“Em outras palavras, o sistema de autoridade baseado na proteção dos direitos individuais pode entrar em colapso. E, com ele, os dois mecanismos que ele havia posto em prática: o mercado e a democracia, ambos um marco para administrar e compartilhar recursos escassos, respeitando os direitos dos indivíduos”.

O novo sistema, escreve ele, “não será baseado na fé ou na força, ou mesmo na razão (e não, sem dúvida, no dinheiro, que é o avatar último da razão). O poder político pertencerá àqueles que puderem demonstrar maior empatia pelos outros. Os setores econômicos dominantes também estarão relacionados à empatia: saúde, hospitalidade, alimentação, educação e meio ambiente. Confiando, é claro, nas grandes redes de produção e no fluxo de energia e informação, que são necessários em qualquer caso”.

Ele espera que as pessoas deixem de comprar coisas inúteis, voltem às coisas mais necessárias e usem o tempo de forma mais eficiente. O papel de Attali e seus colegas (segundo ele) é controlar essa transição tranqüila.

Attali parece estar dizendo coisas razoáveis: que as “indústrias da vida” da Europa (saúde, abastecimento, alimentação, etc.) são altamente dependentes do mundo exterior e terão que pagar mais por seus próprios produtos e serviços como um preço pela autonomia.

Mas, por outro lado, ele está fazendo um esforço enorme para preservar o projeto da UE e para fortalecer a solidariedade durante a pandemia para introduzir alguns “títulos de vida”, empréstimos massivos dentro do sistema comum.

Ele diz que não seria um chamado “coronabond”, que teria como objetivo financiar toda a economia, mas sim um “lifebond” (um “eurobond de vida”, que também poderia ser chamado de “título soberano”), que só financiaria indústrias vitais (e a conversão de indústrias menos essenciais para esses setores) para garantir a autonomia da União.

“Estes recursos seriam geridos segundo o modelo do que está sendo preparado, ainda que a um ritmo lento, para uma Europa da Defesa. Uma instituição ad hoc decidiria sobre as regras de distribuição desses recursos entre os diversos países e empresas, com base em ofertas públicas de aquisição, da forma mais maciça e rápida possível. Mesmo os países mais relutantes em mostrar solidariedade europeia teriam um interesse egoísta nisso”.

Attali também propõe a criação de um sistema global de negócios de higiene.

Uma grande política global de higiene, escreve Attali, deve abranger não só os setores de infraestrutura (como redes de esgoto, mercados atacadistas, etc.), mas também as empresas que produzem produtos relacionados à higiene através do processamento desses produtos, que hoje em dia são muitas vezes feitos de plástico descartável.

Assim, Attali também está preocupado com a queda do projeto globalista anterior – mas, ao contrário de Levy, ele não está gemendo pela perda, mas se propõe a reiniciar o sistema e reorientar o negócio multinacional global para um mais “ecológico” e “higiênico”.

Noam Chomsky

Na verdade, é o que diz também o socialista libertário americano Noam Chomsky, acreditando que, uma vez repetidas as pandemias, o sistema capitalista liberal, apanhado de surpresa, tenta agora criar as condições para sua sobrevivência futura em sua pior forma.

Como a maioria dos socialistas, ele faz do presidente americano Donald Trump o alvo principal, e observa que todos os elementos do governo relacionados à saúde têm sido gradualmente desmantelados. Mas até mesmo Chomsky observa que não se trata completamente de Trump, mas de um sistema profundamente corrompido. Os EUA se encontraram numa situação em que ninguém pode ajudar – nem o governo neoliberal nem as ávidas empresas farmacêuticas.

Chomsky deu um exemplo relevante de capitalismo selvagem, discutindo um cenário em que a administração Obama contratou uma empresa para desenvolver ventiladores de alta qualidade e baixo custo, mas a empresa foi rapidamente comprada por uma empresa concorrente maior, que produzia ventiladores caros. Em seguida, ela abordou o governo e disse que eles queriam sair do contrato porque não era lucrativo o suficiente.

O principal receio de Chomsky é “formar um internacional dos Estados mais reacionários do mundo, e então que essa seja a base do poder dos EUA”. Entre os membros mais fiéis (atuais e potenciais) dessa “internacional” capitalista ele distingue Egito, Arábia Saudita, Israel, Índia, Brasil e, em parte, Hungria e Itália.

Francis Fukuyama

Francis Fukuyama, o autor da teoria “O Fim da História” (que, como vimos nos últimos anos, não tem se justificado), conhecida de todos, reagiu à crise.

Segundo ele, quando a pandemia diminuir, o mundo terá que abandonar a dicotomia habitual de “democracia VS autocracia”. Ele acredita que será antes “algumas autocracias de alto desempenho VS algumas com resultados desastrosos”. O critério principal não será o tipo de Estado, mas a questão da confiança.

Ele acredita que os Estados Unidos serão capazes de eventualmente igualar as capacidades da maioria dos governos autoritários, incluindo a China – ele argumenta que no Ocidente, o poder é “democraticamente legitimado, é mais durável no longo prazo do que a autoridade de uma ditadura”. Isto tem pouco a ver com a realidade, já que os EUA são hoje o líder mundial nas infecções por Covid-19, e o sistema de apoio social e de saúde está se desintegrando.

A principal crítica de Fukuyama recai sobre o grande Trump malvadão, mas ele deixa de mencionar as medidas capitalistas de seus antecessores, que também falharam em suas tentativas de fornecer aos cidadãos remédios acessíveis e outras necessidades básicas.

Rocco Ronchi

Rocco Ronchi, outro filósofo italiano, anti-populista mas pragmático, vem discutindo a importância dos muros e restrições durante a pandemia. Ele observa que essa discussão assumiu uma nova característica – não se trata mais de um muro entre ricos e pobres como era antes, mas de um muro entre você e o “Outro”, isolamento em relação aos próprios vizinhos.

Entretanto, ao contrário de Agamben, ele não considera esses muros e a falta de apertos de mão um sinal de exceção. Pelo contrário, ele vê isso como uma nova forma de comunicação.

Na sua avaliação, os prós da crise do coronavírus (apesar de todas as conseqüências obviamente graves) é o retorno à arena da política real (que, segundo ele, “deve ter precedência sobre a economia”), ou seja, à esfera da responsabilidade governamental. A política não deve ser limitada a um papel puramente técnico.

“Primazia política significa governar a natureza, não dominá-la”.

E, finalmente, Ronchi desloca suavemente o tema para uma esfera existencial:

“O vírus antes articula a existência, a nossa e a dos outros, como ‘destino’. De repente, sentimos que estamos sendo arrastados por algo que é avassalador, que cresce no silêncio dos nossos órgãos, ignorando a nossa vontade. A Covid 19 tornou-se uma espécie de metáfora generalizada, quase o precipitado simbólico da condição humana na pós-modernidade…”.

Uma opinião alternativa

Entretanto, o vírus pode ser considerado não apenas como parte da esfera biopolítica. Ele pode ser visto como algo diferente do colapso do liberalismo e do aumento do controle sobre a população.

No passado, Agamben criticou corretamente os regimes deamodernidade política e o conceito artificial de “sociedade civil” – fascismo, comunismo e liberalismo, chamando os três modelos de governança autoritária, com referências a Carl Schmitt. Em sua crítica à modernidade, Agamben tem toda a razão – afinal, liberalismo e capitalismo foram plenamente expostos durante a epidemia de Covid-19, quando se mostrou que a economia tinha precedência sobre a vida humana.

Mas, na situação atual, a posição de Agamben (e de muitos outros pensadores já mencionados) levanta sérias questões. Como um Estado fraco pode lidar com um desafio como uma pandemia? Se olharmos além da mídia e da histeria que ela invoca, o vírus existe como um fato, e realmente mata pessoas. Do ponto de vista social, não é tanto o Estado como perigo do desconhecido que expõe nossas “vidas nuas” – isto se manifesta mais claramente nas comunidades liberais da Europa Ocidental e dos Estados Unidos, onde, em vez de solidariedade, há agressão nas lojas, como as pessoas lutam fisicamente pelo último rolo de papel higiênico.

O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, que tem sido regularmente recebido com críticas por seu iliberalismo, acabou mostrando ao mundo um exemplo positivo de como lidar com a crise. A Hungria, desde o início, introduziu medidas rígidas, e já voltou a normalizar as coisas em comparação com o resto do Ocidente. E isso sem falar na China, onde as medidas mais rigorosas permitiram que a vida fosse retomada até março – as pessoas já estão voltando ao trabalho e a maioria das indústrias estão abertas.

O povo é grato por isso. Na maioria dos casos, as pessoas em situações de emergência se entregam voluntariamente ao Estado dentro de limites razoáveis para salvar a vida da comunidade.

O problema não está tanto no futuro autoritarismo dos Estados, mas na vulnerabilidade das pessoas sob o sistema capitalista – e nessa crítica os filósofos de esquerda têm toda a razão. Só os liberais puros estão completamente errados, porque, do ponto de vista deles, seu mundo transnacional familiar e conveniente está em colapso. Porém, um mundo aberto, sem fronteiras nas cores comunistas, também é pura utopia. Dada a crise, vimos claramente como cada Estado teve que tomar decisões chave para si mesmo, assumir responsabilidades e gastar apressadamente seu dinheiro, construir seus hospitais e falar com seu povo. A OMS e outras organizações internacionais dificilmente são eficazes num momento em que o principal critério é a capacidade de assumir responsabilidade por um determinado país e delinear seus próprios limites de severidade e controle.

Mas o mais importante, muitas vezes esquecido por esquerdistas e liberais, é o papel da reconsideração interna do Ser durante uma emergência. As pessoas se encontram entre 4 paredes, começando a entender como tudo o que têm feito durante todos esses anos é inútil, e chegando a entender o que é verdadeiramente importante. É nesses momentos que o heroísmo dos médicos, a coragem dos assistentes sociais e a solidariedade humana podem realmente se manifestar.

A esquerda está certa de que esta é nossa chance de reformar o sistema e construir algo novo sobre as ruínas do capitalismo. O que vamos construir é uma questão em aberto. Elementos de socialismo entrarão involuntariamente em nossas vidas – pelo menos em matéria de saúde e autossuficiência. O mais sensato parece ser o fortalecimento da soberania de cada Estado individual e o estabelecimento de fortes laços, principalmente com os vizinhos, permitindo que esses Estados formem pólos de autossuficiência. Esse seria o modelo mais eficaz e confiável em qualquer pandemia.

Fonte: Geopolitica.ru

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