Em meio ao isolamento, quarentena e crise sanitária global, como encontrar um sentido para os dias?
Talvez já tenhamos passado, pelo menos, o início desta crise. A fase em que a caça aos pacotes de papel higiênico se tornou brevemente o esporte nacional. Agora estamos na segunda fase, talvez ainda menos gloriosa, em que todos temos de nos sentar na nossa solidão e esperar que a tempestade sopre sobre nós. E se esta passividade é a grande exigência da nossa geração — uma exigência que traz as suas próprias ironias — então agora é um bom momento para fazer a pergunta: como gastarmos bem o nosso tempo?
É uma questão que devemos colocar mais ao longo das nossas vidas. Mas a verdade é que a maioria de nós tende a perguntar isso apenas em momentos de crise pessoal: quando um emprego ou relacionamento termina repentinamente, ou um ente querido morre. Aliás, perguntando “Como utilizarmos melhor o nosso tempo?”, obviamente, que não quero dizer simplesmente “Como nos mantermos ocupados?”. Há vídeos de exercícios em casa para isso (até de “faça você mesmo”, se for preciso). O que quero dizer é: como devemos usar este tempo de forma significativa?
Um impulso imediato será — e deve ser — manter os nossos entes queridos por perto. Ou pelo menos o mais próximo possível, numa era em que não podemos abraçá-los. Iremos satisfazer a necessidade de ligarmos mais uns para os outros; de acenar mais um ao outro; e de deixar mantimentos — até mesmo luxos — onde pudermos. E se essa crise nos dá esse impulso na força das nossas redes de amigos e familiares, então isso não é um benefício pequeno para deixarmos estocado.
Mesmo um Diário de Noivado, tão vazio quanto as estradas, pode ser resgatado. Eu comecei a organizar bebidas virtuais com amigos como eu faria em tempos normais — basicamente, eu tomo bebidas (ou chá, se ainda não for seis horas — uma regra que vale a pena seguir agora) com amigos ao redor do mundo. E posso observar que, como todos os amantes de bebida sabem, trazer a sua própria bebida sempre garante a melhor festa.
Família e amizade não são coisas pequenas, e isso certamente fica mais claro nestes dias. Mas ainda assim, a questão principal existe a um nível abaixo disso. Onde encontramos um propósito? Há muitas curiosidades sobre esse nosso mundo, mas uma das mais estranhas foi o fato de termos optado por deixar esta questão essencialmente por responder. Em parte isso foi um produto da história liberal da emancipação, que proclamou que estávamos ficando cada vez mais livres — o problema é que ela nunca disse o que devíamos fazer depois de termos toda essa liberdade; exceto “sermos nós mesmos” ou “encontrar um significado onde você quiser”.
Há muito a ser dito sobre “encontre sentido aonde você vai”. Certamente é melhor do que outra pessoa tentar impor a sua ideia de sentido a você. Mas ainda é uma coisa radicalmente diferente de uma mensagem que diz “aqui há um significado”.
Durante os últimos anos, grande parte da nossa sociedade encontrou um propósito, e uma espécie de significado, na política. Mesmo na época em que esse período pareceu curioso. Foi um período em que as pessoas que não tinham nenhuma ligação com a mídia sentiam que precisavam absorver atualizações minuto a minuto sobre tudo. Era uma época em que os relógios apitavam, os telefones zuniam e os tablets pingavam com atualizações sobre coisas que podiam afetar a poucos de nós — e a maioria não nos afetava. Mas isso nos deu um propósito. Apesar de parecerem agora estar longe do mundo, as multidões do “Stop Brexit” e “Stop Trump” (e os seus opostos) tiveram uma ocupação distrativa durante alguns anos. E se eles não encontrassem significado no sentido mais profundo (como em “o que eu olharia com orgulho no meu leito de morte?”), eles certamente encontrariam alguns dos melhores simulacros do mercado.
Há um risco de que este vírus também se torne um “algo a fazer”. Uma coisa que – quão bem ou mal nós montamos — absorve quase todo o nosso tempo, pensamentos e energias. A tentação está presente nas conferências e anúncios regulares de notícias. Cada dia traz novos números para absorver; novas comparações para fazer entre os países. Diabos, até já tivemos aquela discussão sobre como chamar o vírus e se a referência às suas origens é racista ou não. A absorção, em algumas ou em todas essas coisas, já chegou a constituir um trabalho de período integral para muitas pessoas. E não vou dizer nada sobre o número de virologistas disfarçados que acabam por viver entre nós todos estes anos.
Ainda se mantém a pergunta: “O que deveríamos estar fazendo?”. Tanto durante como depois desta crise, eu esperaria que a esquerda política provasse mais uma vez a sua capacidade de fornecer narrativas e explicações. Sem dúvida que, em algum momento, eles irão declarar uma grande missão. E talvez tenha suas atrações: um chamado para ter mais médicos ou profissionais de saúde, por exemplo. Ou uma insistência de que, uma vez que éramos todos iguais aos olhos do vírus, deveríamos ser mais iguais também de outras formas. Partes da direita política baterá os seus próprios tambores ideológicos. Falarão sobre os mercados e muito mais, como se tudo não tivesse mudado radicalmente. Na era vindoura, quem sabe qual dessas pessoas nós vamos querer ouvir? Se houver alguma.
Como escritor, posso afirmar ter estado em treinamento por este momento toda a minha vida. A solidão e o silêncio têm sido companheiros agradáveis, mesmo vitais, para mim. E nessa medida, os últimos dias não foram tão diferentes de quaisquer outros. Além de realizar as novas tarefas que todos nós devemos realizar, eu passo os meus dias como sempre faço em casa. Por dentro, migro entre a minha mesa de escrita e o piano. Eu gosto mais do jardim. E, no entanto, nas brechas que abriram, a grande questão paira. Suponho que a minha própria resposta é uma espécie de doutrina. O que significa que provavelmente encontraremos significado nos lugares onde o significado já foi encontrado antes. Que o que viu nossos antepassados passarem, e os nutriu, nos verá passar e nos nutrir por sua vez. Eu não ouço muito as notícias. Se a igreja estiver aberta, sentar-me-ei nela. Eu refaço o meu conhecimento com grande música. À noite, leio Anna Karenina.