Dr. Guido G. Preparata: Querem nos transformar em uma sociedade global de cupins

Tradução: Caio Graco

Quem é o Dr. Guido Giacomo Preparata?

Nascido em Boston, Massachusetts, em 25 de outubro de 1968, o Dr. Preparata foi criado nos Estados Unidos, França e Itália. Ele obteve o bacharelado em economia na Libera Università Internazionale degli Studi Sociali (LUISS, Roma, Itália), mestrado em Economia e PhD em Economia Política na Universidade do Sul da Califórnia (Los Angeles, EUA), e mestrado em Criminologia na Universidade de Cambridge (Reino Unido). Outros cursos de graduação e pós-graduação em história financeira, matemática aplicada, teoria econômica e economia internacional foram concluídos na Universidade de Stanford, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e na London School of Economics (LSE). Trabalhou pela primeira vez como pesquisador associado no Instituto de Pesquisa de Energia Elétrica (EPRI, Palo Alto, EUA); posteriormente, ele se juntou à divisão de pesquisa do departamento de Supervisão e Regulamentação do Banco da Itália, o banco central da Itália; e de 2000 a 2008 ele ensinou economia política na Universidade de Washington. Em 2005, como professor visitante de Economia e bolsista da Universidade da Jordânia, em Amã, ele realizou pesquisas sobre o Islã Político, o Terrorismo e a Economia Islâmica. Em 2012, ingressou na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, como professor titular de Ciências Sociais e antes de vir para a Gregoriana atuou como professor da Kwantlen Polytechic University em Vancouver, Canadá, onde ensinou sociologia e psicologia de comportamento criminoso.

O Dr. Preparata mora em Taiwan com sua esposa e suas duas filhas.

Mohsen Abdelmoumen: Seu livro “Conjuring Hitler” [‘‘Conjurando Hitler’’] recebeu uma crítica elogiosa de nosso amigo Peter Dale Scott. Além disso, compartilho da visão desse grande intelectual sobre o fato de que este livro é essencial no trabalho da pesquisa histórica. Como você chegou a conclusões contra o fluxo dos historiadores do establishment, a saber, que Hitler foi feito pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha e que a Segunda Guerra Mundial era inevitável?

Dr. Guido Preparata: Comecei como a maioria dos ocidentais, cuja infância estava mergulhada nas típicas “correntes” propagandistas da Guerra Fria: observando, interminavelmente e com entusiasmo, filmes épicos pró-aliados e filmes de guerra anti- alemães. Meus pais – italianos do pós guerra – estavam estavam solidamente no campo pró-EUA, pró-Israel e pró-capitalista, e meu pai, um físico acadêmico, era então militantemente anticomunista. Foi assim que cresci. Nós éramos “americanistas” entusiastas e estávamos admirados com a “classe” britânica. Embora superficialmente orgulhosos de nossa herança “clássica”, “greco-latina”, nós, no fundo, sofríamos do típico complexo de inferioridade exibido por cidadãos de países irrelevantes, espiritualmente derrotados.

Então o Muro de Berlim caiu e a maioria de nós lentamente começou a se desvencilhar de algum tipo de estupor. Quando comecei a trabalhar no banco central da Itália em meados dos anos 90, escolhi, no meu tempo livre, explorar a biblioteca do Banco para estudar as finanças nazistas, que eu via como um tema esotérico e exótico. E a partir daí comecei a cavar. O que eu lembrava daqueles filmes de guerra que vi quando criança era a narrativa, sempre a mesma, e o ponto de ataque: a ação começa quando esses monstros (por exemplo, os SS) já estão completamente formados e extraordinariamente truculentos, perversos. Isso contribui para um ótimo cinema, é claro, mas levanta questões muito maiores: como isso aconteceu? Como surgiu esse fenômeno? Como o mundo permitiu que isso acontecesse? Como isso poderia ser?

Passei 10 anos da minha vida lendo e pensando sobre isso. Eu coletei documentos materiais e arquivísticos na Alemanha e no Banco da Inglaterra, conversei com pessoas, especialistas, políticos, etc. O resultado de tudo isso é Conjuring Hitler.

E o que eu descobri é que, embora o fenômeno do nazismo em si – suas profundas raízes esotéricas – seja indubitavelmente alemão, de maneiras que ainda temos que entender completamente, as condições (políticas e econômicas) nas quais ele foi criado e incubado, tinham sido, a meu ver, inquestionavelmente favorecidas, predispostas pela Grã-Bretanha e, em menor escala, pelos EUA, embora mais tarde no jogo, e sempre sob a liderança estratégica e incontestada da Grã-Bretanha.

Por que a Grã-Bretanha? Porque ela era e, de certo modo, ainda é a rainha do mundo. Este é o tempo dela. Ela governa e, aparentemente, ela fará qualquer coisa em seu poder para manter esse poder. Hoje, os EUA, como todos sabemos, continuam simplesmente nos trilhos geopolíticos do Império Britânico.

A guerra foi inevitável? Sim, foi: quando, em 1900, a Alemanha pensou que poderia desafiar o domínio da Grã-Bretanha, essa última, claramente, tinha que agir. Se acrescentarmos a isso que a eventual supremacia da Alemanha, através de estratégias de inteligência, poderia implicar o emparelhamento da Rússia à iniciativa marcial e tecnológica “teutônica”, então é possível visualizar o que era para os círculos britânicos o pesadelo geopolítico final: uma “Aliança Eurasiana”, que teria sido, de fato, invencível. E a carnificina que se seguiu na primeira metade do século XX é a crônica do movimento preventivo que os ingleses foram “forçados” a pôr em ação para evitar a materialização desse cenário.

“Eles” dizem: quando ela começou a incomodar em 1890-1900, a Alemanha era beligerante, militarista, agressiva e imperialista. Absolutamente. E a Grã-Bretanha, devo acrescentar, mil vezes mais. Em 1914, a Alemanha queria uma “guerra rápida” para consolidar o que parecia ser um reino da Europa Central com anexos coloniais. Ela conseguiu a guerra da Grã-Bretanha: a Grande Guerra.

Você demonstra com pertinência os laços de Hitler com as classes dominantes na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. No entanto, você está se concentrando no papel da Grã-Bretanha. Você pode nos explicar por quê?

Pelas razões explicadas. Nos últimos 200 anos, estamos, na verdade, jogando o jogo da Inglaterra, nenhum outro.

Como você explica que esses dois poderes, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que financiaram e apoiaram o nazismo, desenvolveram uma máquina de propaganda via Hollywood que lhes dá um papel de destaque ao mostrar-lhes antinazistas?

Bem, quando em 1916-1917 a frente oriental caiu com a deserção da Rússia, a Inglaterra trouxe os EUA. Por fim, a Alemanha, sentindo-se oprimida – porque a Primeira Guerra Mundial era essencialmente um cerco, um cerco ao redor da Alemanha – rendeu-se. O que implicava que ela não havia sido derrotada em seu próprio solo. Em outros termos, a ameaça alemã / eurasiana não havia sido aniquilada de uma vez por todas. Para esse fim, um esquema começou, que durou essencialmente 20 anos; e o esquema era 1) renovar a Alemanha (“prepara-la”, verdadeiramente) e 2) destruí-la, novamente, em uma guerra de duas frentes.

Que isso foi realmente planejado é testemunhado pela extraordinária previsão de 1920 de Thorstein Veblen, segundo a qual o verdadeiro projeto do Tratado de Versalhes era incubar um regime reacionário na Alemanha através de uma radicalização da classe média e finalmente libertar essa nova força contra a Rússia Soviética, previsão que veio a se concretizar em junho de 1941. Isso é sensacional. Que eu saiba, eu sou o único que teve a decência de citar este testemunho único e genial.

Mas as coisas evoluíram mais descontroladamente do que até mesmo um gênio como Veblen poderia ter previsto. O movimento cuja ascensão ele profetizou não era apenas “reacionário”: era algo completamente novo, diferente, mais sinistro e diabólico. Os nazistas engoliram a velha guarda monarquista que, em 1932, atraíra menos de 10% do voto popular.

E, quanto à demonização do inimigo vencido, os alemães não poderiam ter dado à Anglo-América um presente mais glorioso: é como se eles, gratuita e catastroficamente, se apresentassem como o Anticristo, na verdade. O que, inversamente, implicava que as tropas e comandantes da Anglo-América tinham que ser as legiões de Deus. Estes últimos também foram os techno-knights de Hiroshima, como gosto de chamá-los, e não tenho certeza do que Deus tem a ver com isso. Eu prefiro ver as pegadas do diabo em todos os lugares.

Seja como for, neste ponto, os vencedores tinham a mais poderosa narrativa, o mito militante mais poderoso que se poderia imaginar: isto é, o esmagamento dos nazistas demoníacos como um reconhecimento manifesto dado por Deus de sua (dos Aliados). superioridade espiritual, de seu merecido triunfo. E por essa mitologia, de fato, eles ainda estão travando guerras pelo mundo, até hoje, com impunidade. Para os direitos humanos, democracia e manutenção da paz, “eles” dizem.

Essa narrativa é a peça mais maravilhosa de capital propagandístico que se pode possuir: produziu e ainda produz rendas fenomenais.

Qualquer tentativa de “revisa-la” será recebida com a punição mais violenta e categórica. E qualquer evidência histórica contra ela será suprimida ou “interpretada” de maneira congruente com a versão oficial, naturalmente.

Seu livro “A Ideologia da Tirania” explica o trabalho de Foucault, o pós- modernismo, George Bataille e seus seguidores, mas também evoca a falência da esquerda. Essa síntese que você estabeleceu não levaria a uma fatalidade, isto é, guerra,ou até mesmo o fim da humanidade?

“Fim da humanidade” soa dramático e aterrorizante. Mas, de certa forma, sim: acho que eles querem transformar a todos nós em uma sociedade global de cupins. E eles estão tendo sucesso.

Você poderia explicar aos nossos leitores o seu conceito de “tecno-estrutura”?

O conceito não é original. Pode ser encontrado em vários autores que descreveram a automatização da sociedade nas décadas de 1960 e 1970.

É amplamente reconhecido que a maioria de nossas interações sociais são gerenciadas e passam por “estruturas” (corporações, ministérios, organizações, etc.), certamente não pelo “mercado” (é reconhecido hoje em dia que o mercado lida não mais do que com 20% por cento de todas as transações econômicas). A “tecno-estrutura” é o que na iconografia pop é conhecido como a “Matrix”: ou seja, um gigantesco aparelho de coordenação social sem alma, que transcende “esquerda” e “direita”, “público” e “privado” e procura controlar a humanidade como, de fato, um cupinzeiro, um formigueiro, uma colmeia.

No entanto, eu não vejo a tecno-estrutura como um esquerdista pós-moderno: ou seja, como uma espécie de monstro sem cabeça, que emergiu do nada e vive e respira através de uma alucinação coletiva e inconsciente. Eu acho essa interpretação (à la Baudrillard) uma besteira pós-moderna, no sentido de que ela usa truques discursivos (metáforas psicológicas) para esconder a má-fé política, ou seja, a responsabilidade (criminal) dos responsáveis pela própria Matrix (as elites). Isto é corrupto, um discurso corrompido. Eu imagino a tecno-estrutura como um desenvolvimento consciente das hierarquias de poder em nossa era hiper-moderna, e solidamente impulsionada por uma liderança específica – brancos metropolitanos anglo-americanos e seus vassalos europeus – que sabem perfeitamente o que estão fazendo e como eles estão fazendo isso.

Como você explica o surgimento das pessoas LGBT e qual é o objetivo final dessa organização?

Eu dediquei um post de duas partes a este mesmo tópico no meu blog Ad Triarios, para o qual eu direcionaria o leitor: ali eu discuto essa questão importante em detalhes.

Em essência, do jeito que eu vejo, a história é assim.

Para consolidar seu domínio sobre a sociedade, os poderes dominantes têm de apertar o controle, por um lado, e antecipar qualquer tipo de resistência (intelectual e afetiva), por outro.

Esse tipo de operação, que eles calibram diariamente, é conduzida, como sabemos, em muitas frentes: controle de crenças e desejos, propaganda, narrativas, etc., bem como condicionamentos econômicos de todos os tipos, é claro.

Parece que, embora dócil e maleável, o velho modelo patriarcal do homem trabalhador que ganha o suficiente para alimentar confortavelmente uma família de 4 ou 5 bocas – o antigo padrão de classe média – deve ter sido considerado não totalmente confiável, por questões de controle: apesar de todas as restrições, o núcleo da classe média ainda parecia desfrutar de independência “demais”, tanto financeira quanto espiritual.

Então eles tiveram que desfazer esse modelo de alguma forma. Isso levaria tempo porque, de fato, muito dependia da imagem do “macho”, socialmente falando. Claramente, este trabalho de redesenho da sociedade significava debilitar o próprio núcleo familiar. O macho serviu ao seu propósito; agora é hora de descartá-lo; e o Sistema está fazendo isso imolando-o publicamente em um grande jogo de terror discursivo.

Eles sempre conduzem suas campanhas com grande habilidade, isto é, alavancando disfunções reais e tangíveis – como, para começar, o status subjugado, semi-alucinado, ocioso e frequentemente degradado das mulheres sob essa tutela machista (uma advertência ictérica aos clichês sexistas dos anos 50 é típica a este respeito). Eles alavancam problemas reais para promover uma agenda completamente diferente, que não tem nada a ver com a insatisfação espiritual das mulheres, ainda que seja destinada a manipulá-la.

Então você teve o feminismo. O resultado, no entanto, foi que as mulheres não eram “emancipadas”, como haviam sido “prometidas”: deixavam o confinamento alucinado na cozinha apenas para se juntarem a seus cônjuges ao fazer os mesmos trabalhos por menores salários, e, em geral, menos pagamento para ambos considerando os impostos.

E agora, você tem menos dinheiro, mais preocupações e a mesma quantidade de estresse crescente que afeta ambos os pais.

Na década de 1980, eles aplicaram esse truque à “raça”. Os EUA são um país racista radical que, aparentemente, não quer se curar dessa doença psicológica. Assim, em vez de atacar o problema de frente, os chefes de propaganda criaram um expediente discursivo simples para encobrir e suprimir a questão: através de um regime de terror discursivo e censura (i.e. “politicamente correto”), estritamente imposto pelos brancos, eles simplesmente proibiram – elas literalmente foram banidas do discurso – quaisquer palavras e expressões que possam ser interpretadas como “racistas”.

Socialmente, economicamente, nada mudou, nada teve que mudar no “gueto” (palavra que, no processo, também foi proibida).

Assim, a melhor maneira de manter a ordem social intacta e imutável e preservar a trégua social com os não-brancos nos Estados Unidos, especialmente os negros, é usar este propagandeio midiático para elogiá-los em vez disso, e antecipar assim a emissão de qualquer “insulto”. A hipocrisia e a realidade deste arranjo surgiram em franco relevo com as últimas eleições dos EUA, mas o fenômeno social tem fermentado, com resultados extraordinários e de longo alcance, por mais de 30 anos.

O que essa técnica/política discursiva atinge é notável: mantêm o status quo, por um lado, mas também precipita duas situações adicionais e cruciais: 1) divide o povo (homem versus mulher, preto versus branco) e mais importante ainda 2) propagandea, por outro lado, um ecumenismo completamente falso pelo qual somos implicitamente aproveitados, através de trabalho (precário) e lavagem cerebral, para a própria Estrutura. Se houver insegurança, divisão, desconfiança e divisão de tarefas por toda parte, então o “Estado” com suas cotas raciais (ações afirmativas) e proclamações fanaticamente solenes de respeito à alteridade e à diversidade emerge como a única âncora da salvação.

Chegamos assim a um círculo completo: com o núcleo familiar minado e empregos administrados com um conta-gotas, estamos nos aproximando, lenta mas seguramente, de um modelo de sociedade de insetos.

A última, embora não menos importante, peça de engenharia nesse quebra-cabeça mecânico gira em torno da questão da reprodução e do sexo – ou “gênero”, como é agora a moda a ser dita. Daí toda essa ênfase extraordinária, especialmente nos EUA, sobre o aborto. Tem a ver com a administração capilar de alocação de funções e recursos dentro do formigueiro humano. Como o crédito é centralizado e nada é realmente deixado ao acaso, a questão da criação e do sexo é de suma importância para a estrutura tecnológica.

E é aí que esse movimento LBGT entra em cena. É apenas o mais recente ato nesta grande produção discursiva de “diversidade”. Há grandes interesses (investidos) e muito dinheiro por trás disso; isso é patente. Por quê? Por que os brancos de elite, que são notoriamente as pessoas mais racistas, sexistas e homofóbicas do planeta, de repente demonstram uma preocupação supostamente maníaca pelo destino civil, pelos chamados “direitos” de homossexuais e transexuais – como se nada mais importasse no lado esquerdista do espectro político? Parece absurdo.

E a única razão para esta propaganda ser martelada é, penso eu, afetar a mente das pessoas – assim como os homens brancos responsáveis por este jogo conseguiram condicionar as pessoas a professarem que os machos brancos são a raça mais horripilante do planeta (como eles fizeram isso foi incrível) – e que “gênero” é um constructo (falocrático) e, portanto, também o é “a família” e o papel genérico de ambos os sexos.

O que o Sistema quer é larvas humanas assexuadas ou sexualmente intercambiáveis que podem se transformar à vontade em trabalhadores, guerreiros e / ou criadores.

As mulheres, por exemplo, agora figuram proeminentemente nos escalões mais altos das forças armadas dos EUA e há um ano os altos escalões levantaram a proibição no exército dos EUA contra transexuais. Q.E.D.

Assim, o “gênero” tecno-estrutural é um alimento discursivo para as massas que esperam uma arregimentação adequada na colmeia. Lá em cima, no topo, entre as elites eugenizadas, o modelo patriarcal e machista pode ser mantido (possivelmente com algumas modificações), pois ainda pensam e administram as coisas em termos convencionalmente feudais.

A questão da violência está muito presente em seus trabalhos, desde o nazismo até as guerras imperialistas e assim por diante. Qual é, de acordo com você, a melhor maneira de quebrar um processo violento?

Sim, estou muito preocupado com isso: no que Tolstoi chamou de “A Lei da Violência”. Como se livrar disso? Pergunta muito difícil.

Há algum tempo, me enhajei no estudo de vários novos campos (psicologia criminal e social, zoologia e entomologia e epistemologia budista) a fim de entender, um pouco, como nossa psique funciona, o que é a consciência; como formamos o desejo e como a hipnose funciona em tudo isso. Eu apenas comecei; espero ter respostas semi-decentes em breve.

Como uma resposta preliminar a essa questão vital, minha convicção, especialmente à luz da profunda influência que a Teoria do Ócio de Veblen exerceu sobre meu modo de pensar, tendo a acreditar que temos que nos despojar, arrancar de nosso “chassi” psíquico qualquer vestígio, qualquer estrato, qualquer camada agregada do que Veblen identificou como “traços bárbaros”. Essas são manifestações, modos de ser de uma mentalidade predatória – uma mentalidade que é caracterizada por uma constante e perseverante propensão para “sair na frente” dos outros, para intimidá-los – seja de forma brutal ou sutil e psicológica; empurrá-los do caminho; explorar (o trabalho dos outros, é claro), pensar em termos de clausura e exclusão; para atacar o que quer que seja e quem quer que a mente assim se disponha a perceber como fraca. À primeira vista, essas definições podem parecer banais e moralistas, mas não é assim. Se alguém refletir sobre isso, perceberá que as estruturas hierárquicas internas de nossa sociedade estão organizadas, na maior parte (se não na totalidade), ao longo dessas mesmas linhas. A grande maioria de nós é ensinada desde cedo, não tanto para cooperar, mas para garantir uma posição de privilégio. Por exemplo, pense em como são orgulhosos todos aqueles pais – todos aqueles pais e mães que gastaram dezenas de milhares de dólares em aulas acadêmicas – seus filhos estão “prontos”, de maneira prestigiosa.

Mas o que há aí para se orgulhar? Que seus filhos conseguiram tenazmente ganhar muito dinheiro? Isso é bom; sim, nem todo mundo pode fazer isso. Mas e a beleza e fazer coisas belas? E quanto à cooperação e a paz?

Na corrida dos ratos, nós nos esforçamos para “pegar” para nós mesmos e para os nossos uma posição e/ou um pedaço dos “interesses investidos”: deixe o resto cuidar de si mesmos e/ou apodrecer no inferno de fogo (pois todos nós nos importamos).

É este “software” psíquico que se tem de extirpar totalmente de seu aparato perceptivo – através de um trabalho paciente de reeducação, através de um redesenho de currículos escolares, nos quais as ênfases precisam ser mudadas, novos tópicos introduzidos (por exemplo, estudo obrigatório de música e harmonia do primeiro ao último ano), e para o qual uma abordagem geral do aprendizado e do fazer deve ser desenvolvida.

Entende-se que tal reforma do sistema educacional deve andar de mãos dadas com um grande movimento de renovação na própria sociedade, e especialmente no setor econômico (reforma monetária, agricultura biológica, vegetarianismo, etc.)

Você estudou o fenômeno terrorista. Você não acha que o terrorismo do Daesh e da Al Qaeda, financiado e apoiado pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha, está na continuidade do nazismo, já que serve aos mesmos interesses, o imperialismo dos EUA e seus aliados britânicos, franceses e europeus?

De certo modo, sim. Claramente, o nazismo e o terrorismo islâmico são entidades muito diferentes, mas eu suponho que você poderia interpretar a Alemanha nazista como um gigantesco movimento terrorista nacional que foi usado para “empurrar” eventos em uma certa direção, a fim de desencadear outras reações que eventualmente resolveriam problema em favor dos manipuladores [e que é, por definição, precisamente para o que o terrorismo foi inventado] – a principal diferença é que neste caso a Alemanha era uma “nação terrorista” e os grupos islâmicos, ao contrário, são forças de violência política que se movem dentro dos limites do que agora são proverbialmente conhecidas como “redes soltas “. Penso que, em geral, a analogia é justificada.

Como você explica a ausência total de um forte movimento antiimperialista em um momento em que o imperialismo está rompendo países e nações? Para onde vai a resistência ao imperialismo?

Essa é uma questão com a qual eu tenho lutado, inquietamente, desde o 11 de setembro. “Eles” criaram as coisas de tal forma que, a menos que você seja capaz de provar consistentemente que todos os incidentes e guerras (pelo menos desde a época da Guerra Fria, de forma sistemática, mas mesmo antes) são falsos e encenados; (de ambos os lados), a menos que você seja capaz de fazê-lo de maneira convincente, isto é, superando a inércia, o medo e as lealdades supersticiosas das pessoas, você esmagará seus dentes contra uma sólida parede de tijolos.

Eles não vão te ouvir. Eles vão marcar como você um maluco, um conspiracionista louco ou qualquer outra coisa do tipo.

Pense no Golfo Um [i.e. a primeira Guerra do Golfo], no Iraque Dois, mas até mesmo no incidente do Golfo de Tonkin, Pearl Harbor, ou na “Guerra Falsa” em 1940, nos ‘‘Julgamentos Espetáculos’’ de Stalin, etc. Há constante trabalho de palco. Teatral.

E depois há a “massa”. Aparentemente, nós apenas queremos comer, beber e nos divertir. Honestamente, quem realmente quer gastar, digamos, cinco ou mais horas por dia lendo notícias e denunciando isso, aquilo ou aquilo?

E, no entanto, muitos de nós sentem que precisam fazê-lo.

Em geral, as pessoas querem segurança no emprego e viverem suas vidas em paz. É difícil ganhar a vida, ainda mais se você tem filhos. E além disso, é preciso se preocupar em ser enganado pelos “interesses do Estado” em acreditar na existência de vários “inimigos”, em entrar na guerra, no tipo “errado” de guerra, em comprar comida que é veneno, etc. E é difícil, porque a grande maioria de nós depende do sistema.

Como se rebelar? A que custo? E para quê? Você protesta contra a injustiça, você desafia, você denuncia – não violentamente, entende-se. Boa. Quantos se levantarão e seguirão para protestar civilmente? Quantos se levantarão e serão contados? O que tudo isso significa no final? Por minha parte modesta, tentei denunciar falsidades e injustiças; no hic et nunc invariavelmente me encontrei completamente sozinho.

Aliás, em uma de suas músicas, Sheryl Crow, a popstar, canta sobre um “All-American Rebel”. E eu me pergunto: o que é um “All-American Rebel”? Eu nunca vi, ouvi ou li sobre um. Onde está a “rebelião” nos EUA ou em outro lugar? Onde estão os heróis (políticos)? O que os heróis realmente fazem? O que eles significam na iconografia pop? Nós realmente precisamos de heróis? E se assim for, para conseguir o que exatamente?

E quem diz, além disso, que o homem ou mulher comum quer se rebelar, mesmo que ele ou ela desacredite em parte do que lhe é dito? Há, novamente, aquela mentalidade bárbara que impede a pessoa de ver as coisas como elas são. Quando você busca o privilégio de toda a sua vida – e 99% de todas as pessoas o fazem –, você se apega a  um certo estilo de vida, a um certo modus vivendi; você se torna dependente da estrutura; você se torna fiel a ela.

Em meu pequeno ensaio “Tecno-Estrutura”, eu reconheci que não é menos verdade que, muitas vezes, o sentimento dominante dentro da massa não é tanto de indignação desafiadora como de frustrada falta de identidade, de propósito. Todo mundo quer ser um chefe; todo mundo quer um pedaço da ação de Hollywood; todo mundo quer ser famoso, todo mundo quer seguidores, groupies e amigos; todo mundo quer glamour, corpos tonificados e estilo de vida fashion; todo mundo quer fazer parte da narrativa do grande poder.

Veblen, novamente, disse: os estratos mais baixos da sociedade são hiper- conservadores; eles protestarão quando morrerem de fome, caso contrário é improvável, pois seus processos mentais, por causa da debilidade espiritual à qual estão continuamente sujeitos, são essencialmente bárbaros.

Em suma, as reações populares são divididas de acordo com o estrato social em que você vive.

Em princípio, a dissidência, se houver, só pode se originar na classe média. As classes médias altas e as aristocracias hipermodernas estão no comando: seu trabalho é resistir à mudança. Das classes mais baixas, nós já falamos.

Se você é de classe média (intelligentsia), pode se dar ao luxo de discordar apenas se tiver uma origem rica, o que poderia permitir que você limpasse sua mente da ofuscação bárbara (por meio da educação, estudo e bons professores bem orientados), e que lhe dá liberdade e facilidade financeira para pensar e dizer no que você realmente acredita. Estamos falando de uma minoria muito pequena aqui.

Na maior parte do tempo, o estrato médio está geralmente empenhado em procurar prazer e pouco mais. Eles o fazem comprometendo-se e mantendo-se em silêncio, quando estão um tanto alertas ou, como é mais comum no caso, comportando-se de forma irregular, confusos no cabo de guerra entre um sentimento saudável de um lado e hábitos bárbaros violentos do outro – hábitos que os ligam organicamente às estruturas de apoio do Sistema (por exemplo, a compra no atual sistema bancário-financeiro de exploração, “apoio patriótico” da guerra, racismo implícito, fidelidade ao oligarquismo, etc.).

Na “base da pirâmide”, como se costuma dizer, as pessoas estão ocupadas demais para pagar as contas: não têm tempo para ler livros, estudar música, discutir notícias, se preocupar com a Síria ou comentar sobre a última exegese de Heidegger. Eles não podiam se importar menos com a história de Hitler, o 11 de setembro, os mecanismos mais profundos do terrorismo ou o destino da dissidência. Que também é o caso de uma grande parte do estrato hedonista médio, como já foi dito.

É verdade que, dos anos 60, até o final da década de 1970, vimos a classe média iniciar movimentos de protesto no nome universal de justiça social e paz. Houve algo de bom nisso. E, em grande medida, esses movimentos pareciam ter sido genuínos. Eles causaram alguma preocupação ao establishment.

Eles não existem mais. Eles foram derrotados sistematicamente. Eu conto parte dessa história no meu [livro] The Ideology of Tyranny.

No entanto, se você olhar mais de perto, você também notará que toda essa onda de entusiasmo de base que animou os anos 60 foi muito coreografada. Tome o Vietnã: não foi por acaso que as pessoas começaram a tomar as ruas para protestar contra a guerra, maciçamente, em 1968. Isto é, no exato momento em que o aparato sabia que a guerra estava perdida. O que quer dizer que nada realmente acontece em nosso Sistema, a menos que algum componente permita.

Era fácil/mais fácil “protestar” durante a Guerra Fria; era fácil atuar com uma postura dissidente naquela época porque a esquerda estabelecida já estava lá para lhe fornecer um palco para fazê-lo; tudo tinha sido pago. Não era preciso coragem para ser desafiador; eles queriam você. O modelo político escolhido para exercer o poder era então um dos antagonismos dicotômicos: os “lados” eram pré-arranjados; você só precisava escolher um e “militar”. Isso era patente na Europa; nós italianos temos uma forte lembrança disso (especialmente os dez anos de guerra civil latente e terrorismo nos anos 70); nós tivemos o Partido Comunista mais poderoso da Europa.

E, na Europa, a progênie daqueles comunistas obstinados que tão veementemente se manifestaram contra o “imperialismo dos EUA” nos anos 70 e 80 formam hoje os “americanistas” mais entusiastas do planeta: “liberais” todos eles: eles foram aqueles que choraram lágrimas de felicidade quando Obama foi eleito presidente em 2008. Se foi a consistência intelectual e a “cultura da dissidência”.

Quando esse tipo de teatro esgotou sua utilidade, mais uma vez, foi eliminado. E todo o aparato “Vermelho”, outrora tão imponente e inspirador, simplesmente desapareceu, da noite para o dia, sem som algum. E, agora, eis que ninguém em qualquer lugar sai às ruas: a vontade política, o dinheiro e os arranjos sociais planejados para o propósito não estão mais lá para apoiar as massas críticas para que esse tipo de programa continue: e observe que na época as marchas deveriam beneficiar exclusivamente os partidos de esquerda, não a justiça social ou a paz per se. Em grande medida, tudo era dissidência artificial e artificial.

A “esquerda” foi despojada desse aparato; está agora nu; você pode ver do que é feito: o grupo usual de burgueses que fará o que os pagadores-mestres de classe alta lhes disserem que façam. E hoje, de fato, a esquerda foi inteiramente reduzida à plataforma do LBGT. A “esquerda” não existe; nunca existiu, realmente.

Poder-se-ia concluir, portanto, que, a este respeito, fizemos um círculo completo para um final triste. Mas, novamente, o que há para ser triste? E eu me pergunto: houve alguma época de ouro da dissensão? Houve um tempo real de glória, de consciência e resistência em massa versus o flagelo da injustiça e a perpetuação da violência?

Eu acho que não. No final, aqueles que se opuseram de forma responsável e incondicional à violência e injustiça foram sempre, e infelizmente, poucos e distantes entre si. Lobos Solitários

Possivelmente isso vai mudar. Acredito que sim.

Entrevista originalmente realizada por Mohsen Abdelmoumen

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