Aparentemente, nossa geopolítica já está consolidada. Já se passaram 20 anos desde a primeira edição do livro Fundamentos da Geopolítica, que lançou as bases para a construção da geopolítica nacional eurasiana: o vácuo ideológico que flagelava nossa compreensão acerca de nossa própria posição na esfera geopolítica naquela época foi preenchido pelo Eurasianismo. Antes disso, o mundo era por nós mensurado por meio de conceitos ideológicos (o campo socialista vs. o capitalismo). Porém, mesmo depois que tal dualismo foi abandonado, permanecia incompreensível os motivos que levavam a OTAN a continuar se expandindo para o Oriente, afinal, “já havíamos nos tornamos liberais”.
Perdemos pontos de referência e, no início dos anos 90, a geopolítica se tornou altamente relevante, de modo que, através dela, parte da nossa elite (ao menos a militar) encontrou ferramentas para explicar a guerra dos continentes.
A geopolítica pode ser entendida de diferentes formas. Carl Schmitt falou sobre o significado metafísico e filosófico dos conceitos de Civilização da Terra e Civilização do Mar. Trata-se dos conceitos básicos da geopolítica, que não consistem apenas em ferramentas de análise estratégica, mas, acima de tudo, em perspectivas profundas acerca das civilizações.
Nos fundamentos da geopolítica há uma camada densa formada por elementos espirituais, civilizatórios e culturais. E a própria civilização (o Poder da Terra e o Poder do Mar) é, simultaneamente, uma descrição destas duas ordens sociais. Lembremo-nos do neoplatônico Proclo, que descreveu a geopolítica de Atlantes (no relato de Platão de Atlântida, a civilização marinha) em contraposição a uma civilização mediterrânea (a Grécia, o mundo helenístico).
Paralelamente, o sociólogo Zygmunt Bauman introduziu o interessante conceito de Sociedade Líquida: uma sociedade fluida, instável, em estado líquido. Tal conceito diz muito sobre o estado de coisas na era moderna, em que a sociedade é desprovida de estratificação social, ordem, limites, certezas, onde tudo flui de um lado para o outro: a sociedade financeira, das redes, virtual, que flui de uma identidade para outra. Geopoliticamente, esse estado corresponde ao que se entende por Atlantismo. Mas se estendermos essa compreensão ao contexto do Poder da Terra, será possível falar também de uma Sociedade Sólida.
Se o líquido corresponde ao elemento aquático, então o sólido diz respeito a uma sociedade solidificada e forte, fundamentada em princípios concretos. E existem constantes em tal Sociedade Sólida: joint and several liability, a reprodução das estruturas ao invés de sua dissolução. Por conseguinte, a Sociedade Líquida, contrariamente, fundamenta-se em mutações – novos iPhones, novas tecnologias, mudança de sexo, de residência, de confissão, de interesses. E na medida em que se caracteriza como uma “sociedade fluida”, é a “sociedade solidificada” que lhe fará oposição. Dois mundos, duas humanidades.
Hoje, a contradição geopolítica entre Terra e Mar se projeta não apenas sobre a geopolítica das relações internacionais (que inclui a Rússia e os globalistas), mas em uma decisão interna no nível da moralidade pessoal: onde estamos situados, na Sociedade Líquida ou na Sociedade Sólida? Não importa onde vivamos: quando me deparo com a liquidez infame da sociedade americana, com seus gritos odiosos, performances feministas e transgêneros destruindo monumentos, escolho me situar ao lado desses monumentos que, neste caso, representam a Sociedade Sólida (embora, aparentemente, eles me sejam alógenos e inapropriados).
A Sociedade Líquida é uma meta-ideologia. Você pode estar banhado de sua repugnância e apoiá-la também desde a Rússia. E no que tange à Sociedade Sólida: os guardiões do Poder (moral) de Terra são nossos aliados, de modo que a geopolítica torna-se, neste sentido, um problema moral. Não se trata apenas de um método de análise da situação internacional, mas também de uma questão de escolha moral. E você tem o direito de escolher – mas a responsabilidade será sua.