Insanidade e cinema alemão em ‘O Gabinete do Dr. Caligari’

O Gabinete do Dr. Caligari é uma experiência atemporal de mergulho nas ambiguidades da insanidade, do onírico, da paixão violenta e do confronto com a autoridade e com a forma “realista”. Se muitos contestam a validade do epíteto “expressionista” para o cinema alemão dos anos 1920 (e eu não sou um deles), há de se fazer um esforço tremendo para não se falar pelo menos de um “caligarismo”. Clássico do horror, o filme dirigido por Robert Weiner narra a história de Francis, que, por sua vez, a partir da cena inicial, conta a história de um ilusionista capaz de prever o futuro das pessoas e de enviar um sonâmbulo para cometer assassinatos durante a noite. No final do filme, o narrador se descobre como um interno de um hospital psiquiátrico comandado pelo vilão de seu conto. O impacto do filme gravita em torno de suas características românticas, algo mórbidas, pela deformação expressiva que torna todos os elementos e personagens em símbolos de estados d’alma. A obra é traçada em torno dos elementos mais comuns e estarrecedores que caracterizam a linguagem cinematográfica alemã daquele período crítico, tais como sua estrutura narrativa auto-reflexiva, enigmática, acompanhada pela técnica do off-screen, em que o espaço para além da tela se torna um hiper-realismo habitado por monstros que nunca invadem, de fato, o cenário. Sua narrativa elíptica se associa a uma cenografia alusiva, poética, mergulhada no imaginário, artificiosa, que desemboca numa temática que mistura o gótico e o sombrio com vilões e monstros envoltos num egocentrismo do poder que culmina no “desdobramento demoníaco”, a partir do qual uma personagem multiplica identidades e corpos num desejo irrefletido por violência. A imagem, a palavra, o exagero intencional dos atores se unem a uma trilha sonora que só posso qualificar de perturbadora. O “Caligarismo” é uma das mais sublimes formas atingidas pelo cinema.

https://www.youtube.com/watch?v=fMuQpitplU8

Imagem padrão
André Luiz dos Reis

 

 

Artigos: 54

Deixar uma resposta