A multipolaridade é um olhar para o futuro (como nunca antes feito). Um projeto de organização da ordem mundial sobre princípios completamente novos. Uma revisão profunda dos axiomas sobre os quais a modernidade está assente – em termos ideológicos, filosóficos e sociológicos.
A série de livros Noomaquia é fruto do desejo de estabelecer uma base sistêmica para a Teoria do Mundo Multipolar, que se fundamenta no fato de não haver apenas uma, mas muitas civilizações – cada qual sendo capaz de forjar o seu próprio destino. Não há uma humanidade única e nem tampouco progresso e direitos humanos: tudo isso não passa de uma forma de dominação ocidental. O Ocidente, que busca impor um sistema de valores (derivados da modernidade) e transformar a diversidade das civilizações em uma única civilização pós-humana tecnocrática.
Na luta contra tal globalismo, uma das ferramentas disponíveis é a Teoria do Mundo Multipolar, que prevê que toda civilização – inclusive a russa – possa defender o seu próprio sistema de valores e significados.
O último e vigésimo volume está projetado para abordar o Logos Russo. No entanto, para que se aproxime do Logos russo, é necessário um trabalho primoroso: em primeiro lugar, desconstruindo o Ocidente e demonstrando que suas reivindicações por progresso são insustentáveis. Os mitos da globalização precisam ser compreendidos em suas raízes e a desconstrução do liberalismo ocidental é a primeira tarefa. Neste sentido, não devemos apenas rejeitar o modelo ocidental, mas, antes qualquer coisa, entender seu sistema de valores: como se deu a transformação da cosmovisão escocesa do século XVII – e da “revolução gloriosa” de Locke – em norma para o direito mundial? Por que a filosofia do senso-comum e os princípios do liberalismo anglo-saxão se tornaram, de repente, as bases dominantes de todas as instituições políticas, ideológicas, jurídicas, econômicas e sociais do mundo inteiro?
Uma vez compreendida, todas as reivindicações do Ocidente a respeito de um universalismo do tempo, do progresso, da tecnologia, do desenvolvimento, do movimento social, da acumulação, da democratização podem ser jogadas no lixo como partes de um modelo etnocêntrico, racista e impudente.
Nas civilizações consideradas arcaicas e subdesenvolvidas, podemos encontrar riquezas monumentais – intelectuais, filosóficas, metafísicas, religiosas. Os povos da África, da América Latina, da Oceania, da Malásia possuem pláceres de ideias e isso é bem explicativo sobre o Ocidente e sobre nossa cultura. Ocorre que é possível que se tenha uma cultura plenamente legítima, plenamente existente e com sua própria percepção acerca da vida, mesmo que não se saiba contar ou mesmo que não se tenha roupas. Por exemplo, as tribos nilóticas possuem uma tradição espiritual colossal, mesmo sem usarem calças: está tudo bem, ao invés de Versace e passarelas, elas têm casacos de pele de leopardo, que é o que lhes faz sentido. O que certamente não faz sentido são os rótulos de primitivo e selvagem.
Assim, o mais importante é construir uma metafísica profunda para um mundo multipolar – uma descolonização profunda. A descolonização política nem sempre é seguida pela descolonização das mentes, uma vez que a modernidade penetra no próprio núcleo da cultura: livrar-se dela e dizer “sim” às suas raízes é muito difícil. Desta forma, a independência política é uma condição necessária, mas não suficiente.
Ao invés de dizer o que pensamentos sobre os papuanos, semitas, italianos ou americanos, devemos entender o que esses povos pensam sobre si mesmos, sobre o mundo e sobre seus vizinhos. Se não nos livrarmos da globalização das mentes, mesmo preservando a soberania [política], não teremos a soberania do Espírito. E a Noomaquia visa, precisamente, defender a soberania do Espírito.