Sempre pontuamos e sempre pontuaremos: não há indivíduos no mundo. Nunca houve e nunca poderá haver qualquer indivíduo no mundo. Por mais que uma afirmação categórica e absoluta como essa possa espantar, essa é uma verdade insofismável, sustentada ao longo de milênios por povos de todos os continentes, raças e religiões, e confirmada pelas reflexões de vários filósofos dos séculos recentes, que questionaram as bases da modernidade e do liberalismo.
O “indivíduo” emerge na história intelectual paralelo à mistificação artificial cartesiana da separação entre sujeito e objeto. Há um sujeito que pensa. Esse sujeito pensa objetos que estão separados dele próprio. E ele pensa a si mesmo, também, como objeto. Pura abstração.
O “indivíduo” se consagrou no Iluminismo burguês como a figura do cidadão abstrato e indiferenciado, de conteúdo universal, igual a todos os outros cidadãos. Esse “indivíduo” surge especificamente das aspirações e temores de uma burguesia ascendente ávida por abocanhar os benefícios econômicos de setores que, antes, eram prerrogativas existenciais dos não-burgueses.
Esse “indivíduo” não tem raça, não tem religião, não tem sexo, não tem etnia, não tem cultura, não tem língua, não tem história. Em suma, ele é um construto a-histórico, de pretensões universais, e que é, por definição, uma mentira.
Todo homem já nasce enredado por uma quantidade imensa de condicionamentos que precedem sua própria existência. O mundo já está posto e dado quando o homem emerge nele. E o homem emerge nesse mundo sem nunca poder se dissociar dele.
Todo homem já nasce em uma raça, ou em uma mistura de raças; todo homem já nasce tendo um sexo (caso seja fisicamente perfeito); todo homem emerge em uma família que o socializará em uma língua, uma cultura, uma história, uma religião. E, sem isso, ele simplesmente não existe de forma autêntica, não é completo.
Por essa razão não pode haver “contrato social”, e a própria narrativa contratualista não passa de uma piada. Todo homem já nasceu dentro de uma estrutura social. Poderíamos regressar até mesmo antes de existir o homo sapiens sapiens e já veríamos o homem socialmente organizado. Não há, nunca houve, nem nunca poderia haver a “situação pré-social”.
Mesmo os “fundadores de Estado”, os “pais de civilizações” eram, eles próprios, fruto de outros Estados e civilizações. O Estado brasileiro, por exemplo, foi fundado não por indivíduos, mas por personagens que foram fruto do Estado português.
É por isso que o liberalismo, e todos os seus derivados filosóficos, políticos, econômicos (clássico, anarcocapitalismo, libertarianismo, etc.), sempre estarão equivocados e sempre levarão qualquer civilização ou sociedade, de forma inevitável, à autodestruição.
Pode-se argumentar minúcias, pode-se debater os supostos benefícios de uma maior ou menor “liberdade de mercado” (outro mito), mas sempre nos depararemos com o fato de que a própria base filosófica do pensamento liberal – o indivíduo – não passa de uma ilusão, um artifício, uma abstração, uma quimera.
E em defesa da civilização brasileira que desejamos construir, essa ilusão deve ser combatida: a farsa liberal precisa ser desmascarada. Precisaremos lançar a luz da realidade sobre a escuridão das mentiras liberais e burguesas.
Hoje, tanto a direita quanto a esquerda se mobilizam em defesa das “liberdades individuais” – quanto mais “liberdade individual”, melhor. O “indivíduo” deve poder fazer tudo que lhe dê na telha, desde que não viole “os direitos” de terceiros: essa é a maior armadilha intelectual da pós-modernidade.
Ao “indivíduo” deveremos opôr a Pessoa: fruto de todas as necessidades e condicionamentos férreos que independem do frágil querer humano. Fruto de inúmeras pré-determinações biológicas, psicológicas, sociais, culturais, espirituais, que formam a base incontornável de seu desenvolvimento histórico posterior. O homem no mundo. O homem cercado pelo mundo. O homem cercado pelos outros. Porque nunca houve homem sem mundo ou homem sem os outros.
O indivíduo precisa ser extinto e, quiçá, até o termo deve ser banido de todos os dicionários. E esse é o ponto de partida para uma oposição real contra o liberalismo e o pensamento liberal em sua essência.