Thor: Ragnarok e o Arqueofuturismo

O mais novo filme da Marvel Studios, Thor: Ragnarok, apresenta um enredo de matriz cósmica, situado num universo repleto de deuses, magia, misticismo, mitos, guerras épicas, e com um gigantesco plus tecnológico.

Inserido no contexto do Universo Cinematográfico Marvel (UCM) – conjunto de longas, séries de TV, webséries e one-shots cujos plots integram um mesmo universo narrativo interligado –, o terceiro filme da franquia do herói asgardiano parte da premissa da iminência do Ragnarok: evento de dimensões escatológicas que, no enredo, representa a destruição total de Asgard, terra natal de Thor, pelas mãos de Hela, a deusa da morte, primogênita de Odin.

A trama é basicamente um continuum dos outros dois filmes da franquia e uma peça de encaixe no pretensioso projeto de um universo cinematográfico compartilhado. Não é o tipo de filme que, no geral, forneça elementos reflexivos filosoficamente densos ou que apresente diretrizes para um entendimento específico de mundo para além do entretenimento (embora seja muito divertido, irreverente, de fácil degustação, com ótimas cenas de ação e de especial valor para os apreciadores e fãs da mitologia dos quadrinhos). No entanto, um aspecto merece ser enfatizado: a caracterização do planeta Asgard e do mundo circunvizinho onde o filme se passa (que é uma nota à parte neste artigo).

Qualquer um que tenha lido o clássico do pensamento dissidente Archeofuturism: european visions of the post-catastrophic age, do francês Guilherme Faye, verá na retratação do reino dos deuses uma transfiguração dos princípios propostos em Archeofuturism: a junção entre o arcaico e o inovador; a sociedade orgânica altamente desenvolvida em termos de tecnologia e de ciência, mas regimentada por princípios eternos, tendo em seu centro um ordenamento sacro milenar – atado aos valores da ancestralidade, do ethnos, e que permeia toda a estrutura política daquela, condicionando o modus operandi de suas instituições.

Guilherme Faye nos dará um panorama geral da ideia do futuro arcaico, do arqueofuturismo:

[…] o arqueofuturismo é uma cosmovisão em movimento. Os valores da arché, projetados para o futuro, são vertido em formas transfiguradas perenes e relevantes. O futuro não é a negação da tradição e da memória histórica de um povo, mas, ao invés, a sua metamorfose, pela qual estes são, em última instância, reforçados e regenerados. Para usar uma metáfora: o que um submarino de mísseis balísticos com energia nuclear tem em comum com uma trireme ateniense? Nada e tudo: um representa a metamorfose do outro, mas ambos, em diferentes épocas, serviram exatamente ao mesmo propósito e incorporam os mesmos valores (incluindo valores estéticos) [1]

O que significa nada mais que a validação, nas palavras de Michael O’Meara, “da primordialidade do épico de Homero” simultânea e paralelamente ao avanço da “ciência contemporânea mais ousada” [2].

Esse é o retrato conceitual que se expressa através da formidável fotografia e arquitetura da Asgard de Thor: Ragnarok – envolta de naves espaciais, armas à laser, maquinarias hi-tech, gigantescos edifícios e construções de metal polido, mas também de deidades, iconografias épicas e criaturas mitológicas.

A fluidez da techne enraizada numa Urbe composta por um povo demarcado por elementos de continuidade étnica: continuidade que aparecerá, em última análise, como a matéria prima de toda ordem citadina constituída – “Asgard é onde nós estivermos”, concluirão Odin, Thor e Heimdall no desfecho da batalha decisiva da trama.

Trivialidades do novo-entretenimento à parte, Thor: Ragnarok é econômico (e até negligente) em se tratando dos vícios cosmopolitas que são praticamente regra no que se refere as produções cinematográficas de fundo mitológico. Sem dúvida, um produto de consumo, mas, sutilmente, de leve, ultrapassa um limiar ao nos apresentar uma ilustração concreta daquilo que poderíamos chamar de uma sociedade neo-tradicional, inserida em um mundo neo-tradicional, onde o conflito entre Modernidade e Tradição parece inexistir. 

Notas:

[1] Faye, Guilherme. Archeofuturism: european visions of the post-catastrophic age. Arktos, 2010 (p. 75).

[2] O’Meara, Michael. Foreword. In: Faye, Guilherme. Archeofuturism: european visions of the post-catastrophic age. Arktos, 2010 (p. 09).

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