É bem possível que eu solte alguns spoilers, então pare pra pensar, pense muito bem, e lembre que esse dia já vem.
Foi na minha geração que Blade Runner, fracasso de público e crítica quando de seu lançamento, se tornou um dos filmes mais cultuados de todos os tempos, redescoberto na “Era do videocassete”. Sou um fã tão antigo e tenho laços afetivos tão fortes com o filme que ainda hoje prefiro a versão original lançada no cinema, com a voz em “off” de Harrison Ford e as ambiguidades em relação a Deckard – muito mais fiel inclusive à proposta de Philip Dick, que em entrevistas confessou que o personagem era humano. Dá pra imaginar o temor com que recebi a notícia de uma continuação da obra prima de Ridley Scott.
Trinta anos após os eventos do primeiro filme, a Tyrell Corporation faliu e suas patentes e espólio se tornaram propriedade de um bilionário excêntrico e genial chamado Dr. Wallace (Jared Leto), que criou uma nova geração de replicantes [aparentemente] totalmente obedientes. Desse modo, os “bonecos” voltaram a ser fabricados não só nas colônias mas também na Terra. Os modelos antigos — aqueles que se rebelavam – permaneciam sendo “removidos” pelos “caçadores de androides”. Numa dessas remoções, o policial replicante K. (Ryan Gosling) encontra uma imensa caixa enterrada aos pés de uma árvore morta. Dentro, os restos mortais de uma ”andróide”, ossos e cabelo, que revelaram que a moça havia dado à luz. Eis aí o argumento para a investigação policial que estrutura o filme. K. recebe ordem para encontrar a criança, que ameaça a fronteira entre humanos e não humanos, colocando assim em risco a sociedade.
É óbvia a relevância da reprodução orgânica como elemento central na distinção entre máquinas e seres vivos, entre uma possível inteligência artificial e os homens, especialmente em uma distopia em que a engenharia genética criou cópias dos homens transformadas em produto por um monopólio científico-capitalista e destinadas à escravidão. Ainda assim o argumento me pareceu fraco, confesso que não pude deixar de lembrar d’O Parque dos Dinossauros. Os problemas levantados sobre humanidade e identidade no primeiro filme se dão em uma camada de profundidade bem maior.
Além do papel da memória nas narrativas que formam a noção de “eu”, o esvanecimento das diferenças entre o real e virtual ganha uma nova dimensão. Em 1982, esse tópico está no esqueleto da história, com a gradual humanização dos replicantes e o esboroamento das definições de pessoa sintetizada nos dramas de consciência do “caçador de androides”, em sua relação amorosa com Rachael, e, principalmente, com as dúvidas sobre a natureza do próprio Deckard. [Na minha opinião, a opção do “corte do diretor” por retratar o policial como um replicante rompe um dos pilares da obra, que é a incapacidade do público de desfazer suas incertezas sobre o personagem principal e sua paixão por Rachel]. Agora, o tema se reforça com a criação de um outro nível de virtualidade em “Joy”, uma máquina que emula uma namorada e dona de casa e que se torna a grande companheira, a verdadeira “esposa” do agente K.
O mais impressionante, porém, é o respeito e a competência de Villeneuve para recriar, sem cair em caricatura, o mundo, a ambiência, o clima do primeiro filme. Estamos definitivamente no universo de Blade Runner, a distopia ácida, mega-industrial, ultra-capitalista, desnaturada, cosmopolita, desumanizada e cyber-punk do filme original, elevada a uma potência ainda mais assustadora com cenários de caos pós-apocalíptico, desertos empoeirados, lixões e escravidão infantil. Da paleta de cores aos ângulos da câmera, passando pelo magistral trabalho de Hans Zimmer — que sem abdicar das próprias características nunca nos deixa esquecer do sabor da trilha clássica de Vangelis –, as homenagens e auto-referências se sucedem, de maneira sutil ou nem tanta, mas nunca vulgar. A prostituta replicante que espiona o agente K. é construída para nos fazer lembrar de Daryl Hannah, a chefe de polícia nos faz recordar de Rutger Hauer, o drone que obedece ao comando de voz de K. é um upgrade da máquina com que Deckard analisa as fotos do apartamento de Leon. O diretor se mantém fiel à linha de investigação policial noir, sem soluções fáceis nem concessões à agitação dos blockbusters hodiernos.
No fim das contas, Villeneuve evita a tentação de cair em um cinema de ação ou apostar na comoção de uma revolução de escravos, preferindo investir nas decisões, frustrações e vícios mesquinhos que mantém todos os personagens no limbo contraditório e instável entre a humanidade e a desumanização. Ryan Gosling dá exemplo formidável da construção de um protagonista perdido entre o estoicismo e o desejo, a obediência e a consciência, a verdade que é imposta e torna o mundo uma mentira e a mentira que é a única vivência humana possível. Se Blade Runner fosse transformado em uma franquia pop [perigo afastado pelo fracasso de bilheteria de “2049”] não seria pela falta de qualidade dessa continuação, digna do mais exigente dos fãs. Saí do cinema aliviado e feliz, pronto para rever o clássico de 1982 madruga adentro.
Tudo no filme é incrível, os cenários, fotografia, performances e enredo que eu amava. Na minha opinião, Blade Runner 2049 foi um dos mehores filmes de ficção cientifica que foi lançado. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio Ryan Gosling esta impecável. Ele sempre surpreende com os seus papeis, pois se mete de cabeça nas suas atuações e contagia profundamente a todos com as suas emoções. Além, acho que a sua participação neste filme drama realmente ajudou ao desenvolvimento da história.