Os Estados Unidos, antigamente, quando queriam dominar um país, mandavam um ou dois porta-aviões e ameaçava com os fuzileiros navais. Mas hoje eles mandam Michael Jackson e Madonna. É mais barato e muito mais eficiente.” – Ariano Suassuna
Em um vídeo interessante, Ariano Suassuna trata da questão da guerra cultural e de como seu papel é fundamental na imposição do globalismo anglo-saxão. Em primeiro lugar, é preciso reiterar o conceito “Guerra Cultural” – termo apropriado pela própria direita de inspiração anglo-saxã. Aqui, vemos como o ideal globalista é pervertido: esta mesma direita afirma que há uma guerra cultural contra os Estados Unidos, praticada pela “esquerda globalista”. E nada pode ser mais mentiroso.
Em primeiro lugar, só há um projeto globalista: o americano, inspirado nos ideais do “Destino Manifesto”. Mesmo com o caráter diferente e pós-moderno, sua essência atualmente é a mesma: racista, supremacista e aniquilador de todas as culturas diferentes. O que, por exemplo, só serve para aumentar ainda mais o vexame de Olavo de Carvalho em seu debate contra o Professor Alexander Dugin: defender os Estados Unidos como vítima do globalismo e maior opositor a ele já nasce como uma grande mentira.
A tática de utilizar o entretenimento para demonizar o diferente, e ressaltar a superioridade anglo-saxã, é uma arma antiga do globalismo anglo-saxão. Os vilões dos filmes americanos já foram os índios, que sofreram um dos genocídios mais monstruosos da história, capaz de fazer o genocídio armênio parecer uma brincadeira de freiras; já foram os russos, demonizados como vilões terríveis – ou ainda no asqueroso Rocky IV, com o típico bobalhão americano que vence através do esforço e no final ainda faz um discurso ridículo de propaganda ao imperialismo. Toda identidade cultural opositora ao imperialismo anglo-saxão e seu racismo é colocada como ideal de fanáticos, cruéis, traiçoeiros e tiranos.
Mas o cinema não é a única arma. Os famigerados seriados, com temáticas diversas como terror, medicina, comédia, drama e tantas outras, sempre passam, de um modo ou de outro, os modos anglo-saxões e a vitória final de seu modelo, ditando a moda de vestuário, as músicas mais conhecidas e até a forma de se expressar. Negar a influência americana nesta questão é impossível: não vemos russos e chineses exportando seus modos através de enlatados, filmes de quinta categoria como Rocky, super-heróis imbecis e músicas de caráter degenerado.
Mas a questão não termina aqui: um caráter interessante desse domínio pode ser notado na Ditadura Militar Brasileira. Para muitos, a Ditadura Brasileira foi um período de “nacionalismo” brasileiro. Mas de nacionalismo nada tinha. O patriotismo da Ditadura era puramente forjado, baseado em símbolos como a bandeira, o hino o “amor incondicional à pátria”. Na prática, a realidade era outra: a Jovem Guarda, movimento inspirado na bobice americana, com versões tolas de músicas americanas ou alienadas composições nacionais, não recebia perseguição alguma – na verdade, era incentivada na televisão e na mídia impressa. Os ídolos da Jovem Guarda representavam o ideal que o americano desejava vender às suas colônias militares na América Latina: o moço alienado que se divertia sem se preocupar com a realidade política, para que os golpes militares iniciassem um projeto de colonização americana no continente. Enquanto isso, movimentos que valorizam as raízes culturais, como a Tropicália, eram perseguidos. Artistas que relatavam o cotidiano sofrido da população e a cultura popular também foram perseguidos, como Chico Buarque, que acabou se tornando um mestre em enganar a censura e a repressão dos sabujos dos colonizadores. Em um caso pitoresco e curioso, os compositores da música gaúcha “Não podemo se entre pros home”, uma ode ao campeiro contra a ameaça à identidade gaúcha, foram chamados pela repressão para esclarecimentos.
Enquanto em outros locais, como na África, a guerra era travada através da violência, com a divisão dos povos africanos em estados artificiais, o que fatalmente levaria às guerras civis e étnicas, além da interferência e combate às lideranças libertadoras e de identidade africana, na América Latina a guerra era propriamente cultural. Ser brasileiro, argentino, chileno ou boliviano de fato era algo vergonhoso, atrasado, representava algo “antipatriótico”. A “pátria Brasil” era uma cópia do patriotismo americano, era a seleção de 1970 com seus cabelos de corte militar e camisa para dentro do calção e meião arrumado – “pra frente Brasil”, enquanto a identidade brasileira de fato era coisa de “comunista” e “espiões da União Soviética”. Enquanto isso, os militares matavam 8,300 índios, tanto por motivos políticos como para favorecer grileiros de terra[1].
Mas a guerra não acabou com o fim da ditadura. Como notou Ariano, a destruição da cultura nacional continua. O brasileiro é cada vez mais americano, as identidades regionais. Como mostra uma publicação da página da página da Nova Resistência, até a Oktoberfest foi afetada: a festa da colônia alemã, parte importante da formação da identidade do Sul do Brasil, foi transformada em uma baderna, sem qualquer ligação com a identidade local – e embora pós-modernos afirmem que o funk de Valesca Popozuda seja “empoderador”, de fato ele não é: o funk nada tem de “libertador”, é apenas uma manifestação de um povo que perdeu sua identidade e se agarrou ao hedonismo tipicamente estadunidense e não representa, de forma alguma, qualquer libertação da mulher. Excluindo aqui todo moralismo, podemos afirmar que o funk não liberta mulher nem coisa alguma, é o mesmo biscoito utilizado na famigerada Jovem Guarda: “peguem essa diversão, finjam que está tudo bem e esquecem das coisas que realmente importam: reforma agrária, reforma urbana, a questão dos trabalhadores”.
Se antes os militares utilizavam a tortura, prisão, censura e exílio no sufocamento das verdadeiras manifestações nacionais, hoje isso não é mais necessário. Não por humanismo, pois o modelo anglo-saxão continua utilizando a força, o genocídio e a tortura quando necessário (como na invasão do Iraque e no financiamento dos terroristas na Síria), mas sim porque o plano de dominar pela manifestação cultural vai muito bem.
Além disso, há um renascimento de uma “direita” no Brasil que é preocupante: uma direita que louva os valores conservadores anglo-saxões. Traidores temos de sobra. Na esquerda de ideal “pós-moderno”, que troca a luta do trabalhador por reivindicações frívolas e burguesas; na direita “conservadora” ou “liberal”, que possui ecos nas redes sociais pedindo a colonização.
Desde as primeiras revoluções republicanas de inspiração americana, há uma luta travada entre o globalismo anglo-saxão e os defensores da identidade latina. Várias resistências ocorreram, como a Filosofia da Libertação, destacada no Primer Congreso Nacional de Filosofía, organizado por Perón em 1949; a legítima luta armada contra os governos militares; políticos como Brizola, homem de coragem que denunciava abertamente o domínio da mídia pela elite globalista (como poder ser visto neste vídeo) – a libertação só virá com a consciência de que a verdadeira libertação surge com a libertação do globalismo. O globalismo não é de direita, muito menos de esquerda; não está na “liberdade de mercado” ou em um mercado mais fechado: é um ideal de domínio cultural e extermínio de identidades. Para tanto, ideólogos e movimentos sem consciência dos planos globalistas servem de massa de manobra.
É preciso conscientizar as massas da importância da valorização da verdadeira identidade, pois estamos cercados de traidores, alguns conscientes da existência da identidade brasileira (mas seus inimigos por fetiche ideológico), outros inconscientes, devido à lavagem cerebral cultural. Como diz a música de León Gieco:
Si un traidor puede mas que unos cuantos
Que esos cuantos no lo olviden facilmente
Não podemos nos esquecer disso: a guerra cultural não é travada apenas contra os inimigos externos, mas também contra os nossos traidores.
Notas
[1] –http://www.ihu.unisinos.br/546025-meio-ambiente-e-grilagem-de-terras-na-amazonia