O “Capitalismo Inclusivo” é a Ideologia do Grande Reset

Escrito por Valentin Katasanov
Os bilionários vinham, há anos, muito preocupados com os rumos do mundo. A aceleração da acumulação capitalista criou bilionários, mas lançou bilhões na miséria. Para piorar, as margens de lucro tem sido decrescentes, e as populações dos países tem estado cada vez mais insatisfeitas, indignadas e indispostas a confiar nas elites. Eis que subitamente aparece a pandemia, e a oportunidade de um Grande Reset para reestruturar o capitalismo global em benefício dos bilionários. Mas do que se trata isso? O que eles querem dizer quando falam em “capitalismo inclusivo”?

O livro de Klaus Schwab e Thierry Malleret, Covid-19: O Grande Reset, expõe os últimos planos da elite em sua tentativa de reconstruir a ordem mundial. Eu resumi estes planos em um artigo que escrevi anteriormente, que consiste em oito objetivos principais [1]. Aqui eu proponho continuar esta discussão.

O capitalismo inclusivo é um dos conceitos-chave da “Grande Reconstrução” ou Grande Reset, ou, dizendo de outra forma, seria um capitalismo “aberto”, ou seja, “omnímodo”, capaz de integrar a todos. Em todas as minhas décadas de trabalho como economista, nas quais conheci uma quantidade desproporcional de definições diferentes do que é o capitalismo, nunca me deparei com uma novidade tal como “capitalismo inclusivo”.

Parece que os mestres que operam nos bastidores se convenceram, após a crise financeira de 2007-2009, de que o modelo atual do sistema capitalista mundial finalmente expirou. Quando me refiro ao “mundo dos bastidores”, refiro-me àqueles que são os donos do dinheiro (que são principalmente os acionistas da Reserva Federal dos EUA) e que estão se esforçando para se tornar os donos do mundo.

Schwab nunca diz claramente o que significa “capitalismo inclusivo”. Qualquer um que queira discutir esse termo pode dizer que o capitalismo “inclusivo” é um capitalismo sem pobres e desamparados. Outros dirão que se trata de um modelo onde todos participarão igualmente da atividade econômica. E alguém mais começará a argumentar que este capitalismo “inclusivo” se refere à responsabilidade que devemos assumir perante as gerações futuras.

Entretanto, isto é um truque discursivo, ou, falando sem rodeios, é simplesmente um engano, pura propaganda barata. A título de exemplo, ele citará uma conferência de alto nível que ocorreu em maio de 2014 em Londres, na qual participaram Christine Lagarde, Diretora Executiva do FMI, Sua Alteza Real o Príncipe Charles, Lady Lynn de Rothschild, Bill Clinton, ex-Presidente dos Estados Unidos, e Fiona Woolf, Prefeita da Cidade de Londres. Lynn de Rothschild foi a principal força motriz por trás desta conferência e, pouco antes do início da reunião, ela havia acabado de apresentar sua iniciativa sobre o capitalismo inclusivo (portanto, este conceito não foi inventado pelo professor Schwab). O discurso que Christine Lagarde fez durante a reunião foi especialmente curioso.

Primeiro, Lagarde confirmou que a idéia do capitalismo inclusivo pertencia à Sra. Rothschild: “Estamos todos aqui para falar de ‘capitalismo inclusivo’, que uma idéia de Lynn!”

Em segundo lugar, Lagarde voltou a Marx e concluiu que, do ponto de vista deste último, um conceito como “capitalismo inclusivo” contém idéias que são incompatíveis: “A popularização do uso da palavra ‘capitalismo’ ocorreu durante o século XIX. Com o surgimento da Revolução Industrial veio Karl Marx, que falou da expropriação dos meios de produção e previu que o capitalismo, com todos os seus excessos, carregava dentro de si as sementes de sua própria destruição: a acumulação de capital nas mãos de poucos, que em sua maioria querem apenas acumular lucros, levaria o mundo a sérios conflitos e crises repetidas. Então podemos concluir de tudo o que foi dito acima que discutir ‘capitalismo inclusivo’ é realmente falar de um oximoro?”

Naturalmente, para Marx o capitalismo nunca pode ser “inclusivo”, ao contrário, ele é um sistema “exclusivo”. O capitalismo expulsa aqueles que são “supérfluos” para a produção social, deixando-os na pobreza e na miséria: ele exclui milhões de pessoas de toda atividade na vida social. Marx chamou isso de lei geral da acumulação capitalista: no curso do desenvolvimento do capitalismo há uma polarização sócio-econômica da sociedade; em um pólo há um pequeno número de ricos e super-ricos, enquanto do outro lado encontramos uma parte esmagadora da sociedade composta de pobres e mendigos.

De qualquer forma, tanto Christine Lagarde quanto o príncipe Charles e Lady Lynn de Rothschild concordaram que Marx estava certo. No entanto, esta descrição do capitalismo só se aplica a cerca de 150 ou 200 anos atrás. O capitalismo de hoje pode e deve passar da exclusividade à inclusividade, para abranger o mundo inteiro.

Passaram-se sete anos desde este encontro em Londres. E o capitalismo global tornou-se muito mais inclusivo? Não! Ele continuou a se desenvolver de acordo com a lei geral de acumulação de capital formulada por Marx: os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Na véspera da 50ª reunião em Davos, a organização não governamental Oxfam publicou, em janeiro de 2020, um relatório sobre a distribuição da riqueza no mundo [2]. (2) De acordo com o relatório, a riqueza global de cerca de 2.153 multimilionários é mais de 60% da população mundial. Comentar sobre isso seria altamente supérfluo.

Analisando o que disse Schwab sobre este “novo” modelo capitalista, parece que tudo se resume, em última análise, a propor o abandono da maximização do lucro. Schwab diz que é hora das empresas perceberem que o mundo onde houve crescimento constante de capital acabou e que na realidade o lucro médio em muitas das indústrias e mercados já está tendendo a zero. A propósito, o próprio George Soros costumava brincar há cerca de vinte anos que “a música acabou, mas todos ainda estão dançando”. Talvez isto nos faça lembrar Karl Marx, que há um século e meio havia formulado esta lei da tendência decrescente da taxa de lucro e que havia dito que, como resultado da crescente estruturação técnica do capital (porque as máquinas acabariam deslocando os trabalhadores), isto faria com que a taxa de lucro caísse para zero.

Assim, para salvar o capitalismo, Schwab, seguindo a Madame Lynn de Rothschild, nos diz que o capitalismo agora é “inclusivo”. Em primeiro lugar, deveria deixar de pensar que o lucro é o objetivo principal e a única referência real para o sucesso empresarial. Depois de aceitar isto, as empresas devem se adaptar aos consumidores, baixando os preços dos produtos e assim erradicando gradualmente a pobreza e a miséria. E, finalmente, a idéia de que as empresas são de propriedade de acionistas deve deixar de ser sustentada.

Vou me referir simplesmente à Mesa Redonda de Negócios estadunidense (Business Roundtable) [3], que reúne as maiores empresas daquele país. Os comitês de gestão da BRT incluem Jeff Bezos da Amazon, Tim Cook da Apple, Mary Barra da General Motors e outras figuras proeminentes que estão entre as pessoas mais ricas dos Estados Unidos e do mundo. A BRT disse há um ano que o princípio de colocar os acionistas em primeiro lugar é coisa do passado e que suas obrigações correspondentes devem se estender a todas as outras partes interessadas, tais como funcionários da empresa, fornecedores e empreiteiros, consumidores de produtos ou governo. A Business Roundtable visa, portanto, promover uma “economia que sirva a todos os americanos” e não apenas aos acionistas.

Klaus Schwab saudou estas declarações, acrescentando: “O objetivo da empresa é envolver todas as partes interessadas no processo de criação de um princípio que seja colaborativo e sustentável”. Em outras palavras, todas as empresas devem tornar-se ‘inclusivas’ e não deve ser o Estado a construir este capitalismo inclusivo, mas as próprias empresas. Pelo contrário, o Estado deve ser ‘absorvido’ de forma gradual dentro das empresas que são inclusivas, o que significa que ele não deve murchar, como acontecea com o marxismo clássico, mas o Estado deve ser privatizado pelas maiores corporações.

O capitalismo existe até agora há vários séculos e sob seu manto reina o princípio do Homo homini lupus est (o homem é um lobo do homem). Os lobos criados e nutridos pelo capitalismo cresceram sob estes princípios por gerações, devorando precisamente os mais fracos. E agora nos dizem que estes lobos querem declarar que estão prontos para comer grama de agora em diante?

Vamos deixar de lado as imposturas. O tão cacarejado capitalismo inclusivo é apenas uma cortina de fumaça para os planos que a elite global está preparando e que podemos chamar de um futuro pós-capitalista, ou seja, o estabelecimento de um neo-feudalismo e de um novo sistema escravista. A elite global está agora preparada para abandonar sua busca por maiores lucros, mas nunca estará disposta, sob nenhuma circunstância, a renunciar ao poder. A Grande Reconstrução, o Grande Reset, baseia-se na preservação e no fortalecimento de seu poder.

Os senhores do dinheiro pretendem transformar o capital que possuem em meio para o domínio absoluto do mundo.

Notas

  1. https://www.fondsk.ru/news/2020/12/19/covid-19-nachalo-velikoj-perestrojki-52510.html
  2. https://www.oxfam.org/en/press-releases/worlds-billionaires-have-more-wealth-46-billion-people
  3. https://www.businessroundtable.org/

Fonte: Fondsk

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Nova Resistência
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