O palco está armado para uma surpresa na Venezuela em outubro

Caracas – a agressão dos EUA contra a Venezuela se intensificou nas últimas semanas e todos os sinais apontam para uma escalada antes das eleições nos EUA e na Venezuela.

A guerra híbrida contra a Venezuela está se intensificando enquanto a campanha presidencial dos EUA esquenta. O governo Trump e seus aliados venezuelanos e internacionais prepararam o cenário para uma surpresa no mês de Outubro, um possível ataque dos Estados Unidos ou um de seus representantes, desenhado para impulsionar a reeleição do presidente Trump. Os ataques à Venezuela vêm de múltiplas dimensões, incluindo pressão militar aberta, pressão econômica, operações secretas e campanhas de desinformação. Esses são todos elementos de uma guerra híbrida que procurou derrubar o governo do presidente Nicolás Maduro nos últimos anos, e cada elemento viu novos desenvolvimentos nas últimas semanas, exatamente quando a Venezuela está lutando contra um aumento nos casos de COVID-19.

Pressão militar aberta

A mobilização naval dos EUA na fronteira marítima venezuelana está prestes a começar seu quinto mês de operações na região. Até mesmo os poucos democratas no Congresso dispostos a criticar a política de Trump na Venezuela nada declararam sobre essa movimentação, talvez porque seja inteiramente normal que os Estados Unidos ameacem um país com guerra e em seguida atraquem sua Marinha nas suas fronteiras. O silêncio dos democratas é lamentável, pois isso poderia facilmente ter sido usado como um exemplo de desperdício do Pentágono. Implementar uma operação massiva de “antinarcóticos” no Caribe, quando 84% da cocaína nos EUA transita pelo Pacífico, seria um frutífero argumento no debate pelo corte de gastos militares.

Na Colômbia, o presidente Iván Duque se encontrou em 18 de Agosto com o assessor de segurança nacional Robert O’Brien e o chefe do Comando Sul dos EUA, Craig Faller, onde anunciaram a Iniciativa “Colômbia Cresce”, um plano de bilhões de dólares que O’Brien afirma ser “focado no desenvolvimento rural, expansão da infraestrutura, segurança e estado de direito ”, embora o anúncio contivesse poucos detalhes. Dois dias após a visita com as autoridades americanas, Duque acusou infundadamente a Venezuela de tentar adquirir do Irã mísseis de médio e longo alcance. Tanto o Irã quanto a Venezuela negaram as acusações.

Em 27 de Agosto, um tribunal colombiano autorizou uma unidade militar dos Estados Unidos a reiniciar sua “missão de assessoramento”, após suspender anteriormente essa cooperação em virtude de um desafio constitucional com relação ao envio de tropas estrangeiras para solo colombiano. Esta unidade, uma Brigada de Assistência das Forças Especiais, foi projetada para “construir uma força militar profissional”. É importante notar que em seu livro, o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton afirma ter percebido em Fevereiro de 2019 que “as tropas da Colômbia simplesmente não estavam prontas para um conflito convencional com as forças armadas de Maduro.”

O Brasil, vizinho ao sul da Venezuela, também está envolvido na escalada. A Força Aérea Brasileira realizou exercícios militares entre 17 de Agosto e 4 de Setembro. Os exercícios, que foram relatados como treinamento para combate não convencional contra forças insurgentes ou paramilitares, incluem helicópteros Black Hawk e caças.

O Brasil e a Colômbia cooperam estreitamente em assuntos militares com os Estados Unidos. Em um evento de Julho em Miami, o Presidente Trump foi apresentado ao Brigadeiro General Juan Carlos Correa da Colômbia e ao Major General David do Brasil pelo Almirante Faller, que informou que estes homens “trabalham para [ele]”. O ex-presidente brasileiro Lula da Silva expressou preocupação de que as forças armadas de seu país “possam ser utilizadas para ações incompatíveis com os princípios constitucionais de não intervenção e autodeterminação dos povos”.

Pressão Econômica

No plano econômico, os Estados Unidos apreenderam dois tanques de combustível adquiridos pela Venezuela no dia 14 de Agosto. Esse ato descarado de pirataria não recebeu muita atenção da grande mídia, mas faz parte da estratégia para sufocar a economia da Venezuela, que enfrenta escassez de gasolina devido à dificuldade de importação de aditivos químicos e peças de reposição necessárias para as refinarias. Agora, o governo Trump está considerando encerrar uma isenção de sanções para as trocas de óleo cru que as petrolíferas Reliance, Repsoil e Eni têm feito com a Venezuela. Sanções ao diesel teriam impactos generalizados na agricultura, transporte, saúde e indústrias de energia da Venezuela. Caminhões usados para o transporte de alimentos e ônibus que transportam pessoas dependem do óleo diesel. Hospitais em todo o país dependem de geradores a diesel de reserva para resistir ao abastecimento irregular de eletricidade. No oeste da Venezuela, o diesel é comumente usado em usinas geradoras de eletricidade local.

A isenção do diesel está programada para terminar no início de Novembro, e o governo Trump disse às empresas para encerrar essas trocas, gerando críticas de membros proeminentes da oposição venezuelana, incluindo o economista Francisco Rodríguez, que a caracterizou como uma “medida claramente eleitoral” que “vai custar vidas.” As sanções estão se tornando um dos principais motores de divisão dentro da oposição, à medida que mais e mais figuras da oposição começam a criticá-las por não levarem à mudança de regime e por punir os venezuelanos comuns.

Operações secretas e desordem criminosa

Embora nunca possamos saber a extensão do envolvimento estadunidense na tentativa de assassinato ao presidente Maduro em Agosto de 2018, no ataque cibernético de março de 2019 na rede elétrica da Venezuela ou na tentativa de incursão de dois ex-Boinas Verdes e outros mercenários em Maio de 2020, seria desonesto achar que as agências de inteligência e forças especiais dos EUA estão ociosas. Na Venezuela, há uma preocupação crescente de que vários crimes nas últimas semanas façam parte de uma conspiração para semear o caos.

Não há como confirmar essa teoria, mas não é absurda. O analista militar Frank G. Hoffman afirma que a guerra híbrida pode “incorporar uma variedade de modos diferentes de guerra, incluindo capacidades convencionais, táticas e formações irregulares, atos terroristas incluindo violência indiscriminada e coerção, e desordem criminal”. Um exemplo disso ocorreu durante o fim de semana da incursão de Maio, quando houve um surto de violência de gangues em Petare, a maior favela da Venezuela. Mais tarde, um dos mercenários capturados alegou que a Drug Enforcement Agency (DEA, Administração de Fiscalização de Drogas) tinha “pago o tiroteio” para funcionar como cortina de fumaça para a incursão.

A preocupação atual é uma série de crimes que começaram no dia 8 de Agosto com o desaparecimento de um icônico líder revolucionário. Isso foi seguido pela morte em 20 de Agosto de um conhecido artista de esquerda em circunstâncias misteriosas e pelo assassinato em 21 de Agosto de dois trabalhadores de comunicação da esquerda pela polícia. As autoridades continuam investigando todos os três casos; neste último, oito policiais e um promotor foram indiciados por assassinato e tentativa de encobrimento. O procurador-geral Tarek Saab chamou as nove pessoas acusadas de “infiltrados” que entraram na força policial para se envolver no crime. Independentemente de estarem ou não ligados a uma conspiração para gerar desordem criminosa, esses eventos certamente estão causando danos psicológicos ao povo venezuelano.

Além desses crimes, há ainda a recorrência de confrontos violentos entre a polícia e grupos criminosos bem armados. Em 25 de Agosto, uma gangue equipada com metralhadoras AR-15, AK-103 e FN-MAG emboscou um depósito de armas da polícia. Em uma foto, vemos um homem que é supostamente um dos fundadores da gangue segurando uma bazuca durante o confronto. Ataques a quartéis ou depósitos de armas ligados à conspirações de golpe ocorreram várias vezes desde 2017, resultando no roubo de fuzis, armas pesadas, granadas e outros explosivos que acabam nas mãos de criminosos.

Encerramentos de rede social

Os gigantes da tecnologia parecem estar se juntando à campanha de pressão máxima do governo Trump. Em Março, no momento em que a pandemia do coronavírus estava começando na Venezuela, o Twitter suspendeu 40 contas de funcionários, instituições estatais, jornalistas e influenciadores, incluindo as do Ministério da Saúde e da vice-presidente Delcy Rodríguez, que estava à frente no monitoramento do COVID-19. A maioria (não todas) dessas contas foram recuperadas, mas o Twitter não deu nenhuma explicação sobre essas ações.

Em 19 de Agosto, o Twitter restringiu a conta da Venezuela Analysis, um dos mais importantes sites de notícias em inglês sobre o país. Ben Norton, do Grayzone observa que esses são perfis que “entram em conflito com a narrativa pró-guerra de Washington”. Suas suspensões representam uma escalada na dimensão midiática da guerra híbrida. Em 21 de Agosto, o Google bloqueou ou apagou três contas do YouTube e Gmail pertencentes ao canal de televisão estatal venezuelano VTV, impedindo que os venezuelanos acessassem as notícias ao vivo e 68.000 vídeos que a VTV tinha publicado desde 2011.

Campanhas de desinformação e COVID-19

O momento dessas restrições é curioso, ocorrendo exatamente quando uma grande campanha de desinformação sobre resultados do COVID-19 na Venezuela está em andamento. O New York Times e outros meios de comunicação publicaram histórias sobre a situação difícil do retorno de migrantes venezuelanos e as supostas medidas extremas tomadas pelo governo venezuelano para combater a pandemia.

O que falta nesses artigos é o fato de que a Venezuela recebeu 130.000 migrantes que retornaram desde o início da pandemia. A Venezuela pode ser o único país do mundo que está recebendo um grande número de pessoas durante a pandemia, já que a maioria dos países fechou suas fronteiras e voltar para casa tem sido difícil para as pessoas em todo o mundo. Dos venezuelanos que retornaram, 90.000 entraram pelos canais oficiais, onde passam imediatamente por testes de COVID-19. A maioria é então enviada para um Posto de Atenção Social Integral (PASI) para cumprir os protocolos de quarentena. Nos PASI’s, os migrantes recebem alimentos, cuidados médicos e produtos de higiene pessoal enquanto esperam 2 a 3 semanas para garantir que não estão infectados com o coronavírus (os testes positivos podem prolongar a permanência).

Os outros 40.000 migrantes voltaram ao país por rotas não oficiais, pulando os controles de saúde e de imigração. No final de Maio, a Venezuela começou a experimentar um rápido crescimento nos casos de COVID-19 após controlar a pandemia por dois meses. Muito desse crescimento foi atribuído a migrantes que não seguiram os protocolos de saúde; a certa altura, 80% dos novos casos da Venezuela foram importados do exterior. Em meados de Junho, os números mudaram e as transmissões da comunidade aumentaram rapidamente.

Existem boas razões para os migrantes evitarem os pontos de entrada oficiais, incluindo as péssimas condições no lado colombiano da fronteira e as longas esperas para entrar, dado o limite do número de pessoas que podem cruzar a fronteira diariamente. No entanto, muitos dos migrantes foram vítimas de notícias falsas. Madelein García, da Telesur, entrevistou um venezuelano que retornou e foi informado na Colômbia que os venezuelanos estavam injetando COVID-19 em migrantes porque os médicos estavam sendo pagos por números de casos, bem como mentiras sobre migrantes não serem alimentados e estarem trancados em gaiolas dos PASIs.

Embora existam relatos nas redes sociais sobre as más condições de alguns PASIs, parecem ser a exceção, e não a regra. Um relatório do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários apontou as diferenças entre os mais de 200 PASIs, com os de universidades e hotéis tendo melhor infraestrutura do que os de escolas primárias e ginásios, alguns dos quais requerem “maior apoio para fortalecer sua capacidade de oferecer Serviços”. As Nações Unidas e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) visitaram os PASIs e estão contribuindo com ajuda para os migrantes temporariamente colocados em quarentena. O governo e as autoridades locais inspecionam rotineiramente os PASIs, e a mídia venezuelana tem noticiado sobre eles. Os PASIs têm sido muito difamados na mídia sem qualquer contexto da vastidão do programa ou do desafio de lutar contra uma pandemia para um país economicamente sufocado por sanções.

A narrativa da mídia convencional sobre COVID-19 e os migrantes da Venezuela está sendo usada para apresentar o país como necessitado de intervenção humanitária. De fato, a administração Trump e think tanks como o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, que publicou um relatório intitulado “Venezuela: Pandemia e Intervenção Estrangeira em um Narcostado em Desabamento”, têm tentado transformar a resposta ao COVID-19 da Venezuela em uma questão de segurança regional. O Conselho Atlântico, considerado o think tank da OTAN em Washington, realizou um evento em 13 de agosto com o almirante Faller no qual ele declarou que o governo de Maduro é uma ameaça urgente à democracia, à estabilidade econômica e à resposta ao COVID-19.

No entanto, é ridículo afirmar que a Venezuela está ameaçada pelo COVID-19. O país está se saindo significativamente melhor do que seus vizinhos no controle da disseminação da doença e do número de vítimas. A Venezuela teve 358 mortes no total de COVID-19, uma taxa de 13 mortes por milhão de habitantes (a Argentina é a segunda mais baixa da América do Sul, com 180 mortes por milhão). Após um aumento no número de casos de Julho a meados de Agosto, a curva de novos casos parece estar se achatando, embora ainda seja muito cedo para dizer. A Venezuela conseguiu resistir à tempestade graças às suas escolhas políticas e à ajuda oportuna de Cuba, China, Rússia, União Europeia, CICV e agências da ONU.

Claro, uma ação militar contra a Venezuela dificultaria, se não destruir, sua capacidade de lidar com a pandemia, o que levaria a um aumento de infecções no Brasil, Colômbia e outras nações, se houver uma onda de refugiados de guerra. No entanto, essas preocupações parecem secundárias para os falcões venezuelanos, que veem um segundo governo Trump ou um governo Biden como menos propensos a promover uma mudança de regime do que um ataque pré-eleitoral.

De acordo com fontes que falaram com o La Política Online, o senador Marco Rubio tem aconselhado a administração Trump que uma ação militar contra a Venezuela “garantiria os votos do Colégio Eleitoral da Flórida em Novembro”. Deve-se notar que essas alegações não foram verificadas de forma independente e o senador Rubio não fez comentários sobre elas. No entanto, a política agressiva do presidente Trump na Venezuela é baseada na vitória da Flórida e muitos dos eventos detalhados acima foram colocados em movimento para dar ao presidente a opção militar que ele vem ameaçando desde Agosto de 2017. O cenário está armado para uma desastrosa surpresa em Outubro, especialmente se as chances de Trump de reeleição parecerem reduzidas.

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Leonardo Flores

Flores é um venezuelano especialista nas relações EUA - Venezuela. É formado em filosofia pela Universidade de Maryland e mantém boas relações com vários movimentos sociais venezuelanos que transformaram o país nos últimos vinte anos.

Artigos: 54

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