Educação política é educação clássica

Mateus Pereira

Atualmente vivemos, como nunca antes em nossa história política, um momento delicado no Brasil. A reforma trabalhista já é um flagelo atuante e praticamente consolidado em nossa sociedade, que cada vez mais encontra-se esmorecida, sem ação, completamente impotente diante do quadro que se configurou depois da última eleição presidencial.

No entanto, é preciso salientar que o sistema político é integrante de uma estrutura muito maior que o jogo de esquemas partidários que parece dominar a vida pública em sua totalidade. Essa informação, ao mesmo tempo preciosa e óbvia, parece ter desaparecido dos debates acadêmicos e intelectuais de nosso país. A noção de que a política e a economia são ciências totalizantes e irremediavelmente superiores no tocante à análise social são bastante fortes no pensamento brasileiro, mas não tem origem exatamente nele, tampouco é exclusividade sua. Mesmo a Europa dos pensadores e dos poetas já sofreu deste gravíssimo problema.

A confusão criada em torno do pensamento de Marx, é preciso confessar, ajudou a proliferar a ideia de que o fator econômico é a única força motriz que tem relevância suficiente para alterar os rumos da História e da Civilização. Inclusive, o filósofo alemão frequentemente se irritava com essa equivocada interpretação e chegou a declarar com ironia que se isso era marxismo então ele próprio não era um marxista. Nem mesmo ele, pai do materialismo histórico, tinha um posicionamento assim tão determinista no seu entendimento das forças econômicas.

A resposta para essa questão era bastante simples e Engels chegou a esclarecer em uma carta, em um tom assumido de culpa por ter por tanto tempo insistido neste assunto esperando que, de alguma maneira, a esquerda alemã entendesse de sua importância mas não exclusividade – o que não aconteceu –, afirmando categoricamente que nem ele e nem Marx vez alguma chegaram a afirmar qualquer coisa parecida. Na verdade, o entendimento deles é que no jogo das ações e reações sociais, diversos fatores contribuem para o movimento histórico das sociedades, com o detalhe absolutamente essencial que, em última instância, o fator econômico termina por impor-se.

Um desses fatores essenciais é a “educação clássica”, o projeto mais acertado para uma possível consolidação da luta efetiva e revolucionária do Brasil e, no entanto, o mais esquecido e desprezado. Projeto que tem estampado em seu frontispício o amor soberano ao mundo antigo e está invariavelmente banhado nesses valores, com o estudo de línguas e literaturas como a grega e a latina, e com educadores verdadeiros – aqui é preciso citar Nietzsche e seu “Crepúsculo dos ídolos” – “provados pela palavra e pelo silêncio de culturas maduras”, verdadeiros espíritos superiores, e não “professores de ginásio”, “doutores grosseiros”.

A formação do educador, sua trajetória intelectual e universitária, deve ser ela própria modificada para fins mais nobres. Atualmente, os cursos de letras e pedagogia são nada mais que guirlandas mercadológicas que não servem mais, na verdade nem mesmo são primariamente concebidos, como cursos para a formação de aristocratas do espírito. Esse conceito, dentro da cosmovisão acadêmica atual, é absurdamente ultrapassado e até mesmo reacionário, tendo em vista que não leva em consideração o desprestígio social que as minorias tem tido nas sociedades modernas, e não se pergunta que diálogo o mundo grego antigo, por exemplo, poderia ter com a realidade social atual, querendo apenas forçar Homero goela abaixo das crianças na periferia (como se isso, de qualquer forma possível, pudesse ter algum resultado indesejável).

Mas vejam só que contradição evidente! Essas mesmas minorias que sofrem com a exclusão e com a vida na periferia são os mesmos que tem acesso único e exclusivo as piores escolas e que nunca na vida, se depender de seus patrões, terão acesso aos valiosos bem culturais que formaram as civilizações ao redor do globo. Não que as elites no Brasil sejam necessariamente bem formadas, isso de forma alguma qualifica-se como verdadeiro. De fato, ela ainda consegue ser mais estúpida que as classes desfavorecidas, que ao menos tem a desculpa de que o peso da miséria absoluta esmaga qualquer princípio de vontade e mesmo capacidade de alcançar alguma formação de espírito.

A escola ideal e proposta por pensadores notáveis foge sobretudo ao “brutal adestramento” (Nietzsche) das escolas modernas e apresenta uma formação curricular diametralmente oposta ao raquitismo dos departamentos de ensino técnico cuja única finalidade é formar, quando muito, cidadãos aptos para o mercado e cada vez mais dominados pela cegueira ideológica e pela submissão política. Esse é o projeto da elite financeira mundial, formar massas gigantescas de trabalhadores embrutecidos e mal alfabetizados cujo objetivo na vida seja invariavelmente pequenas conquistas materiais e a percepção de mundo seja tragicamente limitada ao aqui e agora.

Nós, da Nova Resistência, rejeitamos esse projeto mefistofélico que, claro já está, não trará nada menos que terríveis consequências de impacto catastrófico para o futuro da nação. Reivindicamos, por outro lado, uma educação fértil em que crianças sejam instruídas na leitura dos autores fundamentais de nossa história e que a formação cultural assuma papel de protagonista dentro do ambiente escolar. Só assim acreditamos em uma mudança radical, necessária e quem sabe até revolucionária na construção de uma mentalidade nacional sadia, bastante diferente da que temos hoje, em que crianças desde de cedo vem sendo expostas aos dejetos “culturais” de nossa época, com o casamento poligâmico entre o YouTube, o tédio burguês, a burrice generalizada e a falta do que fazer.

Rejeitada pela esquerda, sobretudo pelos pós-colonialistas, por um suposto elemento de reacionarismo e, até de maneira escancaradamente delirante, como “fascismo” (sic), algo que concordamos ser de uma incalculável estupidez, esse retorno só poderia ser benéfico e possível quando a compreensão, entre os intelectuais notáveis e responsáveis por essas mudanças, de que o fator CULTURAL tem tanta relevância para a organização social quanto o fator POLÍTICO E ECONÔMICO for finalmente compreendido.

A revolução só é possível em uma sociedade onde a educação é libertadora e revolucionária! E uma educação só é revolucionária quando ela preza por conservar a sabedoria infinita dos ouvidos treinados, dos olhos atentos, do intelecto sadio e perspicaz, que só podem ser formados à luz das mentes mais avançadas de cada época, da antiguidade aos dias de hoje, encontradas única e exclusivamente nas páginas dos clássicos de todos os tempos.

Patriotas, revolucionários e estadistas como um José Marti, um Simon Bolívar, um Ho Chi Minh, um Napoleão, um Alexandre ou mesmo um Lênin e tantos outros que, goste-se ou não, lutaram pela libertação de suas pátrias, foram reais e possíveis também graças as suas respectivas formações intelectuais, lendo e dialogando com os clássicos do Ocidente hegemônico e de suas próprias tradições locais, domesticados na linguagem severa dos autores mais importantes do passado, transformando o terreno de suas mentes em arena de duelo e debates das melhores e mais modernas ideias que, no fim das contas, acabaram por transformar o mundo.

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Mateus Pereira

Formado em letras, é membro da NR-DF e da Dissidência Política do DF.

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