Bolsonaro representa o escárnio com que a população brasileira trata o sistema político. É um Macaco Tião, atirando a própria merda nos espectadores e levando a garotada ao riso geral.
Como vamos escrever sobre os anos Bolsonaro: com aquele derrotismo pessimista dos progressistas, que pensam que devem, do alto de todo seu “Iluminismo”, rechaçar o povo que reduziu os valores e dogmas liberais ao pó na sacrossanta urna?
Prefiro abordar a questão com uma ideia poderosa, como A subversão pelo riso, título usado por Rachel Soihet em importante obra sobre o Carnaval. Só assim se explica o resultado dessa nova pesquisa do DATAFOLHA. Reparem bem!
79% dos entrevistados disseram concordar com punição para quem quebrar a quarentena. As sanções citadas são, principalmente, advertências verbais e multas, mas houve quem lembrasse da prisão. Está aberto o caminho para um verdadeiro lockdown, necessário já a partir do fim da próxima semana.
O interessante, no entanto, é notar que cerca de um terço desse mesmo eleitorado aprova a maneira como Jair Bozó se comporta durante a epidemia. Ora, o Presidente passa a mão nas narinas e enche de meleca as corajosas mãos que se estendem para ele; desrespeita decretos de governadores e come sonhos em padarias; prega o fim imediato do isolamento e a “abertura das lojas”; proclama que o brasileiro pode mergulhar no esgoto que não vai acontecer nada, etc.
Enfim, aparentemente há uma incompatibilidade entre as duas pesquisas. Afinal, se uma pessoa aprova punição para quem desrespeita a quarentena, não pode avaliar positivamente as ações e palavras do homem que suja a faixa.
A saída mais fácil para esse quebra-cabeças seria dizer, “ora, ninguém é um manual de coerência, contradições todos possuímos”. Concordo. Mas nesse caso, a inconsistência é flagrante demais, e em um tema que está sendo debatido exaustivamente na mídia, nas ruas, nas casas, durante as últimas quatro ou cinco semanas.
A única resposta possível é que, se deixarmos de lado a “esgotolândia”, aqueles 15% do eleitorado fanatizado e que cultua Jair Bolsonaro como o novo Messias — por diferentes razões, nem todas elas desinteressadas nem muito menos religiosas —, a maior parte dos que suportam o presidente, a ponto de tascarem um “bom” ou “ótimo” numa pesquisa sobre o desempenho do governo, o faz por causas que passam muito longe do conteúdo do discurso e do programa do atual governo.
A minha hipótese é que parte considerável dos apoiadores de Jair o veem mais ou menos como um bichinho de estimação — um comediante, um palhaço, um entretenimento. É como se Jair fosse o “Ratinho” da política, que o povo gosta de assistir para rir à vontade, mesmo sabendo que a performance toda não passa de uma grande idiotice.
Bolsonaro é uma vingança bem-humorada da população contra as instituições. Na medida em que ele sacaneia a Globo; é politicamente incorreto; desafia os dogmas dos liberais e progressistas; representa uma revanche sarcástica dos brasileiros contra essa República de mentirinha construída de cima para baixo (e à qual a maioria do povo não dá crédito nenhum).
Desconfio que a maior parte dos que aderem ao Reino caem na gargalhada com o “Didi Mocó” do campo político-partidário. Nesse aspecto, Bolsonaro é muito mais divertido do que Fernando Henrique Cardoso, com aquela pompa de intelectual da USP e com sotaque francês, ou que Dilma, símbolo da “ascensão feminina” no mundinho mesquinho da política. Dilma é a anti-piada.
Mas aí alguém pode contra-argumentar: “Tá bom, o povo brasileiro, em sua sempiterna sabedoria, está gargalhando com as situações criadas por Bolsonaro e com o constrangimento da classe bem educada com as saias justas provocadas pelo mentecapto-mor. Mas isso não é muito perigoso? Afinal, o cara é miliciano, psicopata, liberaloide, perigoso em meio a uma crise”. Sim. Só que o povão se acostumou desde sempre a andar no fio da navalha, a viver em meio a tiro, porrada e bomba, com todos os direitos pessoais, coletivos e políticos desrespeitados. É um malandro que balança, mas não cai. Tem confiança na sua sobrevivência; sabe que, quando só restarem apenas ruínas do país, ele permanecerá ainda assim de pé, nem que seja pra fazer um Carnaval.
Quando ainda existiam líderes capazes de expressar as necessidades da população, seja porque participavam de seu imaginário, ou porque assumiam o papel de comandantes liderando a massa para o Grande Delírio do retorno de São Sebastião, os brasileiros ainda se permitiam levar a política institucional mais ou menos a sério. Mas agora que é terreno de uma classe média que se imagina londrina e cujos valores são alienígenas: o escárnio se tornou a única reação possível ao que essa gente estranha e de hábitos esquisitos considera muito importante.
E Bozó representa o escárnio com que a população brasileira trata essa atual República. É um Macaco Tião, atirando a própria merda nos espectadores e levando a garotada ao riso geral, anárquico, dionisíaco, libertador.
Como Alexandre Frota disse (de modo muito preciso): “E daí? É tudo uma putaria mesmo….”.
Em Portugal também tínhamos um macaco desses, chamava-se Chico e estava no jardim zoológico do Palácio de Cristal, na Cidade do Porto.
Era a loucura, os parolos e as parolas deliciavam-se quando lá iam, chegando inclusive a haver gente que ia de propósito ao recinto só para levar com a merda do Chico que o próprio atirava.