Bolsonaro expulsa diplomatas venezuelanos e submete general a Exército americano
Não há duvidas acerca do projeto neoliberal de Jair Bolsonaro e de seu interesse em submeter completamente o Brasil ao domínio dos EUA. Porém, a velocidade com a qual a agenda do presidente e de sua cúpula avança é de surpreender qualquer analista político. No começo do mês de março, Bolsonaro resolveu reacender sua rivalidade com o governo popular venezuelano expulsando do Brasil todos os diplomatas de Caracas e exigindo atitude recíproca de Nicolás Maduro, justamente no momento em que a crise entre os dois países parecia mais estável. O ato de Bolsonaro constitui verdadeira agressão na ciência das relações internacionais. O rompimento da diplomacia é uma atitude extrema, que não é tomada a qualquer simples sinal de desavença entre dois países, mas quando o diálogo entre as nações se torna impossível por uma via racional e pacífica.
O interesse de Bolsonaro em criar tensões internacionais desnecessárias provém de uma série de fatores. Antes de tudo, o governo brasileiro possui um projeto claro de alinhamento total com os EUA, conforme restou claro em uma recente publicação do Ministério da Defesa. Com esse objetivo, recentemente, o governo e o alto generalato realizaram o maior ato de aproximação com Washington já registrado na história brasileira: um general do Exército Brasileiro foi submetido ao comando direto do Exército Americano. O general de brigada Alcides Valeriano passa a partir deste mês de março a integrar o Comando Sul dos EUA no cargo de subcomandante. Este comando é o responsável pela presença militar americana nos territórios da América do Sul, América Central e Caribe, o que deixa clara a intenção do governo brasileiro em fazer do país um monitor regional dos interesses americanos.
Em agosto do ano passado, Donald Trump nomeou o Brasil como “aliado prioritário extra-OTAN”. A nomeação foi recebida simultaneamente com alegria e decepção pelo governo Bolsonaro. A possibilidade de incluir o Brasil na OTAN era – e continua sendo – uma grande pauta da agenda de Bolsonaro e sua cúpula. Certamente, Bolsonaro esperava com entusiasmo que suas políticas de alinhamento total fossem resultar em uma aproximação recíproca de Washington, o que, contudo, não parece ocorrer. Trump não se facilitou as pretensões internacionais brasileiros de ingresso na aliança militar do Ocidente e promoveu o Brasil ao papel de “alinhado extra-OTAN”, o que na prática significa que o valor do Brasil para os EUA está abaixo de qualquer membro da OTAN. Outro sinal da completa ausência de reciprocidade nas relações entre Brasil e EUA foi a decisão do governo brasileiro de banir a exigência de visto para a entrado de cidadãos americanos em seu território. Trump não apenas não retribuiu a “gentileza” brasileira como também iniciou uma deportação em massa de brasileiros ilegais nos EUA, que resultou na devolução de mais de 450 imigrantes ilegais brasileiros nos últimos meses. Os imigrantes relatam cenas de tortura e sofrimento extremo durante a prisão e a deportação, algo bem diferente do tratamento recebido por americanos quando em território brasileiro – ainda que em situação irregular.
Bolsonaro, contudo, se alegra nas migalhas de seu ídolo americano e em nenhum momento renunciou nas políticas de alinhamento. Contente com o papel secundário que lhe fora designado por Donald Trump, o governo brasileiro resolveu tomar atitudes de pivô regional da presença militar americana na América Latina. No último final de semana, Bolsonaro e Trump se reuniram pela quarta vez em pouco mais de um ano. São palavras do presidente brasileiro: “Estou muito feliz de estar aqui. É uma honra para mim e para meu país. Eu tenho certeza que num futuro próximo é muito bom contar com um bom relacionamento de direita”. Trump também elogiou as políticas de seu parceiro afirmando que “os EUA amam Bolsonaro”.
A confiança de Bolsonaro em sua parceria com Trump soa não apenas irresponsável, mas até doentia. A crença inabalável na supremacia militar regional brasileira o faz projetar o país como uma potência regional alinhada, sem pretensões de alcançar maior status internacional. Porém, é a imprudência geopolítica que realmente impressiona em todos estes dados. A Venezuela já recebeu apoio internacional direto da Rússia e da China, constituindo cooperação sólida com estes países. Isso não parece importar para Bolsonaro e sua cúpula de “especialistas” e “analistas”, que enxergam a aberta contraposição à Caracas como a única via de solução para a tensão regional, em vez da diplomacia amigável entre países vizinhos.
Da parte de especialistas de fora da cúpula do governo, as ações do presidente são criticadas a todo tempo. Para Ariane Roder, analista política brasileira, “(…) o Brasil está adotando posturas de alinhamento automático com os Estados Unidos a despeito de cálculos estratégicos e pragmáticos de como essa aliança pode trazer impactos negativos em relações comerciais, o efeito na imagem que o país tem no âmbito internacional e que construiu diplomaticamente. Acho que esses são os maiores danos diplomáticos que a gente para reverter isso vai demorar décadas”. No mesmo sentido, Flávio Rocha Melo, especialista em geopolítica, questiona sobre a submissão de um general brasileiro ao comando dos EUA: “O general, fazendo parte dessa cadeia de comando, vai tomar que decisões? Ele vai se submeter a que decisões dentro da cadeia de comando dos Estados Unidos? Existe um plano A, plano B ou plano C para isso? Todas essas decisões são do nosso interesse?”
O pragmatismo e o realismo, porém, não guiam a atual política externa brasileira. Os custos dessa política de alinhamento profunda e automático chegarão em breve e, em verdade, já começaram a dar sinais de sua dimensão: nesta segunda-feira, as Forças Armadas da Venezuela realizaram uma nova etapa de um grande teste militar intitulado “Escudo Bolivariano 2020”, consistindo em exercícios-surpresa, sem qualquer aviso prévio, que deixam claro o estado de alerta da Defesa venezuelana, à qual Bolsonaro, sua arrogância, se crê tão superior contando com um suposto apoio militar americano em eventual conflito – apoio este que em nenhum momento é confirmado por Trump.