Analistas geopolíticos contra-hegemônicos de diversos países têm interpretado os recentes protestos mexicanos como um caso de revolução colorida. Mas será que é assim mesmo?
Como todos sabemos, o México tem visto ao longo da última semana ondas de protestos em larga escala contra o governo de Claudia Sheinbaum. Os protestos foram enquadrados por analistas na lógica dos protestos da “Geração Z” – agitações populares em que grande parte dos manifestantes são jovens supostamente indignados pela falta de perspectivas sociopolíticas e pela monopolização do poder por elites vistas como corruptas.
Protestos categorizados dessa maneira foram vistos no Bangladesh, Nepal, Filipinas, Indonésia, Marrocos, Madagascar e em alguns outros lugares, até finalmente chegarem no México. Apesar dessa dimensão geral, porém, cada um desses protestos é suficientemente único para ser analisado em separado. Há, por exemplo, menos em comum entre eles do que entre os protestos da Primavera Árabe em diferentes países.
Nesse contexto, porém, tem sido comum se referir às manifestações mexicanas como uma “revolução colorida” – tal como esses outros protestos são lidos. Em um outro texto eu já critiquei a vulgarização do conceito de revolução colorida, apontando os requisitos necessários para categorizar uma manifestação como revolução colorida e apontando que, entre as ondas recentes de protestos, o caso do Bangladesh é certamente um de revolução colorida, enquanto a maioria dos outros, aparentemente, não.
Na contramão, portanto, de respeitabilíssimos analistas geopolíticos e jornalistas contra-hegemônicos de vários países, ouso seguir essa mesma linha de raciocínio para apontar que o caso dos protestos mexicanos não é (ainda) um de revolução colorida.
Assim, então, vou indicar o porquê considero que não há (ainda) revolução colorida no México, para depois dizer do que se trata.
Em primeiro lugar, não há necessidade de qualquer revolução colorida no México, por agora. O governo da Claudia Sheinbaum não é um governo contra-hegemônico, seja em questões externas, seja em questões internas. Sheinbaum é uma discípula de Davos, muito bem conectada com o complexo industrial sem fins lucrativos e com o aparato ocidental de fomento das revoluções coloridas, como a Open Society. Apesar de, em muitas pautas, conduzir uma política continuísta em relação a Lopez Obrador, ela simultaneamente rompeu com o próprio Lopez Obrador de modo que seria possível, hoje, dizer que ela lidera uma facção mundialista do MORENA. Essa facção mundialista já está suficientemente bem entendida com os EUA e mesmo com o governo Trump. As economias do México e dos EUA meridionais estão totalmente integradas e o México não vai nem entrar nos BRICS, nem na Iniciativa Cinturão & Rota. Revolução colorida para quê?
Em segundo lugar, não há evidência de envolvimento direto dos fomentadores usuais de revoluções coloridas a partir dos EUA. Não há qualquer movimentação da Open Society, da Fundação Ford, etc., contra Sheinbaum. Ainda não apareceu nenhuma vinculação objetiva entre o Departamento de Estado dos EUA, a USAID ou a Embaixada dos EUA no México e essas manifestações. Até agora só foi possível apontar conexões indiretas entre algumas figuras políticas tradicionais da oposição mexicana que estão apoiando essas manifestações e determinados interesses internacionais. Mas nada específico sobre essas manifestações. As potências atlantistas, portanto, não possuem o domínio do fato no que concerne as manifestações.
Em terceiro lugar, estão ausentes outros aspectos importantes, como porta-vozes e lideranças repentinas tacitamente apontadas pela própria mídia de massa e pelos fomentadores externos como os legítimos representantes das manifestações. Também não encontramos ali o “casus belli” no que concerne o interesse atlantista, já que o México não está às vésperas de qualquer acordo ou decisão que seria desfavorável a esses interesses.
Não existem, portanto, os requisitos mínimos para que possamos considerar essas agitações uma revolução colorida. Mas isso não impede que elas sejam transformadas numa revolução colorida através de um processo de cooptação e captura.
Mas, não sendo uma revolução colorida, do que se trata?
Em primeiro lugar, é notório o deslize do México num Narco-Estado, um processo que já vem de décadas e que contou com a própria participação da CIA e da DEA, já que o ciclo econômico do narco foi integrado nos projetos de blackops dos serviços de inteligência e segurança dos EUA, tanto como uma ferramenta de lavagem de dinheiro e de financiamento secreto de atividades paramilitares ao redor do mundo, como para fins envolvendo os próprios EUA e que se aproximam da engenharia social. Sem ser possível um tratamento exaustivo do tema aqui, o que é relevante é apontar que, hoje, as organizações narcotraficantes possuem tanto poder que rivalizam com o Estado. Elas possuem, inclusive, influência nas forças militares e policiais, na política local, nas atividades econômicas legítimas, e assim por diante. Em anos recentes, porém, começaram a aparecer políticos locais, tanto ligados aos partidos tradicionais, quanto ligados ao MORENA e até mesmo independentes, que tentam assumir a responsabilidade de enfrentar essas organizações narcotraficantes e limpar o poder público mexicano. O problema é que muitas dessas novas lideranças estão sendo assassinadas, como foi o caso do prefeito de Michoacán, Carlos Manzo, ex-político do MORENA. Manzo chegou a pedir ajuda do governo federal para que enviasse a Guarda Nacional para Michoacán para ajudar a enfrentar os grupos criminosos locais, mas Sheinbaum recusou. Sheinbaum não apenas recusou, como declarou publicamente que não tinha a menor intenção de enfrentar as organizações narcotraficantes. Evidentemente, o povo mexicano está ficando cansado tanto dessa submissão das instituições ao narco quanto da leniência federal em relação a isso.
Em segundo lugar, essas manifestações não ocorrem num vácuo e têm seus precedentes. Elas vêm no esteio de 3 anos de manifestações secretamente orquestradas pelas velhas oligarquias mexicanas encasteladas no PRI (Partido Revolucionário Institucional) e no PAN (Partido Ação Nacional), os quais haviam monopolizado a vida pública mexicana por décadas até que foram deslocados pelo MORENA de López Obrador. Essas oligarquias articularam os protestos contra alterações no Instituto Nacional Eleitoral e vêm tentando mobilizar a população ao longo de todo esse período. Essas forças que envolvem figuras como o ex-presidente Vicente Fox e o megaempresário Ricardo Salinas têm recorrido a todas as ferramentas para lançar o México no caos social, fomentando iniciativas jornalísticas fajutas como o Latinus e financiando bots propagandísticos para inflar a insatisfação com Sheinbaum que, de fato, segue uma presidente popular.
Somando ambas coisas, portanto, temos o fato de que as oligarquias nacionais estão tentando instrumentalizar a insatisfação legítima da juventude mexicana para tentar forçar uma mudança de regime com o objetivo de se colocar na posição de preencher qualquer vácuo de poder que possa ser gerado. Naturalmente, por enquanto parece improvável que essas oligarquias alcancem seus objetivos, mas o processo pode acabar se tornando uma revolução colorida caso adquira apoio internacional.








