Eleições Legislativas Argentinas: Vitória Pírrica de Milei?

Muitas pessoas se surpreenderam com os resultados favoráveis alcançados por Milei nas eleições legislativas argentinas, que visavam a renovação de metade da Câmara dos Deputados e 1/3 do Senado.

A coalizão La Libertad Avanza, liderada por Javier Milei, conquistou pouco mais de 9.3 milhões de votos (ou 40%), enquanto seu principal rival, a coalizão Fuerza Patria, liderada por Cristina Kirchner, conquistou 7.7 milhões de votos (ou 34%).

O resultado é comparado com o resultado das eleições legislativas de 2023, quando a coalizão La Libertad Avanza alcançou 6.8 milhões de votos (ou 28%) e a coalizão kirchnerista Unión por la Patria alcançou 9.2 milhões de votos (ou 38%).

Essa comparação serve como base para ler o panorama político argentino como sendo um no qual o povo argentino segue confiando em Milei e apostando em “duras reformas”. Usa-se esses resultados, ademais, para criticar as análises que apontam para os erros e perda de popularidade de Milei.

Mas há muita superficialidade e pressa aí.

Em primeiro lugar, há uma grande diferença entre as eleições de 2023 e as de 2025, que é a consolidação de praticamente todas as forças “de direita” na coalizão La Libertad Avanza. Em 2023, Mauricio Macri liderou a coalizão Juntos por el Cambio, alcançando 6.4 milhões de votos (ou 26%). Em 2025, as forças lideradas por Macri se alinharam na coalizão La Libertad Avanza, unindo suas forças a Milei.

Deixou de haver uma “terceira força” política argentina representada por uma centro-direita liberal, com a política argentina se consolidando em apenas 2 grandes campos.

A consideração desse fator já abala a narrativa triunfalista, porque se somarmos os votos do campo macrista com os votos do campo mileista, então era para a coalizão de Milei ter ultrapassado os 13 milhões de votos.

A direita, portanto, perdeu 4 milhões de apoiadores de 2023 para 2025. Mas esses apoiadores perdidos não passaram a apoiar o kirchnerismo, já que a esquerda também perdeu apoiadores, mas “apenas” 1.5 milhão deles neste mesmo período. A demografia eleitoral basilar ajuda a explicar parte do fenômeno: em 2023, 24.5 milhões de argentinos deram votos válidos nas urnas, enquanto em 2025 foram 22.9 milhões

Outro fator é o fortalecimento do federalismo, com governadores provinciais montando a coalizão Provincias Unidas e absorvendo 1.5 milhão de votos. O resto dos votos “perdidos” se fragmentou entre as inúmeras outras microcoalizões (Innovación Federal, Frente de Izquierda y de Trabajadores – Unidad, Nuevos Aires, etc.).

Nesse sentido, o que o resultado dessas eleições indica é uma decepção do povo argentino em relação à política tradicional. O povo está se cansando de Milei, mas não quer votar na Kirchner. Os argentinos, portanto, aguardam uma nova alternativa política – mas não há nada no horizonte. Enquanto aguardam, a tendência é uma queda gradual na participação popular, bem como aumento no apoio a micropartidos localistas ou radicais.

Para Milei, trata-se de uma vitória pírrica.

Primeiro, porque não serviu para alcançar maioria parlamentar, de modo que o Legislativo seguirá fraturado e contra Milei.

Segundo, porque foi uma vitória alcançada através do poder alheio, a ajuda financeira dos EUA com 40 bilhões de dólares para manter a cabeça da Argentina acima da água. Sem esse dinheiro, o peso argentino estaria em queda livre em pleno período eleitoral.

Essa mesma ajuda financeira, porém, é fruto de um arranjo entre o oligarca Robert Citrone e o secretário do Tesouro dos EUA Scott Bessent. Citrone apostou boa parte de seus fundos na Argentina no início do mandato de Milei, mas ele e outros investidores não viram resultados bons o bastante.

Esse dinheiro que está entrando tem como finalidade simplesmente estabilizar a moeda argentina por tempo o suficiente para que Citrone e outros investidores pulem fora do país, limitando suas perdas.

Depois do efeito dessa injeção de dinheiro passar, vamos continuar vendo a Argentina afundar.

Por exemplo, segundo os dados liberados pelo Banco Central da Argentina semana passada, a inadimplência das famílias argentinas alcançou seu maior patamar desde 2010 (que foi quando começou a série estatística), e as taxas de juros em empréstimos pessoais chegou a 74%.

Para as empresas a situação é ainda pior. O custo de financiamento de adiantamentos em conta-corrente (comumente usados para pagar salários) é de 190% ao ano, maior nível na história argentina desde o início da publicação da estatística em 2009.

Em outras palavras, Milei ganhou apenas sobrevida. E essa sobrevida foi concedida por terceiros, e nem mesmo por causa de Milei, mas para garantir financeiramente os investidores estrangeiros que apostaram alto no sucesso argentino.

Raphael Machado
Raphael Machado

Advogado, ativista, tradutor, membro fundador e presidente da Nova Resistência. Um dos principais divulgadores do pensamento e obra de Alexander Dugin e de temas relacionados a Quarta Teoria Política no Brasil.

Artigos: 54

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