O analista hondurenho Alberto Erazo traça os paralelos entre a situação do Sahel africano antes dos levantes soberanistas e a situação atual da América Central, revelando lições cujo valor pode ser estendido não apenas à região centro-americana, mas potencialmente a todo o nosso continente.
A América Central não está estagnada: ela dorme placidamente em seu próprio pântano. Enquanto seguimos presos em debates estéreis — se Bukele é um gênio ou um ditador, se tal presidente é de “esquerda autêntica” ou apenas mais um populista, se a reeleição é legítima ou um atentado à democracia — o mundo avança. E não me refiro apenas ao “desenvolvido”. Na África Ocidental, três países empobrecidos, sancionados e assolados pela violência fizeram o que aqui seria considerado quase terrorismo político: uniram-se de verdade. Não em comitês técnicos ou fóruns patrocinados pela cooperação internacional. Uniram-se por necessidade e, em dois anos, construíram o que a América Central não conseguiu em dois séculos.
Mas claro, quem liga para a África nesta região onde o latino-americano médio — e o centro-americano em particular — pode recitar a escalação das bandas de K-pop, opinar com desenvoltura sobre democratas e republicanos como se votasse em Washington, e garantir que “em Paris se vive diferente” após três semanas de tour com Airbnb? Sabemos qual série faz sucesso na Coreia, qual app o Vale do Silício lançou esta semana e qual influenciadora berlinense oferece “conteúdo de valor”, mas o que sabemos sobre o continente com maior crescimento demográfico e projeção geoestratégica do planeta? Nada. Zero. A África não existe para nós, exceto como pano de fundo exótico em campanhas de ONGs ou documentários da Netflix.
Enquanto aqui seguimos discutindo se a independência foi em 1821 ou 1823, se tal prócer era conservador ou liberal, se o SICA funciona ou não funciona, esses três países devastados acabaram de fazer história. Com governos militares, sob sanções, assediados por insurgências, sem saída estável para o mar e com economias colapsadas, formaram uma confederação política real. E o fizeram em menos de dois anos. Sim, em menos de dois anos. Enquanto nós levamos mais de um século falando de “uma pátria grande” e ainda não conseguimos nem nos acertar para coordenar uma reunião entre presidentes.
O resultado: a Comunidade de Estados do Sahel (CES), uma aliança que, embora nascida em meio à instabilidade e ao fogo cruzado, ousou fazer o que na América Central seria impensável antes que vinte tecnocratas, quinze câmaras empresariais e um embaixador gringo se levantassem: nacionalizar, federalizar e declarar independência monetária. E tudo isso enquanto nós seguimos brigando pela Secretaria do SICA e por quem tem mais vistos negados na embaixada americana.
É profundamente revelador e deveria ser motivo de autocrítica regional que três países do Sahel, dirigidos por juntas militares surgidas de golpes de Estado, consigam em menos de dois anos o que a América Central não conseguiu em mais de três décadas: avançar em direção a uma verdadeira integração. Enquanto o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA) continua preso em seu pântano institucional, repetindo os mesmos discursos desde 1991 como um disco riscado, Mali, Burkina Faso e Níger decidiram que, se o mundo lhes dá as costas, ao menos entre eles caminharão de frente.
Enquanto isso, nós, na América Central, continuamos sendo a região mais fragmentada, mais intervencionada e mais colonizada mentalmente do continente americano. União econômica? Mal sobrevivemos ao CAFTA. União política? O SICA é um clube diplomático decorativo onde ninguém leva a sério nem os comunicados. Moeda comum? Integração fiscal? Nem em sonhos.
Enquanto o Sahel diz “basta” e constrói poder, nós continuamos agindo como o que somos: o quintal mais disciplinado e submisso do hemisfério ocidental.
Semelhanças que deveriam nos incomodar
Porque o mais revelador não é que o Sahel tenha se unido, mas que o tenha feito apesar de ter os mesmos ou piores problemas que nós:
- Intervenções estrangeiras: eles por parte da França e dos EUA; nós, por parte dos EUA e de empresas transnacionais há mais de um século.
- Economias frágeis: eles dependem do urânio, algodão e da ajuda internacional; nós de remessas, maquiladoras e monoculturas.
- Instabilidade política: eles tiveram golpes de Estado militares; nós temos democracias que mal se sustentam com escândalos, fraudes e pactos com máfias.
- Crises sociais: eles sofrem com terrorismo e deslocamento interno; nós migramos em caravanas, atravessamos desertos e entregamos crianças ao crime organizado.
- Mas eles, com tudo isso, ousaram fazer algo impensável: unir-se para sobreviver. Nós, com condições muito mais estáveis, seguimos competindo para ver quem agrada mais o embaixador gringo da vez.
Lições para a América Central
Na América Central, costumamos olhar para a África com uma mistura de pena, distância e arrogância. Vemos um continente distante, marcado por guerras, pobreza e crises, mas raramente como um espelho no qual poderíamos — e deveríamos — nos reconhecer. Essa ignorância confortável é um luxo imperialista que já não podemos mais nos dar. Especialmente quando o Sahel, uma das regiões mais castigadas do mundo, começou a mostrar sinais de algo que em nossa região escasseia: vontade política real.
A Comunidade de Estados do Sahel (CES) nasceu em 6 de julho de 2024, mas sua gestação começou em setembro de 2023, quando Mali, Burkina Faso e Níger assinaram o tratado de Liptako-Gourma. Sua lógica foi brutalmente honesta: “Se nos vão sancionar por nos rebelarmos, ao menos tiremos proveito da rebelião.” E isso fizeram. Em apenas um ano, demonstraram que a integração regional não precisa de aplausos de Bruxelas nem de fundos da USAID. O que precisa é coragem, visão e, ao que parece, uma boa dose de indignação.
Entre seus feitos:
- Crescimento do PIB em ritmos impressionantes (Níger perto de 10%, Burkina Faso em torno de 5,5%), enquanto o BCIE na América Central celebra “crescimentos resilientes” que mal superam o estagnação.
- Criação de um Banco Confederado com 500 bilhões de FCFA, sem intervenção do BIS ou aprovação da OCDE.
- Força militar conjunta de 5.000 efetivos pronta para enfrentar ameaças sem esperar pelos capacetes azuis da ONU.
- Nacionalização de recursos minerais sem pedir permissão, sem fóruns intermináveis ou consultas supervisionadas por ONGs europeias.
Tudo isso sob regimes militares que, do ponto de vista liberal, seriam pouco apresentáveis. Mas, paradoxalmente, conseguiram mais integração prática do que todos os fóruns de presidentes centro-americanos nas últimas duas décadas.
América Central: a região que se recusa a aprender
Vontade política real versus palavreado democrático: enquanto no Sahel se age, aqui se fala. Basta que alguém mencione uma moeda comum para que se desencadeie uma tempestade midiática sobre “ameaças ao livre mercado” e “perda de soberania”.
Objetivos tangíveis versus aspirações abstratas: a CES constrói bancos e exércitos; o SICA organiza simpósios sobre “governança climática” sem um único plano regional para enfrentar os furacões que devastam a região todo ano.
Soberania sobre recursos versus entrega permanente: enquanto os países do Sahel recuperam o controle sobre suas minas, a América Central continua entregando terras, águas e até sua voz aos Estados Unidos, Canadá e UE.
Instituições úteis versus elefantes brancos: o Banco da CES tem fundos reais e missão clara. O Parlacen não consegue nem assistência completa de seus membros e, quando se reúne, apenas troca discursos vazios que poderiam ser enviados por correio.
A diplomacia Sul-Sul não é luxo, é urgência. A América Central tem mais em comum com o Sahel do que com a Europa, mas se recusa a enxergar. Nos envergonha nos reconhecer no outro; preferimos continuar sendo o “quintal” de alguém antes que construir alianças entre semelhantes.
E aqui entra o mais triste: a absoluta indiferença em relação à África.
Em toda a América Central não há uma única embaixada africana. As gestões diplomáticas são feitas a partir de terceiros países. Não existem vínculos econômicos relevantes, nem programas acadêmicos significativos, nem missões culturais permanentes. É como se a África não existisse para nossa região, exceto como cenário de desgraças.
E sabe de uma coisa? Essa cegueira nos custa caro. A África, com o maior crescimento demográfico do planeta, está prestes a se tornar o coração do mundo em apenas duas décadas. Enquanto isso, eles constroem blocos regionais, redefinem alianças e se posicionam estrategicamente para o que vem. Nós, por outro lado, permanecemos presos a uma miopia geopolítica crônica, agarrados a uma visão provinciana e dependente, inclinados diante de um Ocidente que não se importa conosco, exceto como porta-aviões alugado ou peão de tabuleiro.
Se o Sahel pode, nós não temos desculpa
A América Central está moralmente obrigada a observar com humildade o que aconteceu na África Ocidental. Enquanto repetimos discursos vazios sobre integração e desenvolvimento, a África está levantando sua voz e construindo alianças reais, a partir do chão, com dignidade e decisão. O que aconteceu no Sahel não é milagre: é um sinal. Um aviso. Um tapa na cara.
A Comunidade de Estados do Sahel (CES) demonstrou que mesmo em contextos de crise, com governos questionáveis e realidades complexas, a integração é possível se houver vontade política, clareza de objetivos e uma pitada de coragem. Enquanto isso, a América Central, com todos os seus presidentes democraticamente eleitos, continua presa em seu labirinto de papéis, protocolos e palavreado diplomático.
E se não entendermos essa lição agora, em dez anos estaremos iguais ou piores: sozinhos, fragmentados, com nossas elites mendigando TLCs e nossos povos fugindo em massa.
Talvez o único fator que nos falte seja o que o Sahel teve: raiva, dignidade e decisão.
Fonte: IndoHispano.ca / Centro de Estudos Metapolíticos Centro-Americanos