Alexander Dugin argumenta que o Pós-modernismo realiza a lógica niilista da Modernidade. Inobstante, ao reivindicar seus elementos herdados — fenomenologia, mito, sagrado, antirracismo diferencialista — podemos criar uma alternativa tradicionalista para além da ordem liberal desviante.
Desconstruindo o Pós-Modernismo
Vários aspectos essenciais do Pós-Modernismo exigem esclarecimento. O Pós-Modernismo não é um fenômeno unificado. Embora tenham sido os próprios pensadores pós-modernistas (notadamente Derrida) que introduziram o conceito de “desconstrução” — ele próprio fundamentado na noção de Destruktion de Heidegger, em Ser e Tempo —, o Pós-Modernismo pode, por sua vez, ser desconstruído, e não necessariamente de maneira pós-modernista.
O Pós-Modernismo emerge dos fundamentos da Modernidade. Ele critica parcialmente a Modernidade e parcialmente a continua. À medida que o movimento se desenvolveu, suas determinações sobre o que exatamente se opõe na Modernidade e o que escolhe levar adiante tornaram-se dogmas filosóficos e imunes à crítica. Esse sistema autorreforçador é o que define o Pós-Modernismo como tal. Ele não é bom nem ruim; simplesmente é. Sem essa estrutura, o Pós-Modernismo teria se dissolvido completamente. Mas isso não ocorreu. Apesar de sua ironia, evasividade e retórica escorregadia, o discurso pós-modernista possui um núcleo claro de princípios fundamentais que nunca abandona e delineia limites que nunca transgride.
Caso alguém adote uma posição criticamente distante desse núcleo e cruze esses limites, torna-se possível examinar o Pós-Modernismo de fora e perguntar: Podemos extrair certas correntes que o Pós-Modernismo apropriou de outros lugares e recombiná-las de maneira diferente? Podemos ignorar seus limites autoimpostos e imperativos morais, desmontando o Pós-Modernismo em seus componentes sem nos preocuparmos com seus protestos teóricos?
Desmontando a Modernidade: O Que Há de Valioso no Pós-Modernismo?
Ofereçamos algumas observações gerais. Primeiro, identificaremos no Pós-Modernismo aquelas correntes que são de interesse do ponto de vista de uma crítica radical da Modernidade, despidas do enquadramento moral pós-modernista. Em seguida, listaremos aquelas características tão entrelaçadas com essa moralidade que não podem ser separadas dela.
O que atrai o crítico radical da modernidade da Europa Ocidental no Pós-Modernismo?
- Fenomenologia e a exploração da intencionalidade (Brentano, Husserl, Meinong, Ehrenfels, Fink)
- Estruturalismo e a ontologia autônoma da linguagem, do texto e do discurso (Saussure, Trubetzkoy, Jakobson, Propp, Greimas, Ricœur, Dumézil)
- Pluralismo cultural e interesse pelas sociedades arcaicas (Boas, Mauss, Lévi-Strauss)
- O reconhecimento do sagrado como um fator existencial fundamental (Durkheim, Eliade, Bataille, Caillois, Girard, Blanchot)
- Existencialismo e a filosofia do Dasein (Heidegger e seus seguidores)
- Aceitação da topologia psicanalítica como contínuo “trabalho do sonho” que mina a racionalidade (Freud, Jung, Lacan)
- Desconstrução como contextualização (Heidegger)
- Ênfase na narrativa como mito (Bachelard, Durand)
- Crítica do racismo, etnocentrismo e supremacismo ocidentais (Gramsci, Boas — Personalidade e Cultura, Nova Antropologia)
- Crítica da visão de mundo científica (Newton) e sua base racionalista cartesiana-lockeana (Foucault, Feyerabend, Latour)
- Exposição da fragilidade, arbitrariedade e falsidade das premissas centrais da Modernidade (Cioran, Blaga, Latour)
- Pessimismo em relação à civilização ocidental e desmistificação dos mitos utópicos de “progresso” e “futuro brilhante” (Spengler, os Jüngers, Cioran)
- Sociologia funcionalista (Durkheim, Mauss), demonstrando a ilusão da liberdade individual perante a sociedade
- Desmascaramento do niilismo da Modernidade (Nietzsche, Heidegger)
- A relativização do sujeito humano (Nietzsche, Jünger)
- Descoberta da interioridade e do mundo interno no homem (Mounier, Corbin, Bataille, Jambet)
- Teologia política (Carl Schmitt, Giorgio Agamben)
Progressismo e Censura do Pós-Modernismo
Todas essas correntes intelectuais emergiram antes do Pós-Modernismo e existiam independentemente dele. Cada uma contribuiu com algo essencial para o Pós-Modernismo e, com o tempo, passou a se desenvolver em seu contexto, fundindo-se em graus variados. Ainda assim, todas as abordagens, suas interseções e pontos de diálogo, reais ou imaginados, permanecem viáveis totalmente fora do paradigma pós-modernista.
Os pensadores pós-modernistas objetarão. Para eles, qualquer interpretação não pós-modernista desses movimentos já foi preventivamente invalidada pelo Pós-Modernismo. Fora do quadro pós-moderno, essas tradições são vistas como meramente arqueológicas.
O Pós-Modernismo insiste que essas disciplinas e escolas tornaram-se meros objetos dentro do sujeito pós-moderno, que agora detém controle interpretativo absoluto. Todas essas linhas de pensamento são consideradas superadas, suprassumidas no sentido hegeliano e, assim, despojadas de direitos interpretativos soberanos. Elas só são permitidas dentro do Pós-Modernismo, de acordo com suas regras. Consideradas por si mesmas, não estão simplesmente desatualizadas, mas tornam-se tóxicas quando separadas do contexto pós-moderno.
No entanto, todas essas direções surgiram na virada do século XX e representam uma guinada sistêmica dentro da própria Modernidade. Nessas correntes, a Modernidade confronta sua crise mais profunda, sua incoerência e seu fim inevitável. Importante notar que esse confronto ocorreu antes que o Pós-Modernismo assumisse suas características definitivas. Essas tradições nutriram o Pós-Modernismo, moldando seu clima intelectual, sua linguagem e seu aparato conceitual. No entanto, dentro da Modernidade, elas existiam em um contexto diferente, policiadas pelos “guardiões da ortodoxia” a quem o Pós-Modernismo originalmente buscava desafiar. Assim como a Modernidade derrubou o pré-moderno sob a bandeira do antidogmatismo, mas logo ergueu seus próprios dogmas, e assim como os regimes comunistas tomaram o poder opondo-se à opressão apenas para estabelecer ainda mais violência e controle, também o Pós-Modernismo rapidamente assumiu um caráter exclusivista e tirânico.
O paradoxo é este: o Pós-Modernismo eleva o relativismo ao status de valor universal e depois defende essa “conquista” através das medidas globalistas mais duras e absolutistas. A transgressão transforma-se de possibilidade em imperativo. O patológico torna-se normativo. Tudo o que precede esta nova ordem está sujeito a uma exclusão implacável.
Um olhar atento sobre as tradições mencionadas revela que, embora muitas se enquadrem na Modernidade, elas também destacam suas deficiências. Outras vão além, retratando a Modernidade como um fenômeno inerentemente sombrio, distorcido, niilista e errôneo.
O Que Deve Ser Rejeitado no Pós-Modernismo?
Identifiquemos agora as características do Pós-Modernismo provavelmente responsáveis por sua guinada totalitária:
- Progressismo, agora paradoxal: “progresso” significa o desmantelamento da crença na utopia e no futuro. Isso poderia ser chamado de “progressismo negro” ou “Iluminismo Negro” (Nick Land)
- Materialismo, redefinido como o ápice da doutrina pós-modernista, superando materialismos mais antigos e “idealistas”. Um novo materialismo do “real” precisa ser justificado (Deleuze, Kristeva)
- Relativismo, no qual todos os universais, taxonomias e hierarquias são rejeitados, mesmo que o próprio relativismo se torne dogma (Lyotard, Negri & Hardt)
- Pós-estruturalismo, que busca superar as limitações do estruturalismo, especialmente sua incapacidade de acomodar o dinamismo histórico e social (Foucault, Deleuze, Barthes)
- Crítica radical da Tradição, vista (especialmente por Hobsbawm) como uma ficção burguesa, um narcótico para o povo. Isso apaga qualquer ontologia soberana do espírito.
- Novo universalismo, definido pela decomposição irônica e desconfiança de todas as reivindicações unificadoras, deslocando o foco para fragmentos ônticos e heterogeneidade
- A moral da libertação total, que celebra a transgressão sem limites (Foucault, Deleuze, Guattari, Bataille)
- Anti-essencialismo, uma inferência distorcida do Dasein de Heidegger: a essência é totalmente rejeitada; o ser torna-se puro devir
- Abolição da identidade, pois a identidade torna-se transitória, performativa e moralmente suspeita. Apenas sua superação é virtuosa.
- Teoria de gênero, que impõe a relativização radical do gênero, idade e identidade/espécie (Kristeva, Haraway)
- Psicanálise pós-moderna, que busca desmontar os mapas estruturais de Freud e Lacan (Guattari)
- Ódio à hierarquia, rejeitando a ordem vertical em favor de esquizo-massas e “parlamentos de órgãos” (Latour)
- Niilismo, não mais um diagnóstico, mas uma celebração do Nada — uma vontade em direção ao Nada (Deleuze)
- Abolição do Evento, substituído pela reciclagem (Baudrillard)
- Pós-humanismo, superando o humano por ser muito tradicional, defendendo híbridos, ciborgues e quimeras (B.-H. Lévy, Haraway)
- Apologia das minorias, equiparando culturas arcaicas orgânicas com subculturas artificiais e mecânicas; promovendo comunidades em rede de pervertidos e doentes mentais.
O Pós-Modernismo como Realização Niilista da Modernidade
Em uma análise mais aprofundada das características mencionadas, torna-se claro que o Pós-Modernismo não apenas herda da Modernidade, mas completa a trajetória moral da era moderna, levando-a à sua conclusão lógica. Esta lista de características pós-modernas já não reflete uma relação conflituosa com a Modernidade, como na lista anterior, mas sim uma crítica a partir da Esquerda: um lamento pela Modernidade não ter conseguido realizar plenamente seus próprios princípios. O Pós-Modernismo agora se oferece para terminar essa tarefa. Nesse sentido, o Pós-Modernismo revela-se como a consumação da Modernidade, a realização do seu telos. No entanto, enquanto a Modernidade tentou seu projeto emancipatório contra o pano de fundo da sociedade tradicional (o pré-moderno), o Pós-Modernismo começa tentando superar a própria Modernidade. Daí o caráter totalitário e bolchevique das epistemologias pós-modernistas, que abraçam o terror revolucionário como uma necessidade teórica. A Modernidade deve ser abolida precisamente porque foi insuficientemente moderna, porque falhou em sua missão. Toda a lógica replica a do Marxismo: assim como a burguesia foi uma classe progressista em relação ao feudalismo, mas teve que ser derrubada pelo proletariado mais progressista, também a Modernidade é mais progressista que a Tradição, mas agora deve ser superada pelo Pós-Modernismo. É uma dialética de superação para a esquerda.
Teoria Crítica Implícita
Revisitemos agora as correntes anteriormente marcadas como de interesse. Uma vez separadas do Pós-Modernismo — e especialmente de suas características inaceitáveis —, elas formam uma constelação coerente. Essa coerência torna-se visível apenas depois que o próprio Pós-Modernismo é desconstruído. O fato de que esses movimentos intelectuais se desenvolveram independentemente do Pós-Modernismo e antes dele mostra que estamos lidando com um complexo de ideias totalmente diferente e autônomo. Essas teorias reconhecem a crise fundamental e decisiva da civilização ocidental contemporânea (cf. A Crise do Mundo Moderno, de René Guénon), tentam localizar o momento histórico de erro decisivo que levou à condição presente, identificam as tendências centrais do niilismo e do declínio, e propõem várias estratégias de saída, que vão desde a correção de rumo até a revolta aberta ou a Revolução Conservadora. Seu foco no niilismo da modernidade ocidental, particularmente em suas fases puramente negativas no século XX, liga-as ao Pós-Modernismo e permite algum grau de integração. Mas, em uma análise mais aprofundada, esses movimentos podem ser harmonizados — ainda que relativamente — por meio de uma trajetória semântica completamente diferente. Eles visam libertar a Modernidade precisamente daqueles aspectos que o Pós-Modernismo consagrou.
Em outras palavras, a cultura intelectual do século XX atingiu um ponto de bifurcação. Sua crítica compartilhada à civilização ocidental — sua filosofia, ciência, política e cultura — dividiu-se em duas grandes correntes:
- O Pós-Modernismo, que reivindica explicitamente a soberania interpretativa e axiológica e afirma sua legitimidade exclusiva.
- Um segundo fenômeno que carece de um nome — expulso, fragmentado e remodelado pelo próprio Pós-Modernismo.
A ausência de um nome, unidade estrutural ou consolidação institucional para esta segunda corrente — juntamente com sua aceitação de uma existência isolada e seu foco em questões setoriais e localizadas — impediu-nos até agora de tratá-la como uma formação intelectual coerente.
A única tentativa real de unificar esses diversos fios foi feita pela Nova Direita francesa. Eles conseguiram isso parcialmente, mas seu movimento intelectual foi prejudicado por rótulos marginalizantes e enquadramentos distorcidos. Assim, o fenômeno que chamamos de “Pós-Modernismo Alternativo” ou “Não-Pós-Modernismo” permanece sem nome, estrutura ou forma institucional.
No entanto, isso não significa que devamos descartar esse ramo do pensamento crítico como efêmero ou aceitar as reivindicações hegemônicas do Pós-Modernismo. Podemos interpretar a soma desses vetores intelectuais como uma visão de mundo coerente, ainda que implícita. Isso torna-se óbvio uma vez que adotamos o ponto de vista de uma história alternativa das ideias. A história não garante que os vencedores — seja em guerras, disputas religiosas, eleições, revoluções ou batalhas filosóficas — estejam necessariamente alinhados com a verdade, a bondade ou a justiça. Os resultados variam. Podemos aplicar esse princípio igualmente ao Pós-Modernismo e à sua alternativa: o Pós-Modernismo Alternativo.
Fenomenologia
A fenomenologia é importante porque afirma a primacidade do sujeito — sua soberania ontológica. Isso desfaz os axiomas materialistas da Modernidade, colocando o objeto da intencionalidade dentro do próprio processo do pensamento e da percepção. O próprio termo intentio — estar direcionado a algo — implica interioridade. Franz Brentano, o fundador da fenomenologia, extraiu essa ideia da escolástica europeia, especialmente do aristotelismo radical dentro da ordem beneditina (por exemplo, Friedrich von Freiberg e os místicos renanos), que enfatizava a imanência do intelecto ativo na alma humana. A dissertação de Brentano foi sobre a doutrina do intelecto ativo em Aristóteles. Embora posteriormente desenvolvida por Husserl e elevada a alturas metafísicas por Heidegger, a fenomenologia revela um estilo de pensamento pré-moderno que transcende o nominalismo, o materialismo e o atomismo. Ela, assim, simultaneamente vai além da Modernidade e ressoa com o pensamento clássico e medieval.
Estruturalismo
O estruturalismo é convincente porque restaura a prioridade da linguagem — novamente, o domínio do sujeito — sobre a realidade não linguística. Isso subverte a fé do positivismo em objetos reais e seus fatos atômicos. Embora revolucionária na linguística, lógica e filologia, essa visão espelha a veneração da sociedade tradicional pelo Logos, pela ontologia da fala e da razão. Embora a afirmação de uma ontologia textual soberana possa parecer grotesca, no contexto positivista — consciente ou inconsciente — ela revive atitudes realistas pré-nominalistas. O debate medieval sobre os universais essencialmente opunha aqueles que afirmavam a ontologia autônoma dos nomes (realistas e idealistas) contra os nominalistas que a negavam.
Assim, o estruturalismo — embora nascido em um contexto filosófico e cultural diferente — ressoa com o realismo e o idealismo e com o pensamento Pré-Moderno.
Além disso, considerando os laços entre principais estruturalistas — como Trubetzkoy e Jakobson, fundadores da fonologia — e o movimento eurasiano, bem como as inclinações tradicionalistas no trabalho de Dumézil sobre a ideologia tripartite indo-europeia, e os paralelos entre Propp, Greimas e visões de mundo sagradas, essa conexão aprofunda-se significativamente.
Reabilitação das Sociedades Arcaicas
O estudo rigoroso e imparcial de sociedades arcaicas — fundamentadas no mito e na crença — refutou as conclusões superficiais e muitas vezes equivocadas da antropologia progressista e evolucionista. Revelou novas perspectivas sobre a cultura, que, como Franz Boas e sua escola insistiam, deve ser entendida em seus próprios termos, com sua semântica e ontologia intactas.
Isso leva à afirmação do pluralismo cultural e a um núcleo mínimo de propriedades que poderiam ser chamadas de universais. Sistemas de troca, embora universais em função, assumem formas distintas em diferentes sociedades e moldam seus horizontes ontológicos e epistemológicos.
O Sagrado
A redescoberta do sagrado como um fenômeno distinto ocorreu simultaneamente na sociologia, na religião comparada e na filosofia tradicionalista. Os tradicionalistas abraçaram o sagrado, vendo sua perda na civilização moderna como um sinal de decadência. A sociologia confinou-se à descrição, enquanto a religião comparada — e certas correntes da psicanálise, notadamente Jung — demonstrou a presença duradoura de padrões sagrados mesmo em sociedades racional-materialistas.
O Pós-Modernismo engaja o sagrado apenas para intensificar sua crítica da Modernidade, acusando-a de não realizar seus próprios ideais. Em vez de desencantar o mundo (como Max Weber afirmou), a Modernidade simplesmente gerou novas mitologias. O Pós-Modernismo não reabilita o mito; busca erradicá-lo ainda mais fundamentalmente que o Iluminismo. Esta agenda é estranha a sociólogos, comparativistas, pragmatistas (como William James) e tradicionalistas igualmente. O sagrado pode, assim, ser estudado inteiramente à parte dos objetivos pós-modernistas.
Filosofia do Dasein
A filosofia de Heidegger constitui um vasto e autossuficiente campo de ideias. Seu projeto de um Novo Começo para a filosofia não tem nada em comum com os fundamentos do Pós-Modernismo. O que chegou ao Pós-Modernismo foram ecos de Heidegger por meio de leituras seletivas e distorcidas por existencialistas franceses (Sartre, Camus, etc.), posteriormente distorcidas no discurso pós-modernista.
O conceito de rizoma de Deleuze pode ecoar vagamente o Dasein de Heidegger, mas a semelhança é superficial — mais próxima de uma paródia materialista do que de uma continuação fiel.
Psicanálise
Como o pensamento de Heidegger, a psicanálise ultrapassa em muito o Pós-Modernismo. Seu maior valor está em sua afirmação de uma ontologia autônoma da psique — especialmente o inconsciente —, cuja significação não deriva da subjetividade racional, mas de complexos mecanismos oníricos. A psicanálise não precisa ser confinada a qualquer escola única — ortodoxia freudiana, teoria junguiana ou modelos lacanianos. O Anti-Édipo de Deleuze e Guattari e a psicanálise feminista, são variantes marginais que — apesar das tentativas pós-modernistas — não anulam outras estruturas interpretativas. Em muitos aspectos, a psicanálise revive o mito e estruturas sagradas, especialmente na tradição de Jung, alinhando-a com o Traditionalismo e a crítica anti-racionalista. Os seminários de Eranos exemplificam essas interseções.
Desconstrução
A desconstrução de Derrida é uma extensão da destruição filosófica de Heidegger, conforme introduzida em Ser e Tempo. Heidegger pretendia a colocação de uma escola, teoria ou terminologia dentro de uma estrutura filosófico-histórica — nomeadamente, o esquecimento progressivo do Ser, culminando na supressão da questão ontológica (ontologische Differenz). A desconstrução pode ser usada entre disciplinas para restaurar posições fundacionais, semelhante à ideia de “jogos de linguagem” de Wittgenstein. Ela implica uma análise semântica precisa: traçar conceitos e narrativas desde sua origem, através de mudanças e distorções. O modelo de Heidegger é altamente útil, mas não é o único.
Análise do Mito
O estudo do mito como um roteiro durável que conecta imagens, figuras e eventos revela padrões através de diversas épocas e culturas. Se a desconstrução busca o cerne originário dos sistemas de conhecimento, a análise do mito (Gilbert Durand) identifica padrões recorrentes e algoritmos da consciência cultural.
Às vezes, a análise do mito se sobrepõe à psicanálise junguiana; outras vezes, informa a sociologia, antropologia, ciência política e teoria cultural.
Antirracismo Diferencialista
A crítica ao etnocentrismo e às hierarquias culturais não precisa se apoiar no individualismo extremo ou na validação indiscriminada de minorias. A pluralidade cultural é uma lei semântico-genética: o significado surge apenas dentro da cultura, e cada uma tem seus próprios padrões. As sociedades devem ser entendidas em seus próprios termos.
Isso leva ao diferencialismo sem hierarquia. O imperativo moral liberal de emancipar indivíduos de identidades coletivas mina totalidades culturais. O anti-racismo diferencialista apenas afirma a realidade da diferença — sem aplicar qualquer medida “transcendental” de valor.
Esta leitura de Boas e Lévi-Strauss foi abraçada pelos eurasianistas russos e pela Nouvelle Droite francesa, mas pode estender-se muito além desses quadros.
Crítica da Visão de Mundo Científica
As críticas pós-modernas à ciência — Foucault, Latour, Feyerabend — podem ser exploradas independentemente. Essas críticas remetem à crítica das ciências europeias de Husserl, que pertence à fenomenologia e constitui uma tradição distinta. Devemos também revisitar modelos científicos pré-modernos, como a ontologia aristotélica e o hermetismo.
O Pós-Modernismo evita isso. Suas críticas emanam de teorias recentes — relatividade, mecânica quântica, teoria das cordas — sem engajar as ciências sagradas do passado. Mas uma síntese da crítica científica com a ciência sagrada poderia render uma visão radicalmente nova. Fora do Pós-Modernismo, nada bloqueia isso.
Críticas ao racionalismo, ao dualismo cartesiano e à mecânica newtoniana apontam para conceitos mais refinados de mente e realidade — reabilitando o Nous de Platão e o “intelecto ativo” de Aristóteles. A partir daqui, poder-se-ia reconstruir novas ontologias científicas informadas pela antiguidade e pela Idade Média.
Crítica da Modernidade
As críticas pós-modernistas à Modernidade espelham em grande parte a crítica de Marx ao capitalismo. Marx denunciou o capitalismo como uma abominação, mas reconheceu sua necessidade histórica e papel progressista em comparação com sistemas anteriores. Com base nisso, ele traçou um limite estrito entre críticas de uma perspectiva pós-capitalista (como a sua) e aquelas que rejeitavam o capitalismo por completo, incluindo sua necessidade e utilidade. Estes últimos incluíam conservadores e socialistas agrários como Ferdinand Lassalle e os narodniks russos.
Da mesma forma, os pós-modernistas condenam a Modernidade como uma catástrofe, mas abraçam sua moralidade e metas emancipatórias, que afirmam terem falhado em realizar. Esta crítica, embora muitas vezes precisa, compartilha a falha do Marxismo: superestima a necessidade da Modernidade como destino, em vez de vê-la como uma escolha histórica. Pode-se escolher a Modernidade — ou algo mais, como a Tradição. Os verdadeiros opositores da Modernidade estão dispostos a aliar-se a todos os seus críticos. As críticas mais severas vêm dos tradicionalistas: o filósofo francês René Alleau chamou René Guénon de revolucionário mais radical que Marx. Quando críticos como André Gide, Antonin Artaud, Georges Bataille, Ezra Pound ou T. S. Eliot engajam-se seriamente com Guénon e Evola, seus argumentos ganham força. Caso contrário, eles permanecem presos dentro da própria doença que se opõem.
Pessimismo em Relação à Civilização Ocidental
O mesmo aplica-se ao pessimismo em relação à civilização ocidental contemporânea. Ela foi criticada pela Esquerda — por Bergson, Sartre, Marcuse — e pela Direita — por Nietzsche, Spengler, os irmãos Jünger e Cioran. Esses campos compartilham muito, especialmente quando suas críticas estendem-se ao futuro enquanto buscam inspiração no passado. No entanto, ver esta civilização como qualquer coisa que não patológica, desviante ou — na pior das hipóteses — uma grande paródia ou o Reino do Anticristo é aceitar sua lógica interna e legitimidade.
Fora do Pós-Modernismo, o diálogo entre críticos de Esquerda e Direita permaneceu possível, embora difícil. O Pós-Modernismo fechou esse espaço completamente.
A Relevância da Sociologia
Como disciplina nascida na Modernidade tardia, a sociologia retém insight substancial sobre a relação entre sociedade e o indivíduo, particularmente a primazia do social. Durkheim chamou isso de “funcionalismo”: os indivíduos são moldados não por seus eus autônomos, mas por uma teia de papéis sociais, máscaras e funções.
A partir deste princípio central, muitas conclusões podem seguir. Pensadores como Tönnies, Sombart, Sorokin, Pareto e Dumont mostraram que nenhum padrão único de desenvolvimento ou regra universal governa a sociedade. As sociedades exibem ciclos, declínios, ressurgências — mas nenhuma progressão linear. Assim, o sonho da moralidade liberal de libertar o indivíduo da identidade coletiva desaba. A visão liberal da história como emancipação constante é um mito. A sociologia desmascara muitas das ideias dominantes da Modernidade como meros “mitos da lei” (cf. Georges Sorel) — ficções instrumentais usadas pelas elites dominantes.
A sociologia expõe o progresso como um preconceito infundado (Pitirim Sorokin). O Pós-Modernismo recorre à sociologia apenas para conceber novas formas de liberação e estratégias exóticas: transgressão, fluidez de gênero, formações de massa esquizoides (Deleuze/Guattari), linguagens privadas (Barthes, Sollers) e a fragmentação do Self em unidades sub-individuais — “parlamento de órgãos” (Latour) ou a “fábrica de microdesejos” (Deleuze).
Além disso, a sociologia retém seu poder hermenêutico, restaurando o status ontológico do coletivo (holismo) e centralizando não o indivíduo isolado, mas a pessoa (persona).
Niilismo
O niilismo na sociedade ocidental foi identificado muito antes do Pós-Modernismo. Nietzsche explorou-o profundamente; Heidegger construiu uma ontologia inteira em torno dele. Para Heidegger, a filosofia era uma busca por caminhos para sair do labirinto niilista. Ele tratou a questão do Nada com a máxima seriedade.
Os pós-modernistas declararam um monopólio sobre o niilismo, trivializando-o em ironia. Deleuze rebatizou a “vontade de nada” como um motor cultural do Pós-Modernismo. Assim, eles ofereceram uma resposta superficial antes mesmo de entender a pergunta. O niilismo pós-modernista frequentemente se assemelha a zombaria ou performance artística, não a filosofia. Tentativas de elevar isso a uma epistemologia — via a não-filosofia de Laruelle ou o niilismo transcendental de Ray Brassier — transformam uma falha do pensamento em dogma.
O niilismo ainda exige uma reflexão séria — e talvez uma superação radical. Nietzsche chamou o Übermensch de “o vencedor de Deus e do Nada”. Cavalgar o Tigre, de Evola, analisa esta tarefa em profundidade.
A Relativização do Homem
Seguindo o chamado de Nietzsche para “des-humanizar o Ser”, muitos pensadores do século XX questionaram a centralidade do homem. Ortega y Gasset descreveu a desumanização da arte. Ernst Jünger examinou como os sistemas tecnocráticos deslocaram a natureza do homem.
Esta preocupação levou a vários campos: a etologia de Konrad Lorenz, a teoria do Umwelt de Jakob von Uexküll, a crítica da tecnologia de Friedrich Georg Jünger, a “ecologia da mente” de Gregory Bateson.
O Pós-Modernismo, no entanto, glorificou a mutação, apelando para seres bio-mecânicos híbridos e denunciando todo essencialismo. Sua guerra ao antropocentrismo escalou para um projeto completo de apagar o homem como espécie. Futurólogos como Harari e Kurzweil elogiam isso em suas visões da Singularidade.
A Dimensão Interior
A redescoberta da interioridade — embora resumida por A Experiência Interior de Bataille — não se originou com a Modernidade. São Paulo escreveu sobre o “homem interior”. As religiões tradicionais centram-se na alma. A Modernidade, fundamentada no materialismo e no evolucionismo, apagou esta dimensão, modelando o homem sem alma.
Que artistas de vanguarda e surrealistas tenham tropeçado no “homem interior” em sua crise da Modernidade não o torna uma invenção do século XX. Tradicionalistas como Evola e Guénon ofereceram relatos metafísicos detalhados da subjetividade radical. Personalistas (após Mounier) desenvolveram isso ainda mais. Corbin e seus alunos (Jambet, Lardreau, Lory) elevaram a figura do Anjo — um tema ecoado por Rilke e Heidegger.
No Pós-Modernismo, esta dimensão é marginal. Realistas críticos rejeitam qualquer virada para dentro — a menos que seja para a interioridade das coisas, separada do Dasein (Graham Harman).
Fora do Pós-Modernismo, o sujeito radical permanece uma preocupação filosófica central.
Teologia Política
Carl Schmitt formulou a teologia política como uma teoria do político. O fato de pensadores de inclinação pós-modernista (Taubes, Mouffe, Agamben) terem adaptado Schmitt não muda nada sobre sua autonomia. Conceitos como “vida nua” e katechon negativo são derivativos.
A teologia política é melhor compreendida dentro da filosofia integral de Schmitt, que era profundamente conservadora e hostil à Modernidade.
Pós-Modernismo Alternativo e Tradicionalismo
Esta análise preliminar abre um caminho a seguir. O Pós-Modernismo distorceu o panorama filosófico, reivindicando o legado intelectual da humanidade. No entanto, se o rejeitarmos por completo, arriscamo-nos a recuar para posições pré-modernas já superadas — e habilmente desmontadas — pelo Pós-Modernismo. Além disso, ao rejeitar totalmente o Pós-Modernismo, também rejeitamos as correntes críticas que ele se apropriou.
O engajamento superficial do Pós-Modernismo com o sagrado e outros elementos positivos ameaça desacreditar as estruturas pré-modernas por associação. Um retorno direto à Tradição, ignorando a profunda marca deixada pela Modernidade e pelo Pós-Modernismo, é impossível. Um muro semântico nos separa do pré-moderno. Os raios da Tradição autêntica ou se enfraquecem ou são distorcidos além do reconhecimento.
Para alcançar a Tradição, deve-se passar tanto pela Modernidade quanto pelo Pós-Modernismo. Caso contrário, permanece-se preso no próprio campo epistêmico.
Assim, o fenômeno que chamamos de “Pós-Modernismo Alternativo” é de importância fundamental. Ele não pode ser contornado. Seu cerne deve ser o Tradicionalismo e a crítica radical da Modernidade. Mas sem um diálogo vivo com o pensamento contemporâneo, o Tradicionalismo decai em uma seita sem vida. O Pós-Modernismo Alternativo revitaliza seu poder interior.
Isto já foi tentado por Julius Evola, que se engajou com os desafios de seu tempo — filosóficos, políticos, científicos — afastando-se sem medo da ortodoxia quando necessário. Nós devemos fazer o mesmo.
Fonte: Katehon
Tradução: Augusto Freddo Fleck (Telegram e X)