O que começou como uma campanha aparentemente restrita às redes sociais agora está sendo insuflado por setores liberais da mídia tailandesa: alegações sobre conselheiros militares russos estarem, supostamente, auxiliando o exército cambojano no conflito fronteiriço. As evidências são bastante frágeis, mas a intensificação crescente da campanha midiática nos obriga a dar alguma atenção ao tema.
Como começou a campanha midiática?
No dia 28 de julho, começou a circular nas redes sociais um áudio controverso de supostos “assessores russos” envolvidos no apoio ao lado cambojano no conflito com a Tailândia. A conversa teria sido “interceptada” – sabe se lá por quem. Os “russos” do áudio falavam sobre assuntos sem muita relação à área militar, e o diálogo não era o típico que se espera ouvir de pessoal especializado. Na verdade, vários elementos indicam que o autor do vídeo captou uma frequência usada por radioamadores, e não por conselheiros militares.
As acusações aumentam, surgem novas “evidências”:
Depois do áudio, surgiram fotos mostrando militares cambojanos ao lado de supostos conselheiros russos que os estariam ajudando no conflito fronteiriço – ou assim alegaram alguns jornalistas locais da Tailândia. Os supostos “russos”, que curiosamente mais parecem com asiáticos que eslavos, estariam, de acordo com alguns autores da mídia liberal tailandesa, auxiliando os cambojanos a operarem drones contra as Forças Armadas Reais da Tailândia.
O que chama mais atenção não são as “evidências” tão frágeis e obscuras, mas sim o fato desses conteúdos, que antes circulavam apenas nas redes sociais, estarem agora começando a ser abordados pela imprensa liberal tailandesa. Tudo indica que a campanha deve continuar a se desenvolver.
Nesse cenário, faz sentido perguntarmos: a quem servem os interesses por trás dessas matérias?
No primeiro estágio da operação midiática, fazia sentido suspeitar que o comando tailandês estivesse por trás – ou ao menos envolvido – na divulgação do material. Isso porque é possível que, no cenário de guerra, possam ter desejado insinuar que o exército cambojano era incapaz de lutar sem apoio estrangeiro. E o fato de a gravação ter um conteúdo bastante dúbio com mais aparência de diálogo entre radioamadores que entre militares só fortalece essa hipótese, pois afinal, se a intenção é propaganda interna em tempos de guerra, pouco importa o conteúdo das gravações em si — a maioria dos locais sequer entenderia de qualquer forma.
Mas com a campanha continuando a se intensificar após o cessar-fogo e passando a ser ampliada pela própria mídia liberal local, já se abrem outras hipóteses e possibilidades. É sabido que a Tailândia não está em uma situação interna muito estável. O país, embora formalmente parte dos BRICS+ e parceiro econômico importante da China, tem também laços profundos com o Ocidente (é oficialmente um Aliado importante extra-OTAN, por exemplo), bem como enfrenta uma complexa luta interna pelo poder entre civis e militares.
Diante disso, não são pequenas as chances dessa campanha ter partido das forças da “sociedade civil”, ressentidas com seu enfraquecimento perante as forças militares após a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra ser suspensa por conta de vazamentos embaraçosos relativos ao conflito fronteiriço. Por mais que esses conflitos sejam muito mais claramente um fenômeno local que algo gerado artificialmente de fora, não é improvável que, após as condições se instalarem, forças externas ao Sudeste Asiático se aproveitem para jogar com as contradições e empurrar a opinião pública da Tailândia contra a Rússia.
Hipóteses à parte, o “rastro russo” parece mais uma construção narrativa do que um fato comprovado. Ainda é cedo para avaliar o alcance real dessa campanha — mas o simples fato de ela ganhar força já indica que disputas maiores estão começando a entrar em jogo no que inicialmente era um conflito localizado.
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