O Fim da História e o Sujeito Radical

Excerto de “Eurasian Universism: Sinitic Orientations for Rethinking the Western Logos”, de Xantio Ansprandi.

Em 1992, Francis Fukuyama publicou O Fim da História e o Último Homem, um livro que aborda a filosofia da história e a morfologia da civilização sob uma perspectiva politológica. Ele analisa os processos subjacentes da história moderna após a Revolução Francesa de 1789, o evento que materializou pela primeira vez o supostamente universal Estado-nação homogêneo, baseado na ideologia de direitos humanos igualitários — ou seja, o Estado liberal.

Apoiando-se nos sistemas teóricos de Hegel, Nietzsche e Alexandre Kojève, entre outros, Fukuyama oferece uma análise perspicaz sobre as raízes e os possíveis desfechos dos processos da modernidade. O livro foi frequentemente — e talvez superficialmente — interpretado como uma defesa da democracia liberal. Na verdade, ele apenas demonstra por que esse sistema político foi tão bem-sucedido na era moderna e prevê seu triunfo, identificando-o com o “fim da história” kojèveano e a hegemonia do “Último Homem” (der Letzte Mensch) nietzscheano. Esse triunfo marcaria a interrupção da evolução dinâmica da humanidade por meio da competição e do reconhecimento recíproco e daria início à involução do homem em uma entidade bestial, ávida apenas por prazer material.

Fukuyama argumenta que, diferentemente dos animais inferiores, movidos apenas por instintos egoístas de sobrevivência física, os homens desejam sobretudo dignidade, honra e valor, que dependemdo reconhecimento de outrem (por outros homens dignos) como iguais, como seres de mesmo mérito. Esse anseio por reconhecimento é o que Fukuyama chama de thymos. Ele fundamenta sua ideia na teoria da alma tripartida presente n’A República de Platão, na qual o thymoeidés (θυμοειδές, “impulsividade”) é a força vital movida pelo logistikón (λογιστικόν, a razão humana iluminada pela visão do Sol metafísico, a Forma do Bem, o Uno que gera todas as formas inferiores) ou pelo epithymitikón (ἐπιθυμητικόν, a parte ctônica da alma que almeja a satisfação das necessidades corporais de sustento e reprodução).

De acordo com a dialética hegeliana do senhor e do escravo (Herrschaft und Knechtschaft), aquele que se qualifica como um verdadeiro homem — ou seja, um senhor — está disposto a arriscar a própria vida para silenciar e sublimar seus instintos inferiores em nome da dignidade e de verdades superiores. Nos primórdios da história, o desejo por dignidade provocou guerras de vida ou morte. Aqueles que superaram o medo da morte emergiram como senhores e mestres daqueles que foram dominados por ele. Os primeiros eram os aristocratas, cuja vida e cultura eram moldadas por uma ética da guerra e da honra, enquanto os últimos se tornaram as classes servis.

Fukuyama acredita que a democracia liberal está destinada a ser a forma política definitiva em uma economia globalizada. Isso porque ela tem o poder de satisfazer, por meios igualitários, o tipo de desejo de reconhecimento comum à maioria dos seres humanos, ao mesmo tempo que neutraliza o que Fukuyama chama de megalothymia — o ímpeto espiritual superior dos homens excepcionais. A democracia liberal suprime a megalothymia ao fortalecer a isothymia, o desejo de igualdade baseado no único tipo de anseio espiritual compartilhado por toda a humanidade: os instintos inferiores de subsistência, promovendo assim um nivelamento descendente de todos os homens.

Os supostos direitos humanos (pseudo)universais, baseados na ideia de igualdade, remontam à filosofia do século XVII de Thomas Hobbes, famoso pela hipótese do “contrato social”. A Revolução Americana e, sobretudo, a Revolução Francesa de 1789 foram as primeiras materializações políticas em larga escala dessas hipóteses. Elas atingem seu extremo no relativismo niilista contemporâneo, que questiona qualquer norma baseada em princípios superiores e, ao fazê-lo, abre caminho para a realização de qualquer anormalidade. Vivemos uma época em que a moral declina, as distinções entre certo e errado são negadas, os limites e fronteiras são questionados, e a própria existência de qualquer comunidade é ameaçada.

O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) introduziu o conceito de “anomia” para descrever esse estado de coisas em seu livro O Suicídio (1897). Anomia, a ausência de nomos, significa o colapso da sociedade, dos laços que unem indivíduos e grupos. Segundo Durkheim, a anomia surge quando há um descompasso entre as aspirações individuais e os padrões sociais, de modo que os indivíduos deixam de se engajar na vida coletiva. Proponho que “anomia” também possa definir uma negação ativa da norma (antinomia), que precede e inicia o processo de dissolução. O liberalismo, considerado por seus defensores uma forma “racional” de vida, é meramente um produto da ratio inferior humana — a razão calculista (logismós) —, que surge quando esta se separa do Logos. Como explicado anteriormente, a negação das qualidades espirituais está intrinsecamente ligada à negação da hierarquia do próprio Logos. Ideologias igualitárias e liberais, indistinção quantitativa e anomia ameaçam a própria essência da humanidade e seu papel no cosmos.

Em vez de operar na interação dinâmica entre a megalothymia dos aristocratas guerreiros e a isothymia das massas, o liberalismo inicial tentou anular o ímpeto tímico liberando instintos primordiais. Segundo Nietzsche, a democracia liberal representa a vitória incondicional dos tipos inferiores da humanidade e seu moralismo pervertido, a Sklavenmoral, que glorifica a fraqueza e a culpa. Esse tipo de humanidade, desprovida de orgulho e dignidade, é o que Nietzsche chama de “Último Homem”. Nietzsche acreditava que o relativismo niilista acabaria por corroer os alicerces da própria Sklavenmoral, abrindo uma nova era de liberdade para os espíritos superiores (Übermenschen) e sua reafirmação criativa dos verdadeiros valores (Herrenmoral).

O Estado liberal, baseado na separação de poderes e no positivismo jurídico — que concede os mesmos direitos e cidadania a todos —, sua economia liberal aliada à tecnociência moderna (que removeu qualquer obstáculo à produção e acumulação de riqueza e capital), constitui a máquina do crescimento meramente material que tornou possível a realização de qualquer desejo terreno e a reprodução exponencial das massas amorais de homens sem raízes, aglomerados em centros urbanos. A isso soma-se a disseminação de mentiras úteis para lubrificar a maquinação anômica que canaliza forças ctônicas, graças à popularização da imprensa e do “jornalismo”, frutos do mundo protestante. Alexis de Tocqueville acreditava que a organização de verdadeiras comunidades de sentido era o caminho para conter o transbordamento da humanidade inferior.

Apesar de reconhecer os males do liberalismo, Francis Fukuyama mantém uma perspectiva sociológica dos fatos, sem aprovar ou reprovar a tendência da política moderna. Ele parece carecer de uma compreensão mais profunda dos eventos e de uma noção espiritual da razão, especialmente quando define fenômenos, como etnicidade, “irracionais”.

Aleksandr Dugin analisa lucidamente a antropologia política do pós-liberalismo pós-moderno (que ele caracteriza como pós-política e pós-antropologia) como uma inversão da dialética hegeliana do senhor e do escravo: os “soldados políticos” — criadores de sociedades tradicionais dispostos a matar ou morrer pela política — hoje estão submersos nas multidões horizontais em decomposição, os escombros de estruturas políticas desmoronadas. Em contrapartida, os “políticos” modernos, detentores do poder na sociedade pós-liberal, são indivíduos prontos a abandonar suas ideias diante de riscos e ameaças.

Dugin estuda as três ideologias de massa pós-Iluministas como “círculos hermenêuticos”, cada um orbitando um sujeito diferente. Enquanto o sujeito do fascismo era o Estado racial, do comunismo, a classe, o sujeito do liberalismo é o indivíduo atomizado e isolado, liberto de todos os vínculos e papéis históricos e contextuais — o “idiota”, como os gregos o chamariam. Essa “liberdade de” é uma liberdade fictícia, pois se restringe à órbita microscópica da individualidade em si, ao “pequeno homem” (o único que o liberalismo tolera, revelando seu lado totalitário). O círculo hermenêutico do liberalismo tem a órbita mais estreita em comparação com as outras duas ideologias; dentro dele, os pequenos homens podem fazer o que quiserem, mas na verdade são incapazes de agir, pois lhes falta a capacidade de interagir com o mundo. Para romper esse círculo, a individualidade anômica deve ser golpeada; o indivíduo precisa ser recontextualizado e, assim, reabilitado em seu significado. Campeões do liberalismo, como Karl Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, combateram qualquer ideologia que integrasse o indivíduo em comunidades supra-individuais (chegando a rotular anacronicamente Platão e Aristóteles como “fascistas totalitários”).

A verdadeira liberdade, a “liberdade para” (libertas autêntica) que a Quarta Teoria Política busca restabelecer, só pode ser alcançada ao se abandonar o pequeno círculo da individualidade. Aquele que deixa a individualidade se vê, inicialmente, “esmagado pelos elementos da vida e pelo Caos perigoso”, e então adquire a vontade e a capacidade de estabelecer ordem. Esse homem pode se manifestar em formas individuais — não como individualidade anômica, mas como “individuação”; não como a liberdade ilusória concedida pela maquinação liberal, mas como liberdade para agir autenticamente, dominando a si mesmo e a seu contexto. Esse é o Dasein.

Dugin interpreta o Dasein como abrangendo tanto a “subjetividade transcendental” de Edmund Husserl quanto um estado de consciência mais profundo, que ele chama de “subjetividade radical” (ou melhor, “eu radical”). Na terminologia husserliana, a subjetividade transcendental é a camada profunda do “sujeito” que emerge na experiência do “curto-circuito” — o confronto com a fonte da realidade. Essa experiência é um trauma em que a consciência percebe apenas a si mesma no presente, e Dugin a descreve como um vazio tensional. Para escapar do presente e do insuportável confronto consigo mesma, a subjetividade transcendental se articula nas três êxtases temporais heideggerianas (passado, presente e futuro, que Dugin caracteriza ontologicamente como “documental”, “imediato” e “probabilístico”, respectivamente), ao mesmo tempo que em lógicas duais (sim-não, sujeito-objeto, antes-depois) e intencionalidade. Assim, o tempo é o ente, e o ente é tempo; o fenômeno é intrinsecamente temporal e, sobretudo, futuro (projeção). É a “coisa em si” (Ding an sich) kantiana que se estabelece na “razão prática”, a “instância contínua” de Husserl, a metáfora do tempo como música (o passado ressoa no presente, que por sua vez projeta o futuro) e o “ser-lançado” (Geworfenheit) heideggeriano. É também a “presentificação” do filósofo e historiador das religiões Ernesto de Martino, em sua leitura do Dasein que enfatiza sua atividade de construção do mundo, assim como a “propensidade” de

O curto-circuito da consciência é um padrão de refrão eterno, um retorno do mesmo, um “tempo circular” em que passado e futuro se sobrepõem, com o eu no centro como a fonte e agente de todos os tempos. A partir desse tempo circular, as três êxtases podem ser tecidas de diferentes maneiras, nos esquemas de diferentes teares. Dugin propõe três construções temporais:

  1. “Tempo tradicional”, em que o curto-circuito está no passado e é revivido através da anamnesis platônica, reproduzido constantemente no presente;
  2. “Tempo milenarista”, em que o curto-circuito está no futuro, e a história é um “estado de espera perpétua” por uma realização futura;
  3. “Tempo material”, em que o tempo se dissolve no mundo objetivo, que por sua vez se fixa. Este último é o “tempo do abate” e da morte do sujeito.

A consciência precisa do futuro para escapar do encontro consigo mesma; sem ele, como no tempo material congelado, o sujeito não encontra espaço para se expandir e entra em curto-circuito. Como já explicado, essa é simultaneamente a experiência da morte, da fonte primordial da realidade, mas também da potencialidade do novum, de uma nova construção. Como o futuro é subjetivo, as sociedades — como organismos que emergem espaço-temporalmente de diferentes atos de consciência e são unidas pelas “estruturas da consciência coletiva dos indivíduos” pertencentes às “forças expansivas do sujeito constituinte” — têm futuros distintos. Segue-se que a “humanidade global” (um conceito abstrato) pode não ter um futuro objetivo.

O “fim da história”, que finalmente assume a forma do globalismo (globalização da democracia liberal), “a conclusão lógica do universalismo”, apaga a história e abole o futuro. Ao bloquear o futuro, o espaço-tempo colapsa no presente, entrando em curto-circuito em um turbilhão que Dugin (baseando-se na metáfora husserliana do tempo como música) compara a uma cacofonia sem sentido, onde todas as notas soam simultaneamente — o que equivale ao silêncio absoluto. Nesse estado, não há espaço para a temporalização da tensão interna da subjetividade transcendental, que cresce exponencialmente rumo a uma conflagração. Segundo Dugin, as forças da globalização buscam extinguir o Dasein para evitar o incêndio, aprisionando as consciências na teia virtual de uma “máquina mundial”, enredando-a em “simulacros” do passado — memórias falsas, fabricadas, antinaturais. O futuro então se petrifica, e a semântica, que deveria expressar a verdade da realidade, “desfoca, bifurca e multiplica” em uma perda de sentido, perversão da linguagem e proliferação de mentiras que não correspondem à realidade das coisas. Para De Martino, “a compulsão à repetição, que na natureza não tem drama […] no homem se manifesta como doença psíquica” — um turbilhão de queda interior e privada que, em sociedades dotadas de tradição, é reintegrado à publicidade por meio do simbolismo mítico-ritual. Este último é uma operação de imitatio naturae, de remodelar o círculo do eterno retorno da natureza dentro da dinâmica espiral de um tempo culturalizante, que liberta a consciência humana da matéria, evitando sua petrificação, estabelecendo um ser-no-mundo (o in-der-Welt-Sein heideggeriano), um mundo comum e uma sintonia de todos os tempos particulares em um ser-tempo maior.

Dugin então introduz uma camada mais profunda do eu que Husserl não considerou: o sujeito radical. Enquanto o sujeito transcendental estabelece a realidade nas três temporalidades como manifestação de sua autoconsciência, o sujeito radical — o Dasein mais profundo — só se revela “no momento da catástrofe histórica definitiva”, o colapso do espaço-tempo, no mais intenso e prolongado curto-circuito, suportando-o. Enquanto a subjetividade transcendental reage à experiência do curto-circuito criando tempo, o sujeito radical reage retirando-se no não-tempo (a eternidade), na não-dualidade e, por fim, na não-identidade, pois a realidade e o tempo são, para ele, uma armadilha torturante. O sujeito radical, incompatível com qualquer forma de tempo, aguarda o “fim da história” (e da humanidade, dos últimos homens) como seu “gesto drástico” e o renascimento da luz radical no anti-tempo. O sujeito radical é o “primeiro homem” e o novum que permanece após o fim.

Fonte: PRAV Perspectives
Tradução: Augusto Fleck

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