As tarifas trumpistas vão ou não vão funcionar para salvar a economia dos EUA? Qual é o raciocínio que Trump está usando neste esforço?


As tarifas de Donald Trump foram apresentadas na mídia internacional como medidas mais ou menos irracionais, uma manobra arriscada baseada na falta de conhecimento sobre economia política fundamental. Segundo o raciocínio comum, elas levariam a guerras comerciais, quedas no mercado de ações e perdas para todos. No entanto, a questão não é tão simples—há uma racionalidade por trás disso, mesmo que o bem-estar da Europa não desempenhe um grande papel no plano. É possível que a política americana esteja agora caminhando, como sugerem as declarações sobre a Groenlândia, para uma “fase de exploração e pilhagem mais aberta”. Podem-se traçar paralelos entre as tarifas de Trump e a política de Atenas no início da Guerra do Peloponeso, mas o alvo principal não é a Europa.
As tarifas revelam as tensões na política americana: por um lado, entre um hegemon e guardião do sistema do dólar, e por outro, uma nação com um povo (“um país é seu povo, não sua geografia”, nas palavras de Elon Musk). O sistema do dólar traz vantagens para os EUA—a demanda pela moeda de reserva global supera a demanda por bens americanos—, mas também acarreta riscos, como déficits comerciais e desindustrialização. Isso atingiu duramente a classe trabalhadora americana e representa um problema de segurança e defesa, já que a base industrial se desloca para o exterior (uma nação que não consegue fabricar seus próprios drones é um Estado vassalo, retomando Musk). Trump há tempos descreve os déficits com países como a China como resultado de comércio desleal, o que não é totalmente absurdo, dadas as diferenças em políticas salariais, monetárias e ambientais. Portanto, as tarifas não deveriam ser tão surpreendentes.
Várias análises interessantes surgiram sobre a política comercial de Trump. Curtis Yarvin, o blogueiro antes conhecido como Mencius Moldbug, recorre aos mercantilistas e a Friedrich List em seus textos. Ele observa que “se equipararmos o ‘valor da terra e do seu povo’ ao bem comum, fica claro que uma política comercial que gera lucros (como a da China) tende a se alinhar melhor com o interesse público do que uma que gera perdas”.
Países com superávits comerciais geralmente se saem melhor do que aqueles com déficits. Por isso, o reflexo protecionista de Trump, segundo Yarvin, é saudável. Mas um reflexo não basta: “Trump sempre tem os reflexos certos. Mas um reflexo não é um plano… parece intuitivamente mais difícil reindustrializar a América, um país rico e envelhecido, do que a Ásia do pós-guerra, jovem e pobre”. Yarvin aponta a dificuldade de reindustrialização e a necessidade de planejamento centralizado. Seus textos sobre tarifas mostram seu desenvolvimento como pensador, afastando-se de tendências anglo-saxãs de resultados duvidosos. Ele também critica uma economia baseada em “trabalho helotizado” mal remunerado, seja dentro ou fora dos EUA. Ao mesmo tempo, reconhece as falhas do governo Trump: “o paradoxo fundamental do segundo mandato de Trump, em toda sua grandeza e regressão”.
Outro trabalho relevante é “A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System”, de Stephen Miran. Ele identificou o conflito entre o papel de hegemon e o de nação, prevendo em novembro passado que Trump tentaria remodelar os sistemas comercial e financeiro internacional. Miran também destacou o aspecto de luta de classes no sistema do dólar: “Do ponto de vista comercial, o dólar está perpetuamente supervalorizado, em parte porque os ativos em dólar funcionam como moeda de reserva global. Essa valorização excessiva prejudicou o setor manufatureiro americano, enquanto beneficiou setores financeiros, favorecendo os ricos” (compare com a distinção do professor Hudson entre capitalismo industrial e capitalismo financeiro). O status do dólar como moeda de reserva custa mais à classe trabalhadora do que lhe beneficia—mas não necessariamente a outras classes.
Miran analisou tarifas ótimas e sua relação com a geopolítica. Historicamente, os EUA mantiveram tarifas baixas para ajudar aliados: “Por exemplo, os EUA cobram apenas 2,5% sobre carros importados da UE, enquanto a Europa impõe 10% sobre veículos americanos. Muitos países em desenvolvimento têm tarifas mais altas, como Bangladesh, com 155%. Essas políticas são heranças de uma época em que os EUA abriram seus mercados para reconstrução pós-Segunda Guerra ou para formar alianças na Guerra Fria”. Essa abordagem já não é viável; o objetivo agora é redistribuir custos e criar zonas de segurança com dimensão econômica. Miran citou o ex-assessor de Trump, Scott Bessent: “Segmentar a economia internacional em zonas baseadas em segurança e sistemas econômicos comuns ajudaria a expor desequilíbrios e introduzir atritos para lidar com eles”.
Há vários aspectos nisso. Um deles é o MAGA, que prioriza eleitores americanos em detrimento de estrangeiros. Miran escreveu: “A equipe de Trump vê as tarifas como forma de tributar estrangeiros para manter impostos baixos nos EUA”. Tarifas podem aumentar o bem-estar americano: “Elevar tarifas efetivas de 2% para até 20% pode melhorar o bem-estar agregado nos EUA—além disso, tornam-se contraproducentes”. A economia política também é geopolítica: o objetivo é fazer outros países pagarem pela segurança americana, desvalorizando o dólar e reindustrializando os EUA. Os métodos incluem ameaças tarifárias e promessas de proteção. Curiosamente, mesmo que a UE reaja mal, os EUA podem se beneficiar—Miran argumenta que a UE seria forçada a ampliar sua própria defesa, “aliviando o fardo de segurança dos EUA e permitindo que focassem na China, uma ameaça muito maior”. Vários indícios mostram que a China é o alvo principal das tarifas, tanto economicamente quanto geopoliticamente.
A propósito, vale notar que as tarifas poderiam reduzir o déficit americano, tanto por aumentar a receita do Estado quanto por baratear empréstimos devido à inquietude dos mercados. Mas o objetivo principal parece ser geopolítico — uma tentativa de remodelar o sistema internacional a favor dos EUA. Michael Hudson resumiu assim: “O resto do mundo deveria ser transformado numa economia tributária dos Estados Unidos, bloqueando alternativas ao dólar enquanto os faz perder dinheiro em cada ação, título ou Treasury bond que compram.”
Não se trata necessariamente de uma revolução que beneficie a Europa, e Miran estava ciente dos riscos significativos. Porém, há uma racionalidade por trás disso e, segundo ele, reais possibilidades de sucesso. Afinal, não é a primeira vez que um presidente americano reforma os sistemas econômicos internacionais sem provocar uma reação global significativa — compare com Nixon e Bretton Woods em 1971.
A política de Trump é marcada por declarações bombásticas, renegociações e “deals”, e as tarifas não fogem à regra. Se há um sinal de “xadrez 5D”, o alvo provavelmente é a China (e talvez o Irã). No entanto, ainda é incerto até que ponto a economia americana pode ser revitalizada. Hudson a descreveu como uma “decadência desindustrializada”, afirmando:
“O ponto crucial é reverter toda a transição dos EUA para uma economia pós-industrial, financeirizada e rentista. Os rentistas canibalizaram a indústria, e não há partido político que apoie uma alternativa.”
É possível que Hudson superestime a dependência de Trump aos interesses financeiros e subestime seu aspecto populista. Ou talvez as últimas medidas sejam apenas uma tentativa impossível de conciliar os interesses do povo comum e da elite financeira. Isso ainda está por se ver.
Fonte: Motpol