A Europa está se rearmando enquanto os EUA continuam a temer a Rússia

Em 19 de março de 2025, a Comissão Europeia divulgou um relatório intitulado “JOINT WHITE PAPER for European Defence Readiness 2030” – “Documento Conjunto sobre a Prontidão de Defesa Europeia 2030”.

Este documento estabelece um roteiro claro para o aumento dos gastos com defesa e uma indústria de defesa europeia mais integrada, garantindo uma cooperação mais eficaz entre os Estados-Membros.

Ele também propõe soluções para melhorar a mobilidade militar, o armazenamento e a segurança das fronteiras, especialmente ao longo das fronteiras orientais da UE. O documento também enfatiza a necessidade de uma integração mais profunda com o setor de defesa da Ucrânia, destacando os compromissos de segurança da Europa com o país ao longo prazo. Ou seja, para dar continuidade ao atual conflito entre a junta de Kiev e a Rússia.

Os autores desse documento deixam claro, de forma inequívoca, que a Rússia é a principal ameaça para eles. O White Paper diz que “as ameaças à segurança europeia estão se proliferando de uma forma que representam uma ameaça grave ao nosso modo de vida. Mesmo antes da invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, havia uma consciência crescente do quão perigoso é o ambiente de segurança em que operamos… A Rússia representa uma grande ameaça estratégica no campo de batalha. Isso forçou a Europa e nossos parceiros a enfrentar a realidade da possibilidade de uma grande guerra mecanizada de alta intensidade no continente europeu em uma escala não vista desde 1945. A Rússia – que já é, de longe, o Estado europeu mais fortemente armado – está agora administrando uma economia de guerra, extremamente concentrada na realização de seus objetivos bélicos, com base na mobilização industrial e na inovação tecnológica… A Rússia deixou claro que, de acordo com seu entendimento, continua em guerra com o Ocidente. Se for permitido que a Rússia atinja seus objetivos na Ucrânia, sua ambição territorial irá se estender. A Rússia continuará sendo uma ameaça fundamental à segurança da Europa no futuro previsível, incluindo uma postura nuclear mais agressiva e o posicionamento de armas nucleares em Belarus. A Rússia está explorando uma rede de instabilidade sistêmica, inclusive por meio de uma estreita cooperação com outras potências autoritárias. Ela está persistentemente alimentando as tensões e a instabilidade na vizinhança europeia, seja nos Bálcãs Ocidentais, na Geórgia, na Moldávia ou na Armênia, também exerce uma influência desestabilizadora crescente na África…”

De modo geral, todo o conjunto de frases arrepiantes clássicas, que costumavam ser características dos centros analíticos dos Estados Unidos, agora pegaram carona para a Europa.

Para ser justo, devemos observar que a China também é mencionada tanto no contexto dos sucessos do complexo militar-industrial desse país quanto em relação aos acordos de parceria com a Rússia. O Irã é mencionado da mesma forma. E, é claro, Belarus. Mas eles permanecem em segundo plano, enquanto a Rússia é mencionada repetidamente.

Em um esforço paralelo, a UE revelou seu plano “The ReArm Europe Plan – Readiness 2030”, que fornece as ferramentas financeiras para implementar as estratégias descritas no White Paper.

De acordo com o plano, esse mecanismo permite que os Estados-Membros tenham acesso a mais de 800 bilhões de euros em investimentos em defesa, com mecanismos como a Ação de Segurança para a Europa (SAFE), que arrecadará 150 bilhões de euros em financiamento para aquisições militares conjuntas. Esse financiamento será canalizado em equipamentos de defesa fabricados na Europa, apoiando a inovação e garantindo a interoperabilidade entre as forças nacionais.

Como parte da estratégia financeira, a Comissão incentivou os Estados-Membros a usarem a cláusula nacional de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que lhes permite aumentar temporariamente os gastos com defesa dentro das regras fiscais. Além disso, o Banco Europeu de Investimento desempenhará um papel fundamental na mobilização de capital privado para apoiar projetos de defesa.

Falando sobre a urgência da iniciativa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou: “A era dos dividendos da paz já passou há muito tempo. A arquitetura de segurança com a qual contávamos não pode mais ser considerada garantida. A Europa está pronta para dar um passo à frente. Precisamos investir em defesa, fortalecer nossas capacidades e adotar uma abordagem proativa em relação à segurança.”

Embora a UE tenha exemplos de vários programas ambiciosos paralisados anteriormente, por exemplo, no campo da energia verde, há uma grande probabilidade de que a UE ainda tente aumentar sua capacidade militar, em parte às custas dos contribuintes e da reorientação de orçamentos de outras áreas. A propósito, von der Leyen, ao falar sobre a importância dessa iniciativa, justificou-a com as exigências dos Estados Unidos de investir mais na defesa da própria Europa.

A propósito, a “Avaliação Anual de Ameaças 2025” da comunidade de inteligência dos EUA foi publicada no mesmo mês. Embora haja um alto grau de probabilidade que esse relatório tenha sido preparado sob a administração anterior, no entanto, se visto objetivamente, indica que Washington continua a pensar em velhos clichês, apesar da retórica oficial de Donald Trump e seus colegas sobre a necessidade de détente.

Essa “Avaliação”, portanto, diz que “Rússia, China, Irã e Coreia do Norte – individual e coletivamente – estão desafiando os interesses dos EUA no mundo, atacando ou ameaçando outros em suas regiões, tanto com táticas assimétricas quanto convencionais de hard power, e promovendo sistemas alternativos para competir com os Estados Unidos, principalmente em comércio, finanças e segurança. Eles buscam desafiar os Estados Unidos e outros países por meio de campanhas deliberadas para obter vantagem, ao mesmo tempo em que tentam evitar a guerra direta. A crescente cooperação entre esses adversários está aumentando sua força contra os Estados Unidos, o potencial de hostilidades com qualquer um deles para atrair outro ao conflito e a pressão sobre outros atores globais para que escolham um lado.”

Se Trump realmente quisesse a détente, a paz e o desarmamento, é improvável que esse documento tivesse sido publicado sem edição. No entanto, agora essa é uma evidência documentada de como as autoridades responsáveis pela segurança veem a Rússia nos Estados Unidos. E isso não é muito diferente tanto da era de Joe Biden quanto do primeiro mandato presidencial de Donald Trump.

O documento também diz que a Rússia aprendeu lições importantes com a guerra na Ucrânia, após a qual atualizou vários de seus sistemas de armas e também começou a agir de forma mais eficaz no campo de batalha. Somando-se a isso a resistência da economia às sanções, especialmente do setor militar-industrial, percebemos que os Estados Unidos simplesmente perceberam a futilidade de suas medidas severas contra a Rússia (já que elas levam ao efeito oposto, por exemplo, o desenvolvimento de métodos alternativos de transações bancárias) e estão tentando desenvolver uma estratégia diferente de comportamento. O atual processo de negociação sobre a Ucrânia é um dos elementos operacionais dessa nova estratégia emergente dos EUA. Precisamos entender que, dado o retrospecto histórico das ações desse Estado na arena das relações internacionais, é improvável que ocorram mudanças drásticas e que os belicistas de ontem se tornem repentinamente pombas da paz.

Fonte: Geopolitika.ru

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Leonid Savin

Leonid Savin é escritor e analista geopolítico, sendo editor-chefe do Geopolitica.ru, editor-chefe do Journal of Eurasian Affairs, diretor administrativo do Movimento Eurasiano e membro da sociedade científico-militar do Ministério da Defesa da Rússia.

Artigos: 54

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