Por que os debates, em geral, são inúteis?


Toda vez que eu assisto a um debate (ou ouço falar sobre um) eu saio com a convicção de que trata-se de uma das atividades mais inúteis do mundo contemporâneo. Mas eu também extrapolo a realidade dos debates para a própria natureza da democracia liberal.
Sobre o debate em si, tal como vemos no período eleitoral ou na internet, ele é tratado como uma maneira de “descobrir a verdade” onde o “certo” é quem “venceu” o debate. Aparentemente, quem “vence” um debate eleitoral recebe alguns votos a mais na reta final. E quanto a outros tipos de debate, parece que há inclusive quem mude de ideologia por causa de resultado de debate online.
Para mim, tudo isso não passa de insanidade pelo simples fato de que debates são meios absolutamente ineficazes para descobrir qualquer verdade. Se não estamos falando aqui no diálogo platônico, então debates não passam de disputas retóricas em que se destaca a erística. O que importa é “vencer” e, portanto, destacam-se uma série de fatores que nada tem a ver com o exame do tema em questão: confiança, dicção, incisividade, rapidez na fala, frases de efeito, falácias de todo tipo, etc.
Em um debate é importante, por exemplo, ter “respostas na ponta da língua” para tudo que o adversário disser. Preferencialmente respostas que contenham frases de efeito. Excelente para cortes. Péssimo para a investigação da verdade. A verdade, não raro, é alcançada apenas pela reflexão silenciosa e lenta. Existem verdades que para serem acessíveis precisam maturar como vinho. A verdade, então, pouco tem a ver com a esgrima de palavras e muito tem a ver com o silêncio.
O que significa – para a condução do Estado – que um político se saia bem em debates? Absolutamente nada. O máximo que podemos concluir é que ele é um bom ator, possui bom domínio da retórica. Nada além. O mesmo vale para os debates “intelectuais” ou “ideológicos”. Esses debates, aliás, tal como os debates religiosos, são impossíveis porque violam uma regra básica do debate formal que é o ponto de partida em comum. As partes precisam partir de um conjunto de verdades com as quais ambos concordam e precisam estar em sintonia linguística. Ex.: Qual é a lógica de um debate teológico entre um católico e um muçulmano sunita? Nenhum. No máximo se pode provar, ao final, quem entende melhor a própria religião, mas nenhuma verdade religiosa é demonstrada pelo debate entre religiões diferentes.
A verdade passa longe disso. Temos aí apenas um espetáculo. As pessoas acompanham como se fosse um jogo de futebol, e todos saem com as suas convicções reforçadas. Ambos lados reivindicam vitória, seus fãs aclamam.
Podemos ir um pouco além para extrapolar do debate político eleitoral para o próprio modo de condução da coisa pública nos regimes liberal-democráticos.
Na democracia liberal a instituição nuclear é o Parlamento – ou seja, aquela assembleia na qual representantes eleitos do povo debatem sobre a produção de leis para solucionar problemas, responder a crises ou aprimorar as coisas. Na perspectiva liberal-democrática típica, o Executivo é apenas implementador de leis e o Judiciário é apenas aplicador de leis em situações contenciosas. O núcleo do Estado é o ordenamento normativo permanentemente produzido pelo Legislativo.
O parlamentares discutem, debatem e negociam, acreditando ser assim possível encontrar a melhor solução para os problemas nacionais. Mas aquilo que se dá no debate entre dois verifica-se também no debate entre todos. Nenhuma verdade é alcançada porque o debate parlamentar trata de “vantagens” e “desvantagens”, que envolvem desde garantir a satisfação de interesses pessoais até garantir uma reeleição, passando por trocas de favores, etc. Cada projeto de lei é, por isso, irreconhecível quando consegue ser aprovado: ele é rebaixado a um menor denominador comum para garantir o maior consenso possível e sofre infinitos enxertos. Apenas as leis irrelevantes são aprovadas com poucas dificuldades.
Agora imaginem essa condição do falatório sem sentido e sem direção em um momento de crise, quando a sobrevivência do país está ameaçada por alguma situação imprevista. Demanda-se uma solução rápida, mas ninguém pode oferecê-la, porque os faladores precisam discutir, negociar, debater, até chegarem a algum lugar. É daí que nascem várias das principais reflexões schmittianas sobre os problemas intrínsecos do liberalismo.
Afinal, tal como nos aproximamos da verdade pela reflexão silenciosa e podemos apresentá-la ao mundo através do diálogo ordeiro e respeitoso, a coisa pública só pode ser bem conduzida se acima do falatório se sobrepuser a ação decisiva de um Executivo forte aconselhado por especialistas indiferentes ao espetáculo retórico.