A Revolução de 30, chefiada por Getúlio Vargas, possui uma natureza única na história brasileira, como expressão de um processo revolucionário antiliberal liderado por forças conservadoras.
No dia 3 de outubro comemorou-se a Revolução de 1930, processo que culmina com a deposição de Washington Luís em 24 de outubro, e com a ascensão de Getúlio Vargas em 3 de novembro.
Esse processo, que extingue a República Velha e conduzirá eventualmente à ditadura do Estado Novo teve uma importância avassaladora sobre a construção do Brasil enquanto pátria e do brasileiro enquanto povo.
A cultura brasileira, como muitas culturas jovens surgidas entre o fim do Medievo e o início da Modernidade, viu-se afetada por aquilo que Oswald Spengler chamou de “pseudomorfose”. A pseudomorfose é o fenômeno no qual uma cultura vê o seu desenvolvimento interrompido ou atrofiado por causa da influência pervasiva de uma outra cultura mais antiga.
No caso brasileiro não se trata, porém, de maior “antiguidade”, mas de maior potência. A cultura ocidental (e aqui rompemos com Spengler na percepção desse “Ocidente” como estando unificado da Alemanha ao Canadá) não é muito mais antiga que a cultura brasileira, mas adquiriu uma capacidade de dispersão e penetração muito maior por causa do poder financeiro no qual essa cultura se apoia.
O Brasil da Primeira República se encontrava precisamente em uma condição pseudomórfica, carente de um desenvolvimento próprio, limitada à emulação da França e dos EUA. De fato, essa situação de pseudomorfose não se iniciou na República, e já no período imperial muito do que se fazia e pensava no Brasil carecia de autenticidade.
É apenas com a Revolução de 1930, portanto, que se retoma a tarefa de consolidação da pátria e do povo, com a costura da diversidade orgânica nacional em uma unidade transcendente fundada em símbolos e mitos conjurados a partir de nossa própria história; tarefa que só poderia ser executada, à época, por um ditador, ou seja, por uma figura cesarista que por meio de um ato de decisão se sobrepõe à normalidade legalista sustentada pelo interesse econômico.
Enquanto fenômeno histórico-filosófico, porém, é comum que haja dificuldades de classificação. Em geral, “revoluções nacionais” são as independentistas – não é o caso. Não foi, tampouco, uma “revolução socialista”. Também não foi uma “revolução liberal/burguesa” – apesar dos revolucionários se agruparem na “Aliança Liberal”, em termos ideológicos eram os seus adversários que estavam mais alinhados aos interesses liberal-burgueses da época.
Em geral, as dificuldades de categorização da Revolução de 30 e de sua culminação (o Estado Novo) deriva da pouca familiaridade que o debate intelectual brasileiro tem com categorias já clássicas na filosofia política como a da “Revolução Conservadora”.
A reflexão fundamental do pensamento “conservador revolucionário” (tal como ele aparece, por exemplo, em Moeller van den Bruck) é a de que toda politeia passa por processos orgânicos centrífugos e centrípetos, e que as sublevações dão-se não simplesmente por “conspirações” mas por causas praticamente naturais em momentos de decadência.
Os conservadores revolucionários empreendem, então, uma desvinculação entre o “conservadorismo” e a ideia de preservação do status quo e da “estabilidade” da ordem vigente. Ser “conservador” é sobre defender um certo “projeto” que se vincula não à ordem vigente, mas a valores que podem estar ou não encarnados na ordem vigente.
Nesse sentido, se os processos revolucionários são naturais e inevitáveis em determinadas circunstâncias, os “conservadores revolucionários” defendem que são os conservadores que devem se lançar à oportunidade de dirigir a revolução para impor o seu projeto – projeto este que sempre aponta para a ruptura com o liberalismo político e econômico, para a unificação popular e para a defesa de virtudes tradicionais.
A Modernidade, segundo os “conservadores revolucionários”, deveria ser depurada de seus elementos niilistas e burgueses, para que ela pudesse se acomodar ao próprio processo de desabrochar histórico orgânico do povo, para permitir a realização de uma verdadeira democracia popular, em que um povo formado por soldados-cidadãos participaria diretamente na construção da politeia sob a direção de um líder supralegal.
Em geral, os conservadores revolucionários creem em hierarquias baseadas na ação e na virtude, não na posse – razão pela qual eles giram, economicamente, em torno do corporativismo e do socialismo, mas sempre sob a égide de uma visão antimaterialista (em alguns casos, como o de Schmitt, com clara vinculação religiosa).
Pois bem, os dilemas com os quais os “conservadores revolucionários” lidaram parecem ser aproximadamente os mesmos com os quais lidaram Getúlio Vargas e os intelectuais dos anos 30 e 40, como Oliveira Vianna, Sergio Buarque de Holanda, Francisco Campos, Azevedo Amaral, Augusto de Figueiredo, ou ainda Octávio de Faria, Miguel Reale, etc – quais sejam, uma ordem liberal-burguesa engessada, uma cultura atrofiada e subalternizada, um materialismo desumanizante, uma luta de classes que ameaçava desintegrar o país, a necessidade de enfrentar grandes desafios geopolíticos, etc.
Vargas representou, também, o tipo de líder “cesarista” preconizado nos discursos tanto de Octávio de Faria sobre a figura do “príncipe” em Maquiavel, quanto de Spengler, como um homem da “política da força” que rompe a “ditadura do dinheiro”, ou mais precisamente de Schmitt, como encarnação da ordem constitucional no poder de decisão do ditador.
Mesmo a figura do “tenente”, autêntico protagonista da Revolução de 1930, está dotada da mística vitalista e militarista que é típica do sentimento antiburguês do “conservadorismo revolucionário”. O tenentismo como uma das principais bases sociológicas da Revolução de 30 a retira completamente das interpretações que tentam dar à revolução um caráter “liberal/burguês” ou “socialista (em sentido marxiano)”.
A partir do momento em que se compreende o caráter “conservador revolucionário” dos anos 30 e da Era Vargas fica mais fácil compreender também o seu significado histórico para a autoafirmação de uma identidade brasileira no seio de uma civilização ibero-americana – bem como da possibilidade e condições necessárias para uma retomada deste projeto.