Já vimos a demonstração de que patriotas de todo o mundo estão interessados na multipolaridade e recusam as tentativas ocidentais de isolamento da Rússia.
Os dias 26 e 27 de fevereiro viram, em Moscou, o que poderá ser considerado futuramente como o “Anti-Davos”, especialmente caso se confirmem os rumores de perpetuação desse evento.
A capital russa, conhecida em profecias e mitos como a “Terceira Roma”, recebeu centenas de representantes de mais de 130 países para duas conferências associadas que se deram em sequência: O Fórum Multipolar, ocorrido em 26 de fevereiro, e o Congresso Internacional dos Russófilos, ocorrida em 27 de fevereiro.
Os eventos tiveram como seus condutores e impulsionadores personalidades de alta relevância internacional como o empresário e filantropo Konstantin Malofeyev, o político e empresário Nikolai Malinov e o filósofo Alexander Dugin, com colaboração do Ministério de Relações Exteriores da Federação Russa. O empenho dessas forças (e, também, o árduo suporte de muitos jovens voluntários), garantiu que a hercúlea tarefa de coordenar convites, vistos, transportes, viagens e estadias de tantas pessoas vindas de tantas partes diferentes do mundo fluísse de maneira orgânica e eficiente.
Para a surpresa de muitos convidados, as atividades do Fórum Multipolar foram agraciadas com a presença da Porta-Voz do Ministério de Relações Exteriores da Federação Russa, a sra. Maria Zakharova (que também esteve presente no banquete de abertura, realizado na noite do dia 25 de fevereiro); enquanto a Conferência Internacional dos Russófilos teve como grande destaque o Ministro em pessoa, Sergey Lavrov, que além de saudar os convidados elogiando a sua disposição para o diálogo intercivilizacional e para o rechaço da russofobia, leu uma graciosa mensagem de saudação dirigida aos participantes pelo Presidente Vladimir Putin, que ressaltou o espírito de fraternidade entre os povos e o fracasso dos esforços de isolar a Rússia.
De fato, em meio a tensões militares e provocações antidiplomáticas, a confluência de representantes de tantos países diferentes em Moscou (muito mais do que em qualquer fórum ou conferência ocidentalista) comprova, categoricamente, que quem está cada vez mais isolado é o chamado “Ocidente Global”.
Algo, porém, que merece atenção, é o fato de que o evento foi construído de forma que ficasse evidente que a multipolaridade e os elementos de que se tratam ali não são mera defesa de descentralização econômica ou de equilíbrio geopolítico, mas da singularidade dos povos e civilizações, singularidade enraizada e solidificada em valores sagrados.
Daí a mensagem enviada pelo Protopresbítero Andrey Tkachev, pelo bispo católico Carlo Maria Viganò e o discurso do Xeque Imran Hossein, todos os quais enfatizaram o caráter metafísico dos atuais conflitos mundiais, ressaltando o tema do embate contra Satanás como a realidade profunda do conflito entre os povos do mundo e o globalismo.
A importância da fala de Alexander Dugin, uma das primeiras, esteve na maneira pela qual ele delineou a multipolaridade em processo de manifestação acelerada desde o início da operação militar especial russa na Ucrânia. Dugin apontou que a superação da unipolaridade não consiste no retorno à era dos Estados-Nações e os seus pequenos nacionalismos, mas sim a restauração imperial pela construção de Estados-Civilizações, usualmente de envergadura continental, e entre as quais se pode contar uma civilização russo-eurasiática, uma civilização africana, uma civilização sínica, uma civilização islâmica, uma civilização indostânica, uma civilização ibero-americana e uma civilização europeia.
Não se trata de nenhum reacionarismo, portanto, mas de uma autêntica superação dialética e revolucionária fundada nas condições objetivas do colapso do Estado-Nação diante do liberalismo cosmopolita do fim do século XX; situação que só poderá ser solucionada a partir da reestruturação das politeias em uma linha continental-civilizacional.
Nisso, Dugin foi acompanhado pelo grande acadêmico chinês, Zhang WeiWei, um dos pais do conceito de Estado-Civilização, e que explicou o papel também central da China nesses processos de transformação. O excelentíssimo militante pan-africanista Kemi Seba confluiu em sua altissonante voz as múltiplas vozes da África enquanto berço humano, ao mesmo tempo o continente mais rico e mais pobre do mundo. Com majestade típica, a Princesa Vittoria Alliata di Villafranca fez um elogio da compaixão e da coragem feminina, usando de exemplo a filósofa e jornalista Daria Dugina, assassinada de forma covarde e brutal em 2022 por terroristas ucranianos.
As atividades, depois, se seguiram com seções sobre a “Civilização Ocidental”, o “Sul Global” e a “China”, espaços nos quais interventores qualificados abordaram temas que vão desde a possibilidade de salvar a civilização ocidental, passando pelas preocupações e prioridades dos vários países do Sul Global e indo até o papel chinês na reestruturação internacional.
Este que vos escreve não esteve no evento apenas como jornalista, mas também como interventor e, nessa qualidade, discursou na seção do Sul Global sobre a fragilidade da América Ibérica diante do soft power dos EUA e a infiltração dos nossos territórios por ONGs e Fundações internacionais, que promovem o wokismo e corrompem a juventude ibero-americana. Nisso, mencionou-se a cooptação das esquerdas pelo Partido Democrata dos EUA e reafirmou-se figuras como Getúlio Vargas, Juan Domingo Perón e as ideias de raça cósmica e de civilização mestiça como paradigmas para a rediscussão do pensamento político ibero-americano.
Neste mesmo painel, destaca-se a grande preocupação dos delegados africanos também com o forte impulso, financiado pelo Ocidente, da agenda woke (e todas as suas pautas) dentro dos países africanos, a ponto de temas ligados a gênero receberem mais financiamento do que combate a males históricos como a AIDS e outros vírus.
O evento do dia seguinte, do Congresso Internacional dos Russófilos viu o fortalecimento do movimento antirrussofobia, com a difusão de escritórios e representações oficiais ao redor do mundo. Ademais, foi exibido um relatório das atividades desenvolvidas para garantir a ponte entre a Rússia e outros povos do mundo no âmbito da cultura, do idioma, etc. Destaque importante foi a indicação do estadunidense Jackson Hinkle como representante do Movimento Internacional Russófilo nos EUA, um encargo que naturalmente envolve altos riscos.
No dia em questão, houve ainda seções sobre guerra híbrida, valores tradicionais e a repatriação de russos, merecendo destaque o painel sobre valores tradicionais, que contou com uma presença majoritária de africanos, mas contou também com as palavras de europeus, ibero-americanos, russos e muçulmanos de várias partes do mundo, com destaque para as palavras do Xeque Imram Hossein que, novamente, colocou o centro do debate na religião para ressaltar que a ideia de “valores tradicionais” é vazia sem o reconhecimento da centralidade da religião.
Ao longo dos eventos, vários outros personagens se destacaram, como o deputado sul africano Mandla Mandela, neto de Nelson Mandela, o Ex-Ministro da Cultura da Venezuela Juan Miguel Días Ferrer, o herói e poeta cubano que passou 17 anos em uma prisão estadunidense Antonio Guerrero Rodriguez e vários outros.
Veremos frutos de curto e longo prazo dessas conferências.
No curto prazo, já vimos a demonstração de que patriotas de todo o mundo estão interessados na multipolaridade e recusam as tentativas ocidentais de isolamento da Rússia. No longo prazo, certamente veremos o aprofundamento das reflexões sobre a multipolaridade em um nível mais profundo, especialmente conforme essas conferências se perpetuem em eventos anuais e se desdobrem em outros eventos menores e iniciativas locais.