Uma confusão comum em relação ao pensamento do filósofo Epicuro é que ele defendia o hedonismo dissoluto e desregrado. Nada mais longe da verdade, o epicurismo é uma filosofia da moderação. O hedonismo urbano contemporâneo seria, precisamente, uma violação de todos os preceitos do epicurismo.
“Ninguém por ser jovem duvide de filosofar, nem por ser velho de filosofar se canse. Pois ninguém é jovem ou velho para a saúde da alma”. (Carta a Meneceu, 122)
Os processos conjunturais da história sempre convidaram certos homens para a nobre tarefa de pensar. A decadência, cuja lei espiritual íntima é que não há fundo a ser encontrado, ou seja, que sempre se pode decair mais, fez surgir certos faróis nas noites escuras da história. O dinamarquês Kierkegaard, por exemplo, escreveu em seu diário: “Há um pássaro (o osífrago) que é chamado de precursor da chuva. Eu também. Quando a tempestade começa a se formar sobre uma geração, aparecem as individualidades do meu tipo”. [1] Quando a comunidade se desfaz, quando o “nós” que galvaniza os laços humanos se fratura, sempre surgem tentativas de autopreservação. Isto aconteceu ontem e acontece hoje, embora com nuances muito diferentes.
Epicuro, nascido em Samos (Grécia) por volta de 341 a.C., faz parte dessa tradição que tenta fazer da filosofia uma remédio para a alma. A crise das cidades-Estado gregas, a quebra da tradição, o lento declínio da polis, incitaram certas consciências a tentar encontrar respostas para um dos grandes dramas do homem: o de habitar um mundo desencantado. Platão e Aristóteles defenderam com lucidez e autoridade da polis como quadro de referência para o desdobramento do potencial humano. O homem em isolamento deve ser um animal ou um deus, mas nunca um homem. Epicuro tentará recuperar, agora no coração da vida intrapessoal, aquela segurança que outrora era concedida pela comunidade cívica. Este novo suporte sobre o qual o homem deve encontrar sua felicidade é autárkeia, ou seja, poder sobre si mesmo, autossuficiência. O objetivo do trabalho de Epicuro neste sentido, então, era erguer uma ascese do prazer que, por sua vez, deve necessariamente ser interpretada como uma retirada do indivíduo para a única esfera do cosmos onde ele ainda pode encontrar segurança e sentido, a esfera intrapessoal. Como podemos ver, a política tinha sido deixada muito para trás. Esta experiência de impotência, este sentimento de viver em um mundo para o qual a própria presença não conta, gera como reação o cultivo da indiferença (ataraxia). Para Epicuro, viver não é mais, como Platão queria, “uma preparação para a morte”, mas uma adaptação à vida. Isto não é acidental, mas também está enraizado no fundo ontológico de sua filosofia, que é essencialmente sensorial e, portanto, tende a se desvincular das questões especulativas. Para Epicuro e sua escola, a filosofia torna-se uma tarefa estéril se não for orientada para a obtenção da felicidade.
Tendo estabelecido estas linhas propedêuticas, vamos então analisar a proposta epicurista conhecida como “tetrapharmakos” (τετραφάρμακος). Quatro são os grandes medos humanos que o filósofo de Samos desenvolve, entre outros textos, em sua famosa Carta a Meneceu, uma das poucas obras que foram preservadas ao longo do tempo e que resume sua concepção ética. Estes medos são: dos deuses, da morte, da dor e do fracasso (que, sem dúvida, se relaciona com o futuro). Epicuro foi inspirado por um antigo remédio usado pelos gregos, feito de uma mistura de quatro elementos naturais: cera amarela, resina de pinheiro, colofônia e sebo de carneiro. As propriedades medicinais desta pomada eram a purificação e a analgesia. Epicuro então dá forma a uma farmacologia para os medos. Vejamos:
- “Não é impiedoso aquele que rejeita os deuses do vulgo, mas aquele que imputa aos deuses as opiniões do vulgo. Pois as afirmações do vulgo sobre os deuses não são prenoções, mas falsas suposições”.[2] Os deuses não devem ser temidos, pois são seres divinos, de natureza diferente da natureza humana. Portanto, raiva ou ira são projeções antropológicas que são atribuídas aos deuses. Em qualquer caso, se eles existem, os deuses devem ser um modelo a ser imitado.
- “Acostume-se a considerar que a morte não é nada em relação a nós. Pois todo o bem e todo o mal estão na sensação; bem, a morte é privação de sensação. Daí decorre que o conhecimento correto de que a morte nada é em relação a nós torna alegre a condição mortal da vida”.[3] Epicuro mostra inconfundivelmente sua concepção sensorial da existência. Tudo está na sensação e, portanto, “o mais terrível dos males, a morte, não é nada em relação para nós, porque, quando somos, a morte não está presente, e quando a morte está presente, não somos mais”[4].
- O medo da dor, que Epicuro desenvolve em termos de tensão com o prazer, é para o filósofo de Samos um medo infundado, pois toda dor é, de fato, facilmente suportável. Se for uma dor intensa, sua duração será curta, enquanto que, se a dor for leve, apesar de sua possível longa duração, será fácil de suportar. Este princípio é chamado de “catastemático” e se relaciona precisamente com a prevenção da dor.
- “É preciso lembrar que o futuro não é totalmente nosso, nem completamente nosso, de modo que não o esperamos com total certeza como se fosse necessário, nem desesperamos como se não devesse ser de forma alguma”. [5] Dentro desta estrutura situacional, não faz sentido temer o futuro ou o fracasso, uma vez que o que acontece no futuro não nos diz diretamente respeito e, portanto, dificilmente poderíamos mudá-lo.
Até aqui, Epicuro e sua farmacologia diante dos grandes e eternos medos do homem. Neste ponto, e a fim de cumprir a promessa feita no título deste artigo, surge a seguinte questão: Pode esta concepção epicurista estar relacionada ao hedonismo contemporâneo? O primeiro ponto de ancoragem para uma possível resposta pode ser encontrado no próprio filósofo de Samos, que, aparentemente com zelo responsável por sua doutrina, nos alerta para possíveis distorções da mesma. Epicuro escreve:
“(…) Quando dizemos que o prazer é o fim, não falamos dos prazeres dos dissolutos ou daqueles que residem no gozo prazenteiro, como acreditam alguns que ignoram ou discordam ou interpretam mal a doutrina, mas de não sofrer dor no corpo ou perturbação na alma”.[6]
O termo “dissoluto” nos parece ser uma definição precisa do homem contemporâneo. Um dissoluto, de acordo com sua etimologia latina dissoluto, é aquele cuja natureza responde à dissipação, aquele que dissolve o essencial das coisas. Um dissoluto é um ser degradado em sua profunda humanidade. O hedonista contemporâneo responde a um imperativo categórico: “deves gozar”. Esta exigência de prazer, que está relacionada ao império do consumo e da reificação do outro, mancha a vida e as relações humanas com a tinta viscosa de uma falsa autossatisfação. A este respeito, encontramos as palavras de Byung-Chul Han, que em seu trabalho A Agonia de Eros observa de forma lúcida:
“O corpo, com seu valor de exposição, é equivalente a uma mercadoria. O outro é sexualizado como objeto excitante. Não se pode amar o outro despojado de sua alteridade, só pode consumir”.[7]
O hedonista contemporâneo não teme os deuses, mas adora ídolos. Como disse o grande Dostoievski, a natureza humana não pode viver sem ser genuflexa e se não ajoelhar diante de Deus, ajoelha-se diante de outras coisas, pois a rigor não há ateus, mas idólatras. O mundo, sem encanto ou transcendência, não vale a pena o atraso na contemplação.
O hedonista contemporâneo não tem medo da morte porque ela é superficial e improdutiva, ou talvez ele tenha medo dela, ou ainda mais, ele tem em relação a ela um terror evitativo e, portanto, não só transformou cemitérios em prados artificiais, mas também esvaziou o culto dos mortos de seu conteúdo para impor o procedimento administrativo da cremação súbita e da pulverização das cinzas.
O hedonista contemporâneo também não olha a dor de frente, porque o sofrimento carece de sentido e não possui sequer o valor da oferta ou da purificação. Mesmo as novas pseudorreligiões inventaram um slogan em consonância com os tempos: “Pare de sofrer”.
Finalmente, o hedonista contemporâneo não tem medo do futuro, mas não porque “hoje sua aflição é suficiente para ele”, como ecoa o Evangelho, mas porque o hedonista de hoje só se interessa pelo curto prazo. Seu “carpe diem” não se refere a um carpir profundo no pomar do dia para capturar seu eco de eternidade, mas para espremer a única laranja que ele pode ver na gaveta.
O filósofo argentino Silvio Maresca dedicou horas frutíferas de estudo à subjetividade moderna e seu eco na sociedade contemporânea. Em sua prática de ensino ele repetia repetidamente que o sujeito moderno nasce vazio, é pensamento de pensamento e, portanto, no decorrer dos séculos, aumentará sua necessidade de completar o que ele não possui. Esta falta de limites do desejo resulta, por sua vez, em uma ilusão de plenitude. Esta é a pedra-chave do hedonismo contemporâneo, que o lúcido Schopenhauer também observou com um olho clínico: o instante do prazer é seguido pelo tédio.
O tédio é o núcleo latente do hedonista contemporâneo, do homem dissoluto, pois o que é o tédio, senão uma tristeza sem amor?
Notas
1- Kierkegaard. S. Diario íntimo. Ed. Santiago Rueda, Buenos Aires, 1955: p. 141.
2- Epicuro. Carta a Meneceo, 123-124. Traducción de Pablo Oyarzún (Universidad Católica de Chile).
3- Ibídem, 124.
4- Ibídem, 125.
5- Ibídem, 127.
6- Ibídem, 131.
7- Byung-Chul Han. La agonía del Eros. Ed. Herder, Barcelona, 2014: p. 23.
Fonte: Kontrainfo