Em 2016, foi publicado um ensaio que não só revelou que os progressistas acreditavam que a América ainda era “conservadora demais”, como também mostrou que a esquerda liberal estadunidense declarava estar até agora — apesar de todas as suas vitórias constantes — em uma mera “postura defensiva”, e que deveriam partir para o “ataque” agora. E qual foi a reação dos conservadores mainstream? Revisar suas estratégias? Partir para a ofensiva contra o liberalismo progressista? Não, pelo contrário, a reação foi “dialogar”! “Não, tudo bem, não precisamos lutar contra o liberalismo. Em vez disso, vamos simplesmente voltar a um ‘liberalismo melhor’.” Pode parecer piada, mas afinal, o que não é uma piada na realidade política ianque?
Patrick J. Deneen
17 de Novembro
Pouco antes da eleição geral de 2016, o acadêmico constitucional Mark Tushnet escreveu um ensaio espantosamente ousado que clamava pelo fim daquilo que ele chamou de “Constitucionalismo Liberal Defensivo”. Antecipando uma fácil vitória de Hillary Clinton e uma mudança iminente na composição da Corte, ele pediu por uma jurisprudência revolucionária que agressivamente derrubasse detestáveis precedentes conservadores (ou até mesmo classicamente liberais); declarou que a “guerra cultural” havia sido incondicionalmente vencida pela esquerda progressista; e insistiu que os progressistas deveriam, portanto, governar de acordo com tal cenário — tratando seus inimigos conservadores com “mão firme”, tal como os aliados fizeram “na Alemanha e no Japão em 1945.”
Esse ensaio explodiu como uma bomba para a direita, e talvez inadvertidamente tenha contribuído a motivar conservadores que estavam em cima do muro a decidirem por fim em votar no Trump. Mas, mais notavelmente, o ensaio mostrou que, entre os progressistas que ocupam as posições de liderança em instituições de elite como a Escola de Direito de Harvard, ainda havia um sentimento de frustração com a velocidade demasiado lenta do “progresso” social e político. Essa impaciência foi a revelação mais impressionante do ensaio — tornou-se claro que os progressistas não só queriam tratar seus concidadãos como fascistas derrotados, mas que em pleno 2016 eles acreditavam que a América ainda era conservadora demais!
A frustração transbordou apesar da notável sequência de vitórias progressistas em todos os âmbitos do cenário político, começando com Roe, continuando com Casey, avançando com Windsor e culminando em Obergefell. Mais ainda — mesmo depois do “triunfo” da jurisprudência conservadora com as designações de Donald Trump — conservadores sociais sofreram outra derrota em Bostock, cuja decisão foi escrita por Neil Gorsuch, um juiz “Originalista” escolhido a dedo. Muitos conservadores começaram então a perceber que, apesar das vitórias eleitorais aparentes que têm ocorrido regularmente desde os tempos de Reagan, eles têm constantemente perdido, e perdido esmagadoramente para as forças progressistas.
O ensaio de Tushnet foi mais uma confirmação de que os progressistas têm uma visão bem clara de aonde eles querem chegar. Dizer que o que eles já alcançaram foi meramente resultado de um “liberalismo defensivo” foi uma revelação estonteante da ambição crua dos progressistas, que consideravam suas vitórias incontáveis até agora como meramente “defensivas”!! Imagine, então, quando eles partirem para a “ofensiva”!
Isso foi um alerta para os conservadores acordarem — mas eles escolheram apertar o botão soneca.
Em vez de despertar, Conservadorismo Inc. recuou para uma verdadeira “postura defensiva”, pedindo pelo retorno de um liberalismo “melhor”. Em vez de responder com uma visão alternativa de uma boa sociedade, o conservadorismo mainstream preferiu implorar — ao estilo Rodney King — “nós não poderiamos tentar entender um ao outro?”. Contra a ameaça de um progressismo descaradamente totalitário, o conservadorismo adotou a postura de John Rawls, pedindo ao outro lado para somente “colocar entre parênteses” qualquer ideia do Bem.
A assunção de uma “postura defensiva” soou natural para os “conservadores” americanos: afinal, essa tem sido a postura do conservadorismo americano desde sua ascensão no século XX. O conservadorismo do meio do século surgiu como uma resposta defensiva ao avanço acelerado do liberalismo. Ele começou como um esforço para defender o próprio liberalismo, o “bom” liberalismo construído em meados do século e atribuído aos Pais Fundadores e à Constituição, uma política baseada na invalidação de qualquer ideia do Bem na política e na economia. Essa postura atraiu amplo apoio e doações, levando à criação de incontáveis instituições dedicadas à proteção do “bom liberalismo”. Esse foi um conservadorismo de postura defensiva, ocupando o espaço que até bem pouco tempo atrás era ocupado pelos seus oponentes.
Pense nas posições com que o conservadorismo americano mainstream gasta a maior parte de seu tempo e recursos defendendo hoje em dia:
- Liberdade religiosa
- Governo “limitado”
- A inviolabilidade de instituições privadas (ex.: corporações)
- Liberdade acadêmica
- “Originalismo” constitucional
- Livre Mercado
- Liberdade de expressão
Todas essas posições foram uma criação do liberalismo moderno precoce, pensadas de forma a derrocar uma visão de mundo predominantemente aristotélica / tomista. Cada uma dessas posições liberais representa um aspecto daquilo que Alasdair MacIntyre chamou de “a privatização do bem”. Cada uma foi desenvolvida como um aríete cujo propósito é demolir qualquer perspectiva de fundação de uma ordem social, política e econômica que — apesar de jamais perfeita — entendesse que a sociedade deveria ser organizada com o objetivo de avançar o telos (propósito) dos seres.
Cada um desses elementos do liberalismo é desprovido de conteúdo, essencialmente se resumindo em um “acordo para o desacordo”. Enquanto conservadores gastaram várias gerações denunciando a maldição do “relativismo”, sua posição efetivamente negou que a verdade objetiva tenha qualquer importância na ordem política. Como nós descobrimos, o desafio da esquerda não é o relativismo: eles sabem no que eles acreditam, e perseguem seu objetivo com determinação firme e inabalável. São os defensores do Conservadorismo Inc. que são os verdadeiros relativistas, promovendo um mundo em que o indivíduo é a única medida da verdade.
Diz-se que cada elemento do liberalismo é necessário por conta do fato do pluralismo. Ouve-se gente como David French e Rod Dreher invocando “o fato do pluralismo” como a parede impregnável que previne quaisquer eforços de se fazer valer leis autoritárias. Contudo, eles simultaneamente lamentam a ascensão de uma esquerda monolítica que não sente remorsos em violar o “fato do pluralismo.” Se você é religioso, que pena. Não há espaço para heresias na Igreja do Progressismo Americano. O Pluralismo só é um problema, um obstáculo, uma algema… para os conservadores.
A tradição aristotélica e tomista nunca negou o “fato do pluralismo”; ela negou, simplesmente, que as nossas diferenças devessem ser um pretexto para justificar a indiferença publica. O que para o liberalismo soa ser um regime decente e tolerante, aos olhos da tradição predecessora soa como nada mais que indiferença cruel, permitindo não só que vícios óbvios se proliferem, mas que desfrutem de aprovação pública implícita.
O liberalismo se tornou mais consistentemente agressivo em estender cada uma de suas características até sua conclusão lógica — a sua própria contradição sob a forma do totalitarismo liberal. A aparente neutralidade foi abandonada quanto o Aristotelianismo e o Tomismo foram derrotados decisivamente. Hoje o liberalismo exige afirmação positiva para tudo que antes era considerado um vício. Cada vez mais, progressistas direcionam sua artilharia pesada contra a família natural e qualquer visão de mundo firmemente enraizada em tradições religiosas (e, portanto, resistente ao abraço positivo da indiferença liberal).
Cada uma dessas inovações liberais, então, abriu espaço para a radicalização do liberalismo que nós vemos se desdobrar diante de nossos olhos. Pense no exemplo da liberdade acadêmica. A “liberdade acadêmica” foi a ferramenta usada para estripar os fundamentos religiosos de colégios e universidades ao redor da nação, dando prioridade aos pontos de vista de faculdade individual sobre a missão religiosa da instituição, e por fim substituindo o que era na maior parte das vezes uma religião Cristã pela nova “liturgia do liberalismo”. Não surpreendentemente, uma forma de liberdade abstrata desligada de uma ideia do Bem existente e compartilhada dentro da universidade está destinada a se transformar em uma demanda pela valorização de formas múltiplas de permissividade desenfreada — ganância, concupiscência, preguiça intelectual — que é de fato o que define os campus de hoje em dia. E, no entanto, são os assim chamados “conservadores” que acham que uma defesa da liberdade acadêmica irá preservá-los da agressão progressista. Eles pegaram algo que era uma espada liberal e, confusos, usam-na como se fosse um escudo conservador.
Portanto, a trajetória nacional dos últimos setenta e cinco anos tem sido uma de movimento contínuo rumo a formas cada vez mais extremas de liberalismo. O Conservadorismo Inc. tem estado desde o início à deriva nos mares turbulentos da liberdade individual irrestrita, inteiramente sujeito às correntes dominantes do liberalismo americano.
Alguns conservadores estão começando a perceber que a sua sequência de derrotas foi “cozida no bolo”. Tentar permanecer parcialmente liberal é como estar “um pouco grávida” – tal coisa não existe. A lógica interna do liberalismo leva inevitavelmente à evisceração de todas as instituições que tinham originalmente a responsabilidade de estimular a virtude humana: família, amizades enobrecedoras, comunidade, universidade, política, igreja.
Tais conservadores pós-liberais não são só alvo da ira dos progressistas, mas também dos “liberais clássicos”, assim chamados “conservadores”, que são talvez ainda mais agressivos que os progressistas em sua oposição a algo que possa competir com o liberalismo. Em grande parte, essa oposição surge porque os pós-liberais revelam a nudez do imperador: a profunda insegurança em meio às falhas incessantes dos movimentos conservadores. Ademais, o “conservadorismo do bem comum” acaba sendo um desafio para os seus confortos institucionais — empregos, sinecuras, status, escritórios maneiros em Washington. Apesar dos cidadãos do “Conservadorismo Inc.” se oporem à forma mais radical do regime liberal, sua oposição é intencionalmente desdentada — por exemplo, oferendo um flácido “originalismo” que consistentemente desvia para resultados liberais enquanto o outro lado ameaça sair de sua suposta “postura defensiva”.
Esses “conservadores” do establishment desempenham um papel crucial em sustentar o regime, e por isso servem como chapas úteis — “oposição controlada” — para os poderes por trás dos poderes — os oligarcas, as corporações, as elites financeiras. Esses poderes têm um interesse pessoal em apoiar o Conservadorismo Inc.