Nas narrativas históricas oficiais, o Japão subitamente atacou Pearl Harbor simplesmente por ser imperialista e odiar os EUA, sem qualquer motivação específica. A análise imparcial da história, porém, demonstra um longo histórico de expansão dos EUA no Pacífico, com o estabelecimento de um cerco total ao Japão, com embargos, boicotes, sanções, e ataques diplomáticos e econômicos, com o objetivo de arruinar a economia japonesa e afundar sua população na fome e na miséria. Pearl Harbor não foi ataque, mas contra-ataque.
Em 1920, os EUA haviam se tornado de longe o país mais rico do mundo, cuja força dominava grande parte do hemisfério ocidental, e se estendia cada vez mais para o leste. À medida que sua influência se expandia, os Estados Unidos apresentavam um sério problema para o Império do Japão, uma grande potência com suas próprias ambições territoriais.
Ao contrário do Japão, os EUA tinham acesso a algumas das áreas mais ricas em recursos do planeta, enquanto desfrutavam de uma segurança e alcance inigualáveis. Para justificar as reivindicações dos EUA em relação às Américas, os estadistas de Washington ocasionalmente invocavam os princípios há muito defendidos da Doutrina Monroe de 1823.
O presidente estadunidense Calvin Coolidge (mandato 1923-1929) disse, em uma declaração da Casa Branca de janeiro de 1927, que a Doutrina Monroe tem um “lugar distinto” na política externa estadunidenses – permitindo aos governos do país agirem como acharem melhor em países como a Nicarágua na América Central. O Presidente Coolidge informou ao Congresso em 10 de janeiro de 1927, “Os EUA não podem, portanto, deixar de ver com profunda preocupação qualquer ameaça séria à estabilidade e ao governo constitucional da Nicarágua tendendo à anarquia e pondo em risco os interesses americanos”.
Os fuzileiros norte-americanos voltaram a entrar na Nicarágua para remover qualquer “influência externa”. A Doutrina Monroe prevalecia com pouca disputa. No entanto, nas regiões do leste asiático e do Pacífico, atitudes muito diferentes estavam em voga. Uma “Política de Portas Abertas” existiu durante décadas em relação à China, o quarto maior país do mundo, o que permitiu a potências ocidentais, longe de casa, interferirem com os projetos regionais japoneses. Afinal, a China oriental está situada a apenas algumas centenas de quilômetros a oeste do Japão. No final dos anos 1920, havia também mais de 5.000 fuzileiros norte-americanos estacionados em solo chinês.
A Manchúria carregada de recursos, localizada no nordeste da China, constituía uma área terrestre que se tornou uma obsessão para os japoneses. Em 1931, a Manchúria estava sob ameaça não só dos nacionalistas chineses, mas da poderosa URSS que se aproximava nos horizontes a partir do norte. No início dos anos 30, a Manchúria era o lar de milhares de japoneses, muitos dos quais ganhavam a vida lavrando seu solo rico e fértil. A Manchúria era fundamental para as aspirações de Tóquio. Sem controle sobre a Manchúria, um território com mais do dobro do tamanho da França, o Japão seria relegado a um Estado inconsequente, sobrecarregado por uma população em constante crescimento.
Como explicou o autor americano Noam Chomsky, “a Manchúria permanecia independente do Kuomintang, mas as pressões nacionalistas chinesas pela unificação estavam aumentando. Ao mesmo tempo, a União Soviética havia expandido significativamente seu poder militar na fronteira da Manchúria, fato que não podia deixar de preocupar os militares japoneses. O Japão tinha um investimento substancial na Ferrovia da Manchúria do Sul e, com ou sem razão, considerava a Manchúria como uma fonte potencial extremamente importante de matérias-primas desesperadamente necessárias”.
Ao voltarem seus olhos para o mar, os japoneses estavam cercados por grandes inimigos: a Rússia soviética ao noroeste, a China ao oeste e sudoeste, os EUA ao sul. No final da década de 1890, os Estados Unidos estavam embarcando na conquista das Filipinas, um país insular situado a menos de 1.000 milhas ao sul do Japão. A captura das Filipinas pelos Estados Unidos foi um dos primeiros exemplos de seus empreendimentos imperialistas de água salgada, e infringia claramente a esfera de interesse do Japão.
Yasaka Takagi, especialista em história dos EUA, destacou que, “o maquinário de paz mundial é, em si mesmo, principalmente a criação das raças hegemônicas da terra, daqueles que são os maiores beneficiários da manutenção do status quo”. No início dos anos 40, a América, a Grã-Bretanha e a França Livre detinham o domínio sobre aproximadamente 70% dos recursos do mundo em 30 milhões de milhas quadradas de território. As potências do Eixo da Alemanha, Itália, Japão e Hungria – que supostamente estavam vencendo a guerra enquanto cruzavam o mundo – detinham o domínio sobre 15% das riquezas minerais do planeta, e um mero milhão de milhas quadradas de terra.
O ativista político americano, A. J. Muste, previu em 1941 “um novo Império americano” e que os EUA “serão a próxima nação a buscar o domínio mundial – em outras palavras, a fazer o que condenamos Hitler por tentar fazer”. Por muitos anos, a América esteve bem posicionada para a supremacia global. Entre as moscas na pomada estava o Japão, uma nação que constituía um obstáculo à hegemonia dos EUA sobre as lucrativas zonas do Pacífico e da Ásia.
Acordos foram lançados, como o Tratado Naval de Washington de 1922, formulados principalmente para reduzir o poderio japonês em suas próprias águas, deixando incólumes as capacidades estadunidenses e britânicas. Os termos alcançados tornavam o Japão uma potência imperial de segunda categoria. No entanto, Tóquio aderiria estritamente aos acordos de Washington até os anos 1920.
Isso foi reforçado com o Tratado Naval de Londres de 1930, assinado na capital inglesa, que mais uma vez comprometeu a liberdade naval japonesa nos mares que englobam suas margens. Com a Grande Depressão ocorrida no final de 1929, as contingências do Tratado de Londres foram amargamente ressentidas pela oposição no Japão; o que resultou em militaristas japoneses ganhando maior controle sobre a hierarquia civil do país, o que foi percebido como pondo em perigo a segurança nacional com suas estratégias pouco enfáticas.
A capitulação das entidades políticas de Tóquio em Londres durante 1930, além disso, “foi um grande estímulo ao movimento fascista” no Japão, como escreveu o historiador Masao Maruyama. A ascensão de elementos fascistas dentro do exército, foi um fator subjacente pronunciado por trás dos crimes de guerra cometidos mais tarde por soldados japoneses.
Pouco depois do tratado de Londres de 1930, políticos moderados no Japão foram assassinados, incluindo os primeiros-ministros Osachi Hamaguchi e Inukai Tsuyoshi; o primeiro morto por um terrorista de extrema-direita e o segundo morto a tiros por jovens marinheiros. Estes atos horríveis minaram deliberadamente a infraestrutura civil do país e representaram outro impulso para os militares japoneses da linha dura. A ascensão dos militaristas japoneses, juntamente com suas facções extremistas, foi uma consequência indireta do aumento das pressões ocidentais.
Analisando os desenvolvimentos, Chomsky observou que “parece claro que a recusa dos Estados Unidos em conceder ao Japão hegemonia em suas águas (ao mesmo tempo em que insistia em manter sua própria hegemonia no Atlântico Ocidental e no Pacífico Oriental) foi uma causa que contribuiu significativamente para a crise que logo irromperia”.
Em 24 de fevereiro de 1933, o Japão pegou o mundo de surpresa ao se retirar da Liga das Nações, uma organização fundada em 1920 cujo objetivo principal declarado era a manutenção da paz mundial. A Liga das Nações condenou incontornavelmente a ocupação japonesa da Manchúria, e mais tarde recomendou que Tóquio retirasse suas tropas e “restituísse o país à soberania chinesa”. Não eram mencionadas as políticas ocidentais que tratavam a China como um estado semicolonial.
Não houve conferências internacionais organizadas de modo a examinar as reivindicações estadunidenses ou britânicas no hemisfério oriental, muito menos na metade ocidental do planeta. As ações estrangeiras de Tóquio eram frequentemente retratadas no Ocidente como exemplos de “agressão japonesa”; assim como é recentemente “agressão russa” quando Moscou se move ao longo de suas fronteiras.
Os nacionalistas japoneses encaravam com crescente descontentamento a influência corporativa estadunidense infiltrada na China. Em 1931, o Japão foi ultrapassado pelos Estados Unidos como o maior exportador de mercadorias para a China. As exportações japonesas destinadas aos Estados Unidos também diminuíram drasticamente, em parte devido à Lei Alfandegária Smoot-Hawley de meados de 1930 – assinada nos Estados Unidos, que garantiu iniciativas comerciais protecionistas que ostracizaram Tóquio ainda mais.
Como o Japão era um Estado industrial avançado, prejudicado pela falta de acesso a matérias-primas, o declínio do comércio mundial foi uma catástrofe para Tóquio, agravada pela já mencionada Grande Depressão. O futuro Ministro das Relações Exteriores do Japão, Yosuke Matsuoka (que mais tarde se encontrou com Hitler e Stálin para discussões separadas) reclamou em janeiro de 1931 que, “nos sentimos sufocados ao observarmos as situações internas e externas. O que buscamos é o mínimo para os seres vivos. Em outras palavras, estamos buscando viver. Estamos procurando espaço que nos permita respirar”.
Em 18 de setembro de 1931, os japoneses invadiram a Manchúria com Tóquio prevendo a intervenção como crucial para a sobrevivência de sua nação. A Manchúria está nadando em riquezas; do carvão, ferro e aço, ao cobre, ouro, chumbo, tungstênio, etc. A Manchúria seria uma traqueia que permitiria ao Japão respirar um pouco mais facilmente.
Matsuoka perguntou: “Cabe aos Estados Unidos, que governam o hemisfério ocidental e se expandem pelo Atlântico e pelo Pacífico, dizer que estes ideais, estas ambições do Japão estão erradas?” Além disso, os japoneses viam a Manchúria como um mercado mais propício para seus produtos manufaturados, que em 1931 estavam em grande parte excluídos dos países ocidentais pelas tarifas da era da Depressão. Como um Estado comercial em rápido crescimento, o Japão tinha uma sede insaciável por combustíveis fósseis e outros depósitos minerais.
Em abril de 1934, Tóquio estava expondo uma “Doutrina Monroe japonesa” que “defendia uma missão japonesa na Ásia Oriental para alcançar paz e estabilidade em cooperação com a China, e criticava a intervenção das outras potências na China”. A versão japonesa da Doutrina Monroe tinha um escopo modesto em comparação com sua rival americana. Ainda assim, as aspirações de Tóquio causaram uma comoção em Washington e Londres, cujas elites sentiram que seus objetivos de longo alcance estavam ameaçados.
Durante o outono de 1939, o Secretário de Estado norte-americano Cordell Hull resistiu à negociação de um novo tratado comercial com Tóquio “a menos que o Japão mudasse completamente sua atitude e prática em relação a nossos direitos e interesses na China”. Em 26 de julho de 1939, Washington notificou formalmente Tóquio de que encerraria o tratado comercial nipo-americano de 1911. Isso entrou em vigor em janeiro de 1940, forçando os japoneses a desviar os olhos para a Indochina francesa e para “conquistar a independência” para as Filipinas.
Em julho de 1940, a administração Franklin D. Roosevelt atacou o Japão com um embargo ao combustível de aviação, que o Império não podia adquirir de nenhuma outra fonte – e em 27 de setembro de 1940, Washington decretou uma proibição total à sucata de ferro contra o Japão, quando Tóquio invadiu a Indochina francesa pelo norte, numa tentativa de reforçar seus ainda insuficientes recursos. Os atos de política externa do Japão eram conhecidos antecipadamente em Washington, com os estadunidenses tendo quebrado os códigos diplomáticos de Tóquio.
Em 19 de dezembro de 1940, Roosevelt aprovou US$ 25 milhões em ajuda ao vizinho do Japão, a China, no valor de mais de US$ 400 milhões hoje; enquanto em 11 de março de 1941, o presidente americano introduziu a Lei do Lend-Lease, um programa que fornecia material de guerra extensivo à China; e também a outros Estados com disposições hostis ao Japão, como a URSS, a Grã-Bretanha e a Holanda. Ainda mais grave, em 26 de julho de 1941 Roosevelt congelou os ativos japoneses em toda a América, em resposta ao movimento de Tóquio de ocupar a metade sul da Indochina francesa.
A política de Roosevelt era uma declaração de guerra econômica contra o Japão, com Tóquio privada de 9/10 de suas importações de petróleo, juntamente com 3/4 de seu comércio exterior. Devido às pressões americanas, o Japão ficaria sem petróleo em janeiro de 1943, a menos que invadisse mais Estados ricos em recursos. Washington estava de fato alimentando os incêndios belicosos do Japão, e Tóquio não precisaria de muita persuasão com seus fervorosos militaristas que ocupavam posições-chave de poder, como o General Hideki “Navalha” Tojo, primeiro-ministro durante grande parte da Segunda Guerra Mundial.
Chomsky elaborou que, “A causa imediata do ataque a Pearl Harbor foi o reconhecimento, pelos militares japoneses, de que era ‘agora ou nunca’. As potências ocidentais controlavam as matérias-primas das quais sua existência dependia, e estes suprimentos estavam sendo sufocados em retaliação à expansão no continente e a associação com a Alemanha e a Itália no Pacto Tripartite”.
Conforme a década de 1930 deu lugar à década de 1940, houve uma ampla campanha de propaganda para denegrir o Japão, estimulada por fontes governamentais e midiáticas dos EUA. Sem surpresas, havia uma contínua antipatia do público em relação ao Japão no Ocidente. Paul W. Schroeder, o historiador americano, observou que o motivo para isto em parte era “vender a guerra com o Japão antecipadamente ao povo estadunidense”.
Há muito tempo os estrategistas estadunidenses vinham planejando um conflito em grande escala com os japoneses. Em janeiro de 1932, o General Billy Mitchell, o “pai da Força Aérea dos EUA”, escreveu que “o Japão oferece um alvo ideal para as operações aéreas” e que suas cidades “construídas em grande parte de madeira e papel, formam os maiores alvos aéreos que o mundo já viu”.
Três semanas antes do ataque do Japão a Pearl Harbor, em 15 de novembro de 1941, o general americano George Marshall informou aos jornalistas, em uma “coletiva fora da agenda”, que as “Fortalezas Voadoras serão despachadas imediatamente para incendiar as cidades de papel do Japão. Não haverá nenhuma hesitação em bombardear os civis. Usaremos tudo”. Mesmo que Hitler se abstivesse de iniciar uma guerra europeia em 1939, é provável que um conflito mortífero tivesse irrompido em pouco tempo entre EUA e Japão, possivelmente desencadeando uma guerra mundial.
Fonte: Geopolitica.ru