A Colômbia está em caos, com manifestações tomando as ruas das principais cidades colombianas em protesto contra reformas neoliberais cuja implementação é exigida ela OCDE. Para compreender a real situação de nossos vizinhos e irmãos ibero-americanos, fora das fake news da mídia de massa, convidamos Juan Pablo Gómez, representante da Aurora Colombia, organização dissidente colombiana, para uma entrevista sobre as causas e o contexto dos protestos, bem como sobre a situação colombiana atual em geral.
A mídia brasileira está dando uma cobertura limitada e descontextualizada da crise política colombiana. Você poderia explicar resumidamente para nossos leitores brasileiros quais são as causas e motivos dos protestos?
Uma grande saudação para o povo fraterno do Brasil.
Muito tem sido “falado” sobre estas manifestações, mas pouco tem sido dito. Estas demonstrações foram o ponto de ebulição de um conjunto de problemas de anos anteriores que pioraram devido à má administração da pandemia causada pela COVID19. Há algumas semanas, o governo iniciou perante o Congresso da República o processo de um projeto de lei que buscava realizar uma reforma chamada “Lei de Solidariedade Sustentável”, um eufemismo para uma reforma fiscal agressiva, que aumentaria os impostos sobre a classe trabalhadora colombiana, ampliando a base tributária e forçando assim as pessoas que ganham apenas 290 dólares por mês a declarar renda (na Colômbia o salário mínimo é de 240 dólares), atualmente somente aqueles que ganham mais de 1.080 dólares por mês declaram renda. Eles também pretendiam tributar com IVA os produtos da cesta básica de bens, serviços públicos, serviços funerários e muitos produtos e serviços que até agora não eram tributados com este imposto. Até agora esta reforma já é prejudicial, mas no meio da atual pandemia, uma pandemia que já deixou centenas de trabalhadores e pequenos empresários locais em ruínas, não só é prejudicial como maligna. Além disso, há também planos de reforma do sistema público de saúde, do sistema de aposentadorias, etc., etc., etc. Tudo isso devido às recomendações (ou melhor, exigências) da OCDE, uma organização da qual a Colômbia é membro há um ano.
Tudo isso fez com que sindicatos, sindicatos produtivos e cidadãos em geral saíssem às ruas em 28 de abril de 2021. A explosão foi geral, cidades e vilas marcharam contra estas políticas econômicas, mas em cidades com altas taxas de desemprego foi muito mais forte. Em Bogotá, Medellín e Cali eles foram para as ruas e o confronto tornou-se direto. Em Cali, sobretudo os cidadãos, afligidos por uma crise econômica sem precedentes onde a pobreza e o desemprego abundam, tomaram as ruas e avenidas e iniciaram ações de resistência civil contra as forças policiais. Houve saques e ataques a bancos e lojas. A polícia respondeu de forma desproporcional, não apenas com o ESMAD (Esquadrão Móvel Antidistúrbios), mas também com a polícia de “Segurança e Vigilância” que usaram suas armas de fogo contra cidadãos desarmados. Os protestos se espalharam e até mesmo o Exército Nacional foi destacado para esta cidade.
Em 2 de maio, no quinto dia das manifestações, o Presidente Iván Duque anunciou que o projeto de reforma tributária seria retirado a fim de redigir um novo, e em 3 de maio, o Ministro da Fazenda Alberto Carrasquilla e sua equipe renunciaram. Entretanto, as manifestações não param e por hoje, 7 de maio, as marchas continuam em várias cidades do país. As ruas estão militarizadas e a repressão governamental é brutal, agindo como forças de choque que atacam qualquer civil que pareça “suspeito” causando mais de 37 mortes, centenas de feridos e detenções ilegais.
Quais são as forças políticas colombianas que estão participando ou apoiando esses protestos? E quais setores se opõem a eles?
Curiosamente, muitos partidos de esquerda e direita se opuseram a esta reforma. Mas, podemos dizer que eles são apoiados pelos partidos e movimentos independentes, pelos partidos de esquerda, alguns membros ou partidos de direita como o Partido Liberal e o Partido Conservador, os grandes sindicatos nacionais, as associações de profissionais de diferentes áreas, as associações agrícolas e de transporte, uma grande parte das universidades públicas e privadas e uma maioria de cidadãos. Embora a maioria deles tenha se distanciado das “ações violentas”.
Os setores que se opõem aos protestos são o partido do governo, o chamado “Centro Democrático”, dirigido por Álvaro Uribe Velez. Assim como as associações de banqueiros e grandes empresários. Eles são apoiados pelas Forças Militares e Policiais que vêem as manifestações como “subversão comunista”.
Você poderia traçar para nossos leitores, brevemente, um panorama da política partidária colombiana? Quais são as principais figuras e partidos políticos da Colômbia contemporânea e como eles se situam ideologicamente?
Na Colômbia todos os partidos são “do sistema”, não há partido que tente gerar uma ruptura com as políticas globalistas. Como os números são de Álvaro Uribe Velez, um político neoliberal de direita, a favor de políticas de livre mercado e globalistas (na verdade, ele é uma versão “suave” e não uniformizada de Pinochet), que vê o comunismo em qualquer movimento social e lidera o partido Centro Democrático. Na oposição está Gustavo Petro, um progressista, que embora rotulado de comunista é simplesmente um social-democrata liberal (ele votou a favor da Colômbia aderir à OCDE), ele lidera um partido chamado “Colômbia Humana”.
Há outras figuras da oposição como Jorge Enrique Robledo que lidera o partido “Dignidad” e foi um membro proeminente do Movimiento Obrero Independiente Revolucionario – MOIR, mas que suavizou sua posição e até traiu a manifestação e sentou-se para negociar com o governo a suspensão das marchas (sem ser porta-voz oficial); há também Camilo Romero, membro do partido centrista “Alianza Verde”, é o único membro da oposição que ainda apoia as manifestações e se recusa a sentar-se com o governo.
Dos outros é melhor não falar, todas figuras nefastas para nossa nação
De modo geral, a Colômbia costuma aparecer mais comumente na mídia brasileira (e internacional) por conta de eventos vinculados à Venezuela, às FARC e aos carteis do narcotráfico. Esses fatores permanecem atuais na realidade política colombiana ou não passam de estereótipos?
Eles estão em vigor, negar isso seria uma falsidade. Ao longo de sua história, a sociedade colombiana tem sido cercada por grupos guerrilheiros de extrema esquerda, paramilitares de extrema direita, cartéis de drogas e um número infinito de grupos a serviço das máfias do tráfico de drogas. Embora sua influência tenha diminuído, eles ainda fazem parte de nossa vida diária. De fato, o governo alega que essas manifestações são patrocinadas pela Venezuela, pelas FARC e pelo ELN e fazem parte de um plano organizado para estabelecer uma ditadura “Castro-Chavista” na Colômbia. Entretanto, podemos dizer que, devido a este eterno flagelo, os colombianos se acostumaram a viver sem “vê-los”.
Muitos grupos de tráfico de drogas estão próximos ao governo. De fato, meses atrás, um laboratório de processamento de cocaína foi encontrado em uma fazenda pertencente ao embaixador do governo colombiano no Uruguai, Fernando Sanclemente. Em algumas áreas do país as estruturas mafiosas são mantidas com grande influência sobre a população, seja pela força ou pela simples aceitação do fato de que esses grupos geram renda econômica para eles. Enumerar o número de grupos armados que ainda existem na Colômbia geraria uma longa lista, grupos que afirmam ser defensores das áreas em que estão presentes.
Podemos dizer que, embora nas grandes cidades esta influência não seja tão “evidente”, em setores mais remotos e áreas rurais muitas máfias ainda têm controle de áreas geográficas importantes, como é o caso de Catatumbo (Departamento do Norte de Santander), algumas áreas do Departamento de Cauca, grandes áreas no sul do Departamento de Nariño, o Bajo Cauca Antioqueño (norte do Departamento de Antioquia), o sul do Departamento de Córdoba, uma grande parte do Departamento de Chocó e uma área em Urabá Antioqueño (oeste do Departamento de Antioquia).
A Colômbia está dividida em 32 “Departamentos”, semelhantes aos “Estados”, mas com menos autonomia por ser uma República Centralista.
Como você acha que a situação política colombiana vai se desenvolver nas próximas semanas? Como sair dessa crise política?
Muito provavelmente, devido ao terrorismo estatal causado pelas execuções de manifestantes desarmados nas mãos da polícia e de grupos paramilitares, os cidadãos começarão a sair das ruas por medo de serem mortos. O governo está atualmente negociando com políticos que se “autoproclamaram” como representantes da manifestação, portanto é provável que os cidadãos sejam traídos e que estas políticas econômicas prejudiciais para os colombianos sejam aplicadas sob outro nome ou figura. Algo que sempre aconteceu na Colômbia.
Vale lembrar que é a OCDE que exige que o Estado colombiano faça alterações nos sistemas fiscais, nos sistemas de saúde pública e nas pensões.
A única saída é a Colômbia se retirar da OCDE, para recusar a aplicação de políticas econômicas globalistas que procuram minar qualquer aparência de soberania econômica. Mas, na realidade, isto é quase impossível, já que os políticos da oposição e do governo votaram a favor da adesão a esta organização.