Em 14 de novembro de 1831, faleceu o maior filósofo romântico na história mundial do pensamento, Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Se Platão foi o filósofo do começo, então Hegel e Nietzsche foram os filósofos do fim. Nesse sentido, Hegel foi o filósofo da síntese.
Tudo é a alteridade do Outro
A filosofia política de Hegel é muito complexa. Ela se baseia em seu quadro filosófico geral. Como vimos, toda filosofia sempre tem a possibilidade de eliciar uma dimensão política. Como Platão, Hegel em sua filosofia do direito faz esse gesto, pega toda a sua filosofia e a aplica à política, ou seja, ele explicitamente localiza o lugar da filosofia política no contexto de sua filosofia como um todo. Através da filosofia, ele explica a filosofia política, esclarecendo simultaneamente a política através de sua dimensão metafísica.
A esse respeito, Hegel é um filósofo clássico que implicitamente inclui a filosofia política. Nesse sentido, Heidegger estava absolutamente certo quando disse que se entendêssemos A Fenomenologia do Espírito, então poderíamos deduzir tudo o mais dela. Quanto à leitura, duas obras fundamentais de Hegel são habitualmente sugeridas: A Fenomenologia do Espírito e Filosofia do Direito.
A ideia básica de Hegel é que existe o Espírito Subjetivo primordial, o “espírito para si” (alemão: der subjektive Geist). Esse ponto coincide com a tese teológica sobre a existência de Deus – o Espírito Subjetivo é Deus para Si. Para se empregar para o Outro, este Espírito Subjetivo projeta a si mesmo no Espírito Objetivo (alemão: der objektive Geist), no qual ele se torna natureza e matéria, ou seja, o sujeito projeta a si mesmo no objeto.
Note a diferença fundamental aqui com a topologia cartesiana que predeterminou a estrutura da modernidade. Para Descartes, há um dualismo entre sujeito e objeto, enquanto Hegel tenta remover esse dualismo e superar o pessimismo epistemológico de Kant através da distinção entre matéria ou objeto e o Espírito. De fato, isso nada mais é do que um desenvolvimento do modelo kantiano do “eu sou” absoluto, mas tomado em um modelo dinâmico e dialético. Se Fichte foi uma reação a Kant, então Hegel é uma reação a Fichte, mas em constante diálogo com Kant e o cartesianismo.
Assim, Hegel argumenta que existe o Espírito Subjetivo que se revela através do Espírito Objetivo via alienação dialética. A Tese é o Espírito Subjetivo e a Antítese é o Espírito Objetivo, ou natureza. Portanto, a natureza não é natureza, pois, segundo Hegel, nada é idêntico a si mesmo, mas tudo é uma alteridade do Outro, daí o termo “dialética”.
O ciclo da partida e do retorno: o Espírito Absoluto
Em outras palavras, há o Espírito Subjetivo como tal que se projeta como a Antítese. E assim começa a história. Para Hegel, a filosofia da história é de significância fundamental porque a história nada mais é do que o processo de desdobramento do Espírito Objetivo que adquire, em um novo estágio, seu componente espiritual que jaz em sua essência. Mas o primeiro ato do Espírito Objetivo é esconder seu caráter espiritual, impersonar a matéria ou a natureza, e então, ao longo da história, essa alteridade do Espírito Subjetivo retorna, pelo homem e pela história humana, à sua essência.
Mas então esta é uma nova essência; isto não é mais o Espírito Subjetivo (o “espírito para si”) nem um “espírito para outro”, mas um “espírito em si”. Em outras palavras, o espírito retorna a si mesmo através de sua própria alienação. Assim surge o ciclo da partida e do retorno, sendo este último mais importante para Hegel do que a partida. A partida cria os pré-requisitos para o retorno, e o retorno, passando por todo o ciclo, retorna ao próprio Espírito Subjetivo, tornando-se o terceiro espírito – o Espírito Absoluto (alemão: der absolute Geist). Isto é, primeiro há o Espírito Subjetivo, depois o Espírito Objetivo, e então o Espírito Absoluto.
O Espírito Absoluto, segundo Hegel, se desdobra ao longo da história humana e avança em direção ao fim da história. O sentido da história é a realização do Espírito de si mesmo através da matéria. Primeiro o Espírito tem a si mesmo, mas não é autoconsciente, então ele começa a se realizar, mas não tem a si mesmo. A natureza em si e por si abriga os pré-requisitos da história porque é um elemento da história. Daí a história da religião, a história das sociedades e, como resultado do desdobramento do Espírito através da história, ele atinge seu clímax no fim da história, quando o Espírito está plenamente consciente de si e tem a si mesmo. Tese, Antítese, Síntese. Assim, a história está terminada.
Este é um quadro geral da filosofia de Hegel, que tem muitas nuances e complexidades. Assim, segundo Hegel, a história se move positivamente, mas este é um positivismo diferente daquele na filosofia da Grande Mãe. O começo titânico implica que no começo havia menos e então mais. Em sua leitura de Hegel, Marx removeu o Espírito Subjetivo e disse que há uma natureza autoperfeiçoadora. Assim, ele restaurou a filosofia da Grande Mãe, segundo a qual tudo cresce a partir da matéria e da natureza.
Mas Hegel não é Marx. Em Hegel, este crescimento, este processo, este movimento de baixo para cima se baseia no fato de que no começo houve um salto para baixo. Primeiro o Espírito salta e cai na natureza, e portanto a natureza começa a crescer, e a natureza não é tanto outra, mas é a alteridade do Espírito. A Antítese para o Espírito não é simplesmente seu oposto – pois ela própria também o é de forma removida. O conceito de “remover” (Aufheben) em Hegel é muito importante, pois a Antítese não destrói a Tese, mas a remove, a absorve, e então demonstra através da Síntese.
Portanto, a Tese não é absoluta, e a Antítese não é absoluta. Todas elas são dialeticamente dependentes. Apenas sua Síntese é absoluta, através da qual ocorre a remoção da Tese e da Antítese. Nesse sentido, a compreensão hegeliana da história como o desdobramento do Espírito acontece através de fases: há o Espírito Subjetivo (pré-histórico), o Espírito Objetivo, que se manifesta através da história, e finalmente o Espírito Absoluto, que se manifesta através da tensão superior da história, através da criação de uma espécie de pico cultural e sociopolítico, a pirâmide do Espírito, que finalmente se tornou o Absoluto.
Hegel e a ideia do Estado alemão
Onde a filosofia política se enquadra aqui? Claramente, em algum sentido, a história se torna política. Daí porque em Hegel há o conceito da evolução dos sistemas, modelos e regimes políticos como momentos de devir do Espírito Absoluto. A política é a cristalização da Síntese. A história política é o movimento do Espírito para se tornar Absoluto. A política é a história da absolutização do Espírito.
Hegel estabelece uma hierarquia entre diferentes formas políticas. Por um lado, esta é uma hierarquia evolutiva, pois cada regime é melhor que o anterior. Mas, diferentemente das ideias de Marx, esta evolução é ao mesmo tempo não apenas um reflexo da Antítese, e não é o desenvolvimento da matéria ou da natureza. Este é o distinguir do Espírito que estava originalmente inerente na matéria e na natureza. Consequentemente, não há materialismo aqui. Estamos lidando com um esquema complexo que combina a opção platônica (no começo havia Espírito, não matéria) e o modelo evolutivo (no qual começamos a considerar a história a partir da Antítese, o que lembra a ideia da Grande Mãe). Marx amputou a parte platônica, daí sua reinterpretação de Hegel em um sentido exclusivamente materialista. Mas Hegel é mais complexo.
Outro ponto importante em Hegel é como ele define o fim político da história, o pico do devir da história política e a expressão do Espírito Absoluto. Aqui Hegel diz algo interessante sobre a Prússia e o Estado alemão. Os alemães não tinham um estado, então historicamente não havia tal expressão. Assim, os alemães absorvem a lógica do movimento mundial, e o estado prussiano-alemão é a expressão do Espírito Absoluto. Toda a história é, portanto, um prelúdio para a formação da Alemanha no século XIX. Hegel disse que grandes povos são aqueles que têm ou um grande estado ou uma grande filosofia. Ele disse que os russos têm um grande estado, enquanto no século XIX os alemães não tinham estado algum. Consequentemente, os alemães devem ter uma grande filosofia – e então um grande estado.
O mais impressionante é que Hegel formulou a filosofia de um grande Estado alemão antes da Alemanha aparecer. Ele forjou essa teoria enquanto ele mesmo vivia em uma Alemanha fragmentada de principados que era tudo menos um estado poderoso e forte. Hegel montou a Alemanha, dotou-a de uma missão intelectual e criou, junto com Fichte e Schelling, o conceito idealista e romântico de estadualidade alemã como uma expressão do Espírito se tornando Absoluto. O pico e o fim da história, segundo Hegel, é, portanto, o Estado alemão.
Além disso, Hegel pensava que o sistema político mais otimizado é uma monarquia esclarecida dominada por filósofos hegelianos políticos, os portadores da Síntese de todo o Espírito mundial que reconhecem a lógica da história mundial. Hegel se considerava um profeta da filosofia, da humanidade e da Alemanha, e em certo sentido ele era um místico. Metodologicamente, a filosofia de Hegel era absolutamente racional, mas era irracional em suas premissas. Ele fundamentou a ideia de que a sociedade civil, a Revolução Francesa e a época do Iluminismo eram outro momento dialético na formação da monarquia esclarecida. A sociedade civil é aquela da qual a monarquia cresce e que a monarquia abolirá. Assim, Hegel era um monarquista místico que considerava a lógica da história como o caminho de diferentes formas políticas em direção à monarquia russa.
Não é surpresa que essa ideia foi tomada pelos fascistas italianos, especialmente na teoria do estado italiano de Giovanni Gentile, que era um hegeliano. Paradoxalmente, nem o fascismo nem o nazismo podem ser vistos como representantes do nacionalismo clássico. Nessas duas visões de mundo, havia certos elementos que não se deixam considerar como formas clássicas ou mesmo radicais do nacionalismo burguês europeu, porque neste caso a adição da instância hegeliana na forma do Espírito Subjetivo, e toda a metafísica da história que Gentile colocou nos fundamentos da teoria do fascismo italiano foram simplesmente hegelianismo aplicado à Itália.
Apesar de ele ser considerado um clássico da filosofia política, Hegel é um caso bastante complexo e composto. Sua filosofia política não espelha a ideologia da Terceira Via, e a teoria marxista foi construída sobre um hegelianismo metafisicamente truncado. Em outras palavras, o hegelianismo de “esquerda” se tornou a base da Segunda Teoria Política, e o hegelianismo de “direita” influenciou algumas das peculiaridades da Terceira Teoria Política. Além disso, a ideia hegeliana do fim da história foi retomada e aplicada ao modelo liberal por seu aluno, Alexandre Kojève, seu seguidor Francis Fukuyama e outros filósofos. Marx aplicou o “fim da história” ao comunismo, Gentile ao estado, e alguns filósofos hegelianos ao triunfo da ordem mundial liberal. Portanto, estes últimos disseram, a sociedade civil não é um prolegômeno à monarquia (como o próprio Hegel acreditava), mas o pico do desenvolvimento da civilização humana.
Essa ideia foi tomada como premissa por Francis Fukuyama, que empregou o termo “fim da história”. Esse termo era de importância fundamental para Hegel na medida em que marcava o momento final da conquista pelo Espírito de sua fase absoluta através da história, o momento dialético do retorno do Espírito a si mesmo, em si mesmo e para si mesmo – a Síntese.
Assim, podemos encontrar no hegelianismo todas as três ideologias clássicas da modernidade, mas isso não significa que o hegelianismo possa ser qualificado do ponto de vista de qualquer uma delas. Hegel é mais amplo do que todas as teorias políticas da modernidade e, portanto, não recai nelas. Consequentemente, no hegelianismo há aquilo que foi pilhado em fragmentos pelas três ideologias políticas da modernidade, bem como aquilo que não foi tomado, como a ideia do Espírito Subjetivo primordial que precede qualquer movimento para baixo. Esse elemento do salto platônico primordial, o Neoplatonismo, que então transita para topologias mais ou menos progressivo-evolutivas, nos permite nos abster de classificar Hegel como um dos filósofos ou filósofos políticos da modernidade, porque, como vimos, o paradigma da modernidade não pressupõe qualquer componente material prévio.
Uma leitura não liberal, não marxista e não fascista de Hegel nos permite revelar seus componentes para uma alternativa à modernidade e integrá-lo na Quarta Teoria Política. Através dessa operação, movemos Hegel da época da modernidade na qual ele viveu e pensou para outro contexto. Este é outro Hegel, outra filosofia política de Hegel na qual o foco está no salto platônico para baixo. Essa parte de sua filosofia não teve, e de fato não poderia ter recebido encarnação política no quadro do paradigma da modernidade. No entanto, ela pode encontrar expressão no contexto da Quarta Teoria Política.
Fonte: Alexander Dugin
Tradução: Augusto Freddo Fleck








