O campo de batalha do século XXI estendeu-se enormemente do tradicional e “real” para o império invisível de dados, algoritmos e infraestrutura.
Assim como os impérios do passado controlavam rotas comerciais, os poderes de hoje também buscam dominar as paisagens digitais. As conexões que outrora pensámos serem progresso são agora reveladas como um colonialismo renascido. E se a Ibero-América não construir os seus próprios sistemas, estará a render não apenas a sua privacidade, mas a sua própria capacidade de pensar, governar e resistir.
Em números abrangentes, aproximadamente 80% dos serviços de armazenamento em nuvem da região são controlados por provedores estrangeiros ligados aos EUA, como Google e Amazon. Mais de 90% de tudo o que os ibero-americanos pesquisam online é feito através do Google, e contra as centenas de Centros de Dados Hiperscale internacionais, nós possuímos apenas dois.
Os riscos mais iminentes desta dependência manifestam-se na extraterritorialidade de dados, onde a informação é indiscriminadamente acessível através de mecanismos como a Lei Cloud dos EUA, que concede ao governo ianque acesso total a qualquer dado armazenado pelas suas empresas domésticas — incluindo os de cidadãos e empresas de outros países.
Há também o risco perpétuo de sanções de serviço, onde inúmer de áreas dependentes de tecnologia estrangeira poderiam simplesmente ser desativadas, como foi o caso com serviços russos que perderam acesso aos sistemas AWS/Azure durante a guerra na Ucrânia.
Além disso, a excessiva dependência de tecnologia produzida no exterior coloca-nos em permanente dependência dos vieses tecnológicos das potências imperialistas. Uma forma de controle que pensadores como o russo Alexander Dugin e o chinês Yuk Hui definem não apenas como uma imposição de infraestrutura, mas como limites epistemológicos ao nosso desenvolvimento.
“A dependência de infraestrutura digital estrangeira é o novo colonialismo. Estados que não controlam os seus sistemas técnicos permanecem colónias de dados, mesmo que nominalmente independentes”, enfatiza o filósofo chinês.
A soberania digital é, portanto, uma necessidade urgente. Ela representa o campo de batalha geopolítico mais ativo para alcançar a multipolaridade, conectando as capacidades administrativas, económicas e militares de todas as nações.
A China e a Rússia são exemplos convincentes a considerar neste movimento. A Rússia, apesar de sofrer sanções ocidentais em certas áreas tecnológicas, reduziu drasticamente a sua dependência de cibersegurança através de investimentos em leis locais de dados, sistemas de roteamento como o Runet, e substituindo mecanismos ocidentais como o Google pelo Yandex.
A China alcançou objetivos semelhantes, mas com passos mais significativos na redução das dependências de importação através de subsídios de milhares de milhões para a fabricação de tecnologia doméstica. Bloquear o acesso a serviços ocidentais e regular rigorosamente o conteúdo online acessível fortalece ainda mais o seu caminho em direção à soberania cultural digital.
A AGESIC (Agência de Governo Eletrónico e Sociedade da Informação e do Conhecimento) do Uruguai já demonstra, pelo menos em alguma escala, que tais medidas são possíveis na nossa região — embora ainda permita uma abertura arriscada ao acesso de dados.
O caminho a seguir parece residir na cooperação regional para criar uma infraestrutura crítica soberana, com data centers e satélites ancorados em fortes subsídios estatais, enquanto se focam em parcerias direcionadas com atores que já alcançaram uma soberania digital radical.
Isto também requer superar controvérsias e sanções estrangeiras, estar preparado para bloquear o acesso de agências internacionais e regular estritamente a presença de software, hardware e conteúdo que minam os esforços soberanistas e o próprio pensamento.
Fonte: Sovereignty








