No aniversário de Alexandre, 21 de Julho, rememoramos seu legado através do épico cinematográfico de Oliver Stone.
A tela rasga-se, e o tempo perde o controle. Stone oferece não um filme no sentido convencional, mas uma procissão de visões marchando em compasso com as marteladas do destino. Alexandre (2004) começa no crepúsculo azul da Macedônia, onde um menino com cabelo de leão sonha através de colunatas de pedra, já escolhido por estrelas e serpentes. Sua mãe Olímpia sopra divindade em seu ouvido, falando de linhagens que remontam a Zeus e Aquiles. O Rei Filipe II — pai de Alexandre, de um olho só, voz trovejante, impulsionado por um apetite igual ao dos deuses — treina o menino na conquista e na suspeita, construindo uma base talhada em trauma e triunfo. A tríade familiar explode a cada olhar, a cada abraço, a cada profecia. As sombras das ambições de Filipe estendem-se pela terra, mas Alexandre as recolhe e converte as sombras em combustível. Através das areias de Pela, o destino caminha de mãos dadas com a profecia. A voz de Ptolomeu, antigo companheiro de Alexandre, envelhecido e refletindo a partir dos cofres dourados do Egito, dobra a história em lembrança sagrada. Na textura dessas memórias, a tela arde com a poeira da origem e o perfume do sopro imperial.
Stone mergulha em Gaugamela como um sacerdote no fogo. O exército persa estende-se infinitamente, lanças reluzentes como ondas de vidro polido, tambores sacudindo o ar com trovões. Alexandre — febril e destemido — avança montado até as fauces desta tempestade de aço com um plano moldado como poesia. Sua cavalaria avança num amplo arco, cortando o centro da defesa de Dario como se o próprio tempo cedesse ao ímpeto grego. A câmera torna-se participante: correndo entre cascos de cavalo, tempestades de flechas e a força moedora da falange contra carros de guerra. Dario foge, Alexandre avança, seus olhos nunca vacilam. A Babilônia abre seus braços, e o conquistador entra como filho e sol. Ele adentra o templo de Marduk, e os sacerdotes oferecem-lhe títulos criados em fogo ancestral. Cada passo aprofunda o mito. Colin Farrell canaliza mais que um personagem; ele torna-se o vaso de um anseio esticado até seu limite cósmico. Cenas na Babilônia cintilam com ouro e intoxicação. Festas suntuosas, teatro político e rituais privados desenrolam-se sob a luz das tochas. O poder cerca Alexandre, mas seu olhar aponta mais longe, sempre mais longe.
Alexandre emerge não como governante, mas como eixo. Seu ser transcende categorias. O Super-Homem de Nietzsche respira em cada ato. Ele molda seu mundo numa nova forma através do movimento, da visão e da recusa da imobilidade. Alexandre ergue cidades com um olhar e funde civilizações com gestos. Seu amor por Heféstio brilha com fogo sagrado: igual, completo e livre dos limites da ordem. Roxana, feroz e tocada pela chama, acrescenta-se a esta constelação divina. Através dela, o selvagem Oriente beija o ansiante Ocidente. Cada união afirma expansão, multiplicação e intensificação. O filme segue Alexandre através de tensões políticas, soldados amotinados e debates filosóficos. Sua corte enche-se de vozes, mas sua clareza permanece. As cenas na Báctria e na Sogdiana são preenchidas por neve, silêncio e lealdades cambiantes. Através de tudo, a vontade de Alexandre permanece intocada. Ele conduz campanhas como se pintasse um mural ao longo da espinha do mundo. Seu generalato funde lógica e fogo. Sua alma alimenta-se de visão e beleza. Através da lente de Stone, testemunhamos o Super-Homem moldando o mundo através de um tornar-se incessante.
O ponto central do filme reside no sonho de Alexandre: um império eurasiático nascido da síntese, não da conquista. Seu desejo excede a fome dos reis. Ele busca um reino onde Oriente e Ocidente movam-se no mesmo ritmo. Ele casa-se com Roxana não para reivindicar, mas para unir. Ele eleva oficiais persas, celebra ritos zoroastristas e ensina grego a crianças nascidas em Cabul e Persépolis. Em Susa, ele organiza casamentos em massa entre soldados macedônios e mulheres persas: um rito sagrado de fusão. Sua voz fala através de tradutores, suas leis abrangem desertos e rios. Ele vislumbra Alexandria em todas as direções: Alexandria no Oxus, Alexandria Escate e Alexandria junto ao Indo. Seu sonho brilha como um fogo visível tanto do Partenon quanto do Himalaia. A jornada até a Índia corporifica esta busca em forma física: uma expedição rumo à borda do mundo que traz terreno, clima e linguagem para um confronto extático. Através de selvas e por planícies inundadas, elefantes investem, e tambores de cadência desconhecida reverberam pelas árvores. Os olhos de Alexandre brilham através da chuva e da doença. Ele caminha mais longe do que qualquer mapa permite.
As sequências posteriores na Babilônia ganham peso metafísico. Heféstio morre, e Alexandre desaba em luto. A pira funerária eleva-se aos céus, coroada de chamas, e o silêncio inunda o palácio. Nesse silêncio, o legado fala. Um homem feito para o infinito não pode desaparecer. Ele convoca seus generais e proclama unidade, força e continuação. Seu corpo enfraquece, mas seu espírito se intensifica. Nos dias finais, ele comanda a partir de um leito, a voz ainda cheia de aço. A tela estremece com incenso e luz dourada. Ele não nomeia um único herdeiro. Em vez disso, ordena que o destino continue através da força. O palácio enche-se de ambição e vozes infundidas de chama. Lá fora, os alicerces da civilização helenística estendem-se em direção à África, Índia, Cítia e Arábia. No Egito, seu túmulo reluz com serenidade divina. Através de Alexandria, o pensamento alça voo. Através das províncias orientais, comércio e mito entrelaçam-se. Alexandre não termina; ele passa à forma.
Oliver Stone canaliza esta visão com reverência e fúria. Ele forja uma escritura cinematográfica, vasta e transbordante de movimento. Alexandre não oferece segurança; exige assombro. A música pulsa como um batimento cardíaco extraído das montanhas. As cores sangram umas nas outras como a mistura de culturas. Da Macedônia ao Indocuche, cada quadro afirma magnitude. A alma faustiana de Spengler alimenta cada movimento: o impulso de ir mais longe, de escalar, de cruzar, de fundir. Alexandre nunca duvida, nunca pausa, nunca recua. Ele torna-se o veículo da maior fusão da história. Neste filme, ele ergue-se não como memória, mas como futuro. Seu sonho da Eurásia vive novamente, agora através da tela e da palavra. Neste dia de seu nascimento, Alexandre oferece ao mundo moderno um espelho, não do passado, mas do possível.
Fonte: Eurosiberia
Tradução: Augusto Fleck