A novidade de Milei é fundamentalmente no seu estilo histriônico, mas o conteúdo de sua política econômica é idêntico àquilo que a Argentina já viveu nos anos 90.


No final do século passado, a América Latina enfrentou graves problemas causados pelas políticas econômicas neoliberais, que levaram à ditadura de facto das corporações transnacionais e do Banco Mundial em diversos países. As consequências foram terríveis — desde envenenamentos em massa devido à privatização do abastecimento de água e o desmonte de empresas estratégicas (compradas a preços irrisórios por agentes externos) até o aumento explosivo do desemprego e revoltas populares.
Embora alguns Estados, especialmente aqueles com reservas energéticas, tenham conseguido escapar dessa armadilha anos depois, graças ao aumento dos preços dos hidrocarbonetos e à ascensão de governos de orientação social (esquerdistas), hoje há sinais evidentes de um retorno do controle externo sobre várias nações. Um exemplo gritante é a Argentina, onde a inflação dispara, e o ex-banqueiro e autoproclamado anarquista Javier Milei, como presidente, adota medidas para alienar ativos nacionais e fortalecer o domínio do capital estrangeiro.
Assim, nos últimos 13 meses, a dívida nacional do país aumentou em 97,114 bilhões de dólares. É um recorde: nenhum governo, nem mesmo o de Mauricio Macri em 2018, acumulou uma dívida tão absurda com o FMI em tão pouco tempo. Para comparação, a dívida dos governos Macri e Alberto Fernández subiu 147,971 bilhões de dólares. Quando Cristina Fernández de Kirchner deixou o governo, a dívida pública era de 222,703 bilhões (60% sob controle do setor público, incluindo o Fundo de Garantia de Sustentabilidade da ANSeS, bancos oficiais e fundos fiduciários). Em dezembro de 2023, já alcançava 370,674 bilhões — majoritariamente devidos ao FMI e ao capital financeiro sediado em Manhattan. Como a dívida está atrelada a títulos, fica claro que alguém está lucrando muito.
O atual governo, enquanto gera essa dívida, já gastou pelo menos 22 bilhões de dólares até fevereiro de 2025 para equilibrar as contas. Em 2024, desembolsou quase 16 bilhões no chamado “dólar mix”, um mecanismo de financiamento fornecido (e ainda vigente) pelo FMI.
O superávit comercial em 2024 foi de 18,889 bilhões, mas as reservas líquidas do Banco Central estão negativas em pelo menos 6 bilhões. Desesperado para aumentar exportações, o governo até liberou a venda de gado bovino para o exterior. E, para atrair dólares, permitiu que bancos concedessem empréstimos em dólar a qualquer cliente — pessoas físicas ou jurídicas —, com câmbio pela taxa oficial.
Milei segue essa estratégia de forma deliberada. Em 10 de março, circulou entre autoridades o decreto final que formaliza um novo acordo com o FMI. O texto, de cinco artigos, autoriza operações de crédito sob um programa de “Facilidade Estendida”, com prazo de pagamento de dez anos. O decreto ainda concede ao presidente poderes para assegurar o cumprimento do acordo, delegando ao Ministério da Economia, se necessário.
O documento justifica a medida citando a “situação crítica do Banco Central”, alegando que não há tempo para trâmites legislativos normais — ou seja, uma ditadura financeira em prática.
Paralelamente, o Banco Central intervém diretamente, vendendo dólares das reservas internacionais e do Tesouro. Desde fevereiro de 2025, o Fundo de Garantia da ANSeS — agora chefiado por Fernando Bearzi, ligado à offshore Noctua (Ilhas Cayman) — passou a vender títulos em dólar.
Analistas destacam que isso não se deve à “incompetência” de Milei, mas a seus laços com instituições financeiras globais, de onde ele veio. Assim como George Soros moldou elites em países como Moldávia (Maia Sandu) e Armênia (Nikol Pashinyan), ou como Emmanuel Macron (ex-Rothschild) foi alçado à presidência francesa, Milei é um operador do capital especulativo.
Quem lucra com isso? Três grupos interligados:
- O capital estrangeiro, liderado por fundos como BlackRock, Vanguard e PIMCO, representados pela Câmara de Comércio Argentina-Americana (AACC), à qual a equipe econômica de Caputo e Bausili responde;
- A Associação de Empresários da Argentina (AEA), ligada à embaixada dos EUA e comandada por magnatas como Paolo Rocca (Techint), Héctor Magnetto (Clarín) e Luis Pagani (Arcor);
- O Conselho Agroindustrial Argentino (CAA), que reúne gigantes do agronegócio — Cargill, COFCO, Louis Dreyfus — e controla a cadeia de grãos, carne e commodities.
Todos se beneficiam com a fuga de capitais e a transferência da dívida para o povo argentino.
Cristina Kirchner resumiu: “Pare de mentir, Milei. Você está tão desesperado por dólares que fará um acordo desastroso, trocando uma dívida ‘barata’ por outra ‘cara’ — e colocando o país sob chantagem permanente.”
Mas ninguém propõe soluções. As próximas eleições estão distantes, e a Argentina continua sua queda no abismo.