O Partido Ba’ath sírio morre com o fim do governo Assad e com ele desaparece o social-nacionalismo árabe, a última ideologia de Terceira Teoria Política a governar um país.
Com a renúncia de Bashar al-Assad, findou também a história do Partido Ba’ath, o ousado projeto social-nacionalista e pan-arabista nascido há pouco mais de sete décadas. Os terroristas salafistas puseram o partido governista na ilegalidade imediatamente após tomarem Damasco, de modo que mesmo que haja eleições no futuro, o partido majoritário até então não poderá disputar.
O ba’athismo representa um exemplo típico das variações terceiro-mundistas da Terceira Teoria Política. A inspiração teórica é tomada diretamente das mesmas fontes identitárias e sindicalistas revolucionárias das ideologias europeias de “terceira posição”, com destaque específico também para a influência do historicismo spengleriano.
Nos termos de Michel Aflaq, Zaki al-Arsuzi e outros dos primeiros teóricos do Ba’ath, o partido funcionaria como vanguarda revolucionária com o objetivo de tomar o poder, estabelecer uma ditadura e promover a iluminação dos árabes, sem consideração pelas fronteiras nacionais contemporâneas, interpretadas como artificiais.
O Ba’ath, portanto, objetivava a construção de um Estado unitário agrupando todos os árabes, da Mauritânia até o Golfo, como uma única nação árabe, sob um único líder, à frente de um único partido, com o elo entre todos sendo a língua árabe, elemento definidor de sua identidade. A economia da nação árabe deveria ser planificada, com o Estado cuidando diretamente dos setores estratégicos e das iniciativas que, por natureza, deveriam ser de larga escala. Outra característica fundamental do Ba’ath é sua defesa do secularismo. Apesar dos fundadores do Ba’ath terem sido cristãos, eles acreditavam que o Estado deveria ser absolutamente indiferente em relação às questões religiosas.
Na prática, porém, apesar do internacionalismo pan-arabista e do rechaço pelas divisões nacionais, étnicas ou religiosas, o Ba’ath sofreu com a tribalização que é típica dos povos árabes.
Tendo nascido como um único partido unificado com uma seção na Síria e uma seção no Iraque, as duas seções se dividiram após o golpe de Estado dos militares ba’athistas contra o governo ba’athista da Síria em 1966. Eventualmente, o Ba’ath iraquiano daria um golpe em 1968, chegando ao poder naquele país.
Vários golpes depois, em ambos países, levaram à ascensão respectivamente de Hafez Al-Assad e Saddam Hussein. Ambos impuseram uma dimensão fundamentalmente personalista no seu ba’athismo, ao mesmo tempo em que se projetavam como o núcleo da nação árabe, e como a ideologia a ser emulada por todos os árabes.
Saddam Hussein especificamente apelava a mitos babilônicos e assírios para legitimar o seu governo, enquanto Hafez Al-Assad promoveu a alauitização do Ba’ath, transformando o partido na vanguarda de uma elite esotérica alauíta.
Os equívocos gerais de teor ideológico do ba’athismo em seu percurso histórico foram claros, e correspondem de maneira geral aos erros da Terceira Teoria Política.
Os regimes ba’athistas prosperaram economicamente nos períodos em que não estiveram sob cerco econômico, mas enquanto cosmovisão eles não ofereceram nada além de versões diluídas do ba’athismo original. Alheios à necessidade do cultivo da dimensão espiritual do homem, os regimes ba’athistas simplesmente acabaram abrindo o caminho para a proliferação do wahhabismo.
Convictos do mito da “nação árabe homogênea”, os regimes ba’athistas negaram a diversidade etnocultural de seus países e tentaram suprimi-la pela força, gerando condições reativas que levaram à destruição do país.
O Ba’ath sírio era, então, o resquício de um ideal do século XX. Bashar Al-Assad iniciou um processo de reforma do partido este ano, mas tarde demais para voltar a torná-lo relevante na vida política síria.
E com o Ba’ath cai, finalmente, o último resquício da “terceira posição” a ainda governar alguma parte do mundo.