Hasbara: Desinformação e Informação

A máquina de propaganda israelense possui um histórico que precede a própria existência do Estado de Israel e é necessário para entendê-la para combatê-la.

Não acredito que seja mero exercício retórico dizer que não há palavras para descrever o que, nestes dias, ou melhor, nestas horas, está acontecendo na Palestina ocupada, no Líbano e agora também no Irã. Não há palavras porque todas já foram ditas, e podemos apenas repeti-las, numa dolorosa repetição de uma narrativa que renova o horror deste último ano.

Ainda assim, as palavras são fundamentais, nesta guerra que começou não no dia seguinte ao 7 de outubro de 2024, mas sim na segunda metade do século XIX: porque se trata da guerra (não há outro termo) declarada pela ideologia sionista contra o resto do mundo. Falamos de uma ideologia relativamente recente, em comparação com as ideologias clássicas que sustentam a construção do Ocidente moderno como o conhecemos, mas não menos agressiva e, sobretudo, capaz de se consolidar e se impor com extraordinária rapidez. É necessário dizer que aquela parte do Ocidente que finalmente começa a entender a extensão desta ideologia deveria recitar o mea culpa várias vezes ao dia e para sempre, pois os sinais estavam todos lá, mas não se quis vê-los; e aqueles que, timidamente, os apontavam eram tachados de infâmia (“antissemita” tornou-se um epíteto mais ofensivo do que “fascista”) e silenciados por todos os meios – e quando digo “todos” quero dizer “todos, sem exceção”, incluindo agressões, prisão e até mortes.

Mas voltemos às palavras e tomemos, por exemplo, o relato da conferência anual da Federation of American Zionists publicado no jornal “New York Times” em 20 de junho de 1899. A conferência propunha “o restabelecimento da Judeia como um Estado independente, sugerindo a compra dos sítios dos Macabeus na Palestina e o início do trabalho do Colégio Agrícola Judaico ali. […] O terreno a ser adquirido compreende cerca de cinquenta acres [aproximadamente 20 hectares – n.d.r.], a seis milhas de uma estação ferroviária na linha entre Jaffa e Jerusalém, e com vista para o mar e para uma grande extensão da costa palestina.” Com “sítios dos Macabeus” fazia-se referência aos territórios do Reino Hasmoneu, um Estado judaico independente que existiu por cerca de cem anos (140-37 a.C.) sob a dinastia dos Hasmoneus, a família sacerdotal que liderou a revolta contra os Selêucidas, então dominadores da região; em 37 a.C., o reino foi conquistado pelos romanos, que depuseram a dinastia e nomearam Herodes, o Grande, como rei.

Ou, ainda, vejamos um panfleto publicado em 1918 pela seção londrina da Zionist Organisation, intitulado The Jewish colonisation in Palestine (A colonização judaica na Palestina), elaborado por Samuel (Shmuel) Tolkowsky (1886-1965), engenheiro agrônomo de Jaffa e ativista sionista, que apresentava a colonização do território palestino como “o nobre ideal do sionismo: a reconstrução da pátria nacional do povo judeu na terra de seus ancestrais.”

E, novamente, aqui estão outras passagens extraídas dos escritos de dois eminentes sionistas, citadas em um estudo oficial das infrutíferas Nações Unidas (www.un.org/unispal/history2/origins-and-evolution-of-the-palestine-problem/part-ii-1947-1977/): “Procuraremos transferir discretamente a população mais pobre para além da fronteira, garantindo-lhes emprego nos países de trânsito, mas negando-lhes qualquer emprego em nosso país. […] Tanto o processo de expropriação quanto o de remoção dos pobres devem ser realizados com discrição e cautela” (Theodor Herzl, The Complete Diaries of Theodor Herzl, Yoseloff, Nova York-Londres 1960, vol. I, p. 88, 12 de junho de 1895); “Entre nós deve ficar claro que não há espaço para ambos os povos juntos neste país… Não alcançaremos nosso objetivo de sermos um povo independente junto com os árabes neste pequeno país. A única solução é uma Palestina, ao menos a Palestina ocidental (a oeste do rio Jordão) sem árabes… E não há outra maneira senão transferir os árabes daqui para os países vizinhos, transferi-los todos; nem uma única aldeia, nem uma única tribo devem ser deixadas… Somente após essa transferência o país será capaz de absorver os milhões de nossos irmãos. Não há outra saída” (Joseph Weitz, Diário, citado em: David Hirst, The Gun and the Olive Branch, Harcourt Brace Jovanovich, Nova York 1977, p. 130).

A importância desses exemplos – ponta de um iceberg colossal e mais complexo do que se pensa – está no fato de que eles estabelecem, preto no branco, as diretrizes do projeto sionista de um “Grande Israel” hegemônico no Oriente Médio e árbitro da política internacional (para usar um eufemismo). Na construção desse projeto, as palavras, ou seja, as estratégias de comunicação, sempre foram fundamentais, como demonstra este outro trecho de Herzl, datado de 12 de junho de 1895: «No momento em que o remodelamento da opinião mundial a nosso favor estiver concluído, estaremos firmemente estabelecidos em nosso país». Agora, esse “remodelamento da opinião (pública)” tem um nome: hasbara.

Literalmente, essa palavra hebraica significa “explicação” ou “esclarecimento”, mas no contexto da política sionista e israelense assumiu um significado mais específico de “propaganda” ou “relações públicas”. Até aí, nada de errado: a propaganda sempre foi amplamente usada por todos os Estados. Mas a entidade sionista israelense não se limitou a divulgar informações e pontos de vista sobre suas posições e políticas; ao contrário, difundiu e continua a difundir informações inverídicas com o objetivo de influenciar a percepção pública internacional em seu favor, especialmente em relação aos conflitos regionais dos quais é o principal ator.

O primeiro a introduzir o termo hasbara no vocabulário sionista foi Nahum Sokolow (1859-1936), pioneiro do jornalismo judeu e líder sionista. Transferido para Londres, junto com Chaim Weizmann (1874-1952, futuro primeiro presidente de Israel) e Yechiel Tchlenov (1863-1918), dedicou-se intensamente ao hasbara para obter o favor de funcionários do governo britânico e de importantes personalidades judaicas, visando criar as condições necessárias para a implementação do projeto sionista.

Em 2003, Ephraim Nimni, professor de relações internacionais e estudioso de conflitos étnicos, escreveu: “O movimento sionista demonstrou uma notável capacidade de encobrir suas fraquezas recorrendo à hasbara, um sofisticado mecanismo de lobby e relações públicas capaz de mobilizar setores significativos da intelectualidade judaica a serviço da causa nacional em casa e no exterior” (The Challenge of Post-Zionism, Zed Press, Londres 2003, p. 2). E no século XXI, como explicou há cerca de uma década o jornalista Anshel Pfeffer, o hasbara é a “nova fronteira global do sionismo” (“Haaretz”, 9 de maio de 2014).

Uma coisa é certa: desde 1948, o resultado mais notável da hasbara tem sido “a desagradável fusão de antissemitismo e antissionismo […] acompanhada da igualmente perigosa fusão de ‘judeu’ e ‘sionista’ nos discursos políticos e nos comentários escritos” (Dervla Murphy, Hasbara in Action, “Irish Pages”, Vol. 9, No. 2, 2015, Israel, Islam & the West, pp. 181-212 – JSTOR). A incapacidade ou, em alguns casos, o recuso em distinguir entre “semita”, “judeu” e “sionista” favorece sionistas e pró-sionistas, dificultando a compreensão da chamada “questão palestina” e desviando a atenção do perigo que o sionismo representa para a estabilidade de todo o Oriente Médio (e, num trágico efeito dominó, para o resto do mundo). Assim, como vemos há décadas, aceita-se passivamente a equação “palestino = terrorista”; nega-se que o que ocorre desde 7 de outubro de 2023 seja genocídio; legitimam-se os ataques do exército israelense no Líbano e no Irã como “direito à autodefesa” – e a lista de distorções semânticas da neolíngua promovida por Tel Aviv poderia continuar.

Nessa guerra de palavras que ceifa vidas humanas, é imperativo usar as mesmas armas. E se a chamada mídia tradicional minimiza, desmente e manipula, a única via possível é a da contrainformação: onde “contrainformação” significa, neste caso, simplesmente a descrição da realidade objetiva.

Foi o que fez, meritoriamente, The National, jovem (fundado em 2014) jornal escocês: em 12 de outubro de 2024, o jornal publicou uma edição extraordinária The National com um suplemento documentando, dia a dia, um ano de genocídio em Gaza. Uma tarefa complexa e impecável do ponto de vista jornalístico, não tentada por nenhum outro veículo de comunicação.

Até hoje, em 13 meses, Israel matou 182 jornalistas e prendeu 128: para se ter uma ideia da gravidade, na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) morreram sessenta e nove jornalistas; na Guerra da Coreia (1950-1953), dezessete; e na do Vietnã (1955-1975), sessenta e três. Está bastante claro que a entidade sionista não quer que se saiba o que exatamente está fazendo na Palestina e como. Por isso, mais do que nunca, é indispensável continuar falando dessa catástrofe, desse abismo de infâmia que poderia engolir o Ocidente (e talvez isso não fosse ruim) – com todos os meios, de todas as maneiras. Quem, sabendo, se cala, é cúmplice.

Fonte: Eurasia Rivista

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Alessandra Colla
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